'COMANDANTE ZERO' ACUSA SANDINISTAS


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 1982

Éden Pastora, o "Comandante Zero", conhecido dirigente sandinista que há dez meses abandonou seu cargo de vice-ministro da Defesa e saiu do país, denunciou ontem a transformação da Nicarágua em "base soviética na América Central" e lançou um chamado aos nicaraguenses para que "derrubem os traidores da revolução e dos ideais de Sandino".
Em entrevista coletiva, na Costa Rica, Pastora divulgou um plano de sete pontos para pôr fim ao que chamou de "regime de terror" na Nicarágua: defesa de um sistema de economia mista, verdadeiro pluralismo ideológico, eleições livres, liberdade de culto, liberdade total de imprensa, respeito aos direitos humanos e estatuto de garantia para todos os nicaraguenses.
Pastora tornou-se famoso ao comandar a ocupação do Palácio Nacional, em Manágua, em 1978.

"Comandante Zero" pede derrubada do regime sandinista

SAN JOSÉ - Éden Pastora, o "Comandante Zero", um dos principais lideres sandinistas durante a luta contra o regime do deposto Anastasio Somoza, rompeu ontem seu silêncio de dez meses - desde que abandonou o cargo de vice-ministro da Defesa e o país - para acusar os atuais dirigentes de terem transformado a Nicarágua em "base soviética na América Central", e lançou um chamado aos nicaraguenses para que "derrubem os traidores da revolução".
Em entrevista coletiva em uma localidade próxima a San José, na Costa Rica, Pastora acusou o governo sandinista de ter lançado a Nicarágua em uma corrida armamentista "perigosa e funesta para todos", e criticou o grande número de assessores estrangeiros e de armamento soviético no país. Para tirar a Nicarágua do que qualificou de estado de tristeza, amargura, insegurança, ou seja, um regime de terror", o "Comandante Zero" apresentou um programa mínimo de sete pontos: 1) Defesa de um sistema de economia mista; 2) Implantação de um verdadeiro pluralismo ideológico; 3) Realização a médio prazo de eleições livres e democráticas; 4) Respeito a todo custo aos direitos humanos; 5) Liberdade de culto; 6) Liberdade total de imprensa e 7) Estatuto de garantia para todos os nicaraguenses.
"Eu e uma grande quantidade de nicaraguenses lutaremos para expulsar da Nicarágua os traidores do sandinismo", disse.

"Ideais de Sandino"

A entrevista coletiva durou mais de uma hora e estiveram presentes jornalistas venezuelanos, norte-americanos, franceses, espanhóis e alemães. O "Comandante Zero" estava acompanhado pelo dr. Hugo Spadafora, ex-vice-ministro da Saúde do Panamá, que há três anos fez parte da "brigada internacional" que lutou contra o Exército de Somoza, ao lado dos sandinistas.
Pastora fez uma análise do que foi sua infância e adolescência sob o regime de Somoza e se remontou à figura do herói nacional Augusto César Sandino, para mostrar como seus ideais foram traídos pelos atuais governantes. Referindo-se à formação da Frente Sandinista de Libertação Nacional, da qual foi fundador há 21 anos, e exaltou os "heroes caídos", entre eles Pedro Joaquim Chamorro, ex-proprietário do jornal "La Prensa", assassinado por ordem de Somoza. Acrescentou que sempre foi leal às idéias de Sandino e que cumpriu sua missão na tomada da cidade de Rivas, do palácio nacional e ao dirigir a frente sul, na ofensiva final contra os somozistas.
Sobre suas divergências com os demais líderes sandinistas, Pastora explicou que começaram desde o momento em que foi formado o governo revolucionário. Quando se deu conta de que não era ouvido pelos demais, abandonou seu cargo de vice-ministro, mas ainda esperou dez meses antes de manifestar sua oposição ao rumo que tomou o governo, na esperança de que fosse feita uma retificação. "Agora, 15 de abril, rompo meu silêncio ante o mundo, devido ao descalabro do governo atual, que estou disposto a combater desde este momento, desde minha trincheira de autêntico revolucionário sandinista".
Segundo Pastora, os atuais dirigentes vivem como viviam os somozistas em seus melhores tempos, "são revolucionários mas andam de Mercedes-Benz". Disse que os irmãos Humberto e Daniel Ortega, respectivamente comandante do Exército e coordenador da junta de governo, se definiram claramente como comunistas e acrescentou: "Tão imperialista foi a invasão do Vietnã como a invasão soviética do Afeganistão, tão reprovável é o governo de El Salvador como o da Polônia. Chegou a hora da Nicarágua. Lutemos juntos para expulsar os ex-estrangeiros" - em referência clara aos técnicos e assessores dos países do bloco comunista que se encontram na Nicarágua.
Pastora encerrou a entrevista gritando "Patria libre o morir".

Insatisfeito com os rumos da revolução

Pesquisa do BANCO DE DADOS - "FOLHA"

No dia 28 de agosto de 1978, um comando da Frente Sandinista de Libertação Nacional invade o Palácio Nacional, em Manágua - sob o regime do poderoso Anastacio Somoza. O comando faz 900 reféns (entre eles, 60 parlamentares), exige a libertação de 84 presos políticos e 500 mil dólares. Obtém êxito e a ação funciona como estopim: em poucos meses, o território nicaraguense, de 130.000 km² (pouco mais da metade do território do Estado de São Paulo), era palco de violentos combates, encerrados com a fuga do ditador em julho de 1979.
Depois do ataque da FSLN ao palácio, o nome de guerra de Éden Pastora ficou famoso - o "Comandante Zero" - por ser corajoso e competente na elaboração de táticas guerrilheiras que o transformaram em herói nacional antes mesmo do desfecho da revolução. Sua popularidade era indiscutível e poucos líderes impunham, no país, um arisma como o seu. Terminados os combates, tornou-se vice-ministro da Defesa e comandante das Milícias Populares.
Mas - conforme depoimento de sua esposa Yolanda - "Pastora não é homem para ficar satisfeito com uma revolução. Ele acredita que a América Central tem de se transformar". Essa afirmação, antes da sua decisão de "sair da Nicarágua para ir lutar em algum ponto da América Central", confirmava para muitos o desejo do "Comandante Zero" em se transformar no "Che" dos anos 80. Dia 8 de julho de 1981, renunciava aos seus cargos e, juntamente com um de seus companheiros de guerra, José Valdívia, que chefiava a Empresa Nacional de Telecomunicações, deixou a Nicarágua, desceu no Panamá, depois de cruzar, por terra, a fronteira Nicarágua-Costa Rica.
Dele ouviu-se depois apenas os protestos da Guatemala, país para onde ele supostamente iria, e noticias sobre os males que sua decisão estava acarretando à causa sandinista no plano internacional. Pai de 8 filhos, Pastora tem hoje 45 anos. Abandonou o estudo da medicina para ingressar na oposição clandestina. A decisão de "sair para lutar" não surpreendeu algumas pessoas dele próximas. "Ele não queria postos, honrarias ou cargos. Deixou a Nicarágua por não ser homem de ficar atrás de uma mesa."
Outros preferiam dizer, mas já por suposição, que Pastora havia se indisposto com a Revolução Sandinista, "mas à esquerda do que a desejada por ele". Quanto abandonou seu país, "Zero" deixou um Exército em formação, com 30 mil homens e um contingente popular de milicianos estimado em 200 mil. De todos eles, Pastora era o inspirador, treinador modelo e ídolo.


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