Depois de muito considerar, decidi confiar ao papel os detalhes do
meu mais importante caso de investigação particular,
que no meu "dossier" se encontra sob o titulo de "Carol
da Rumânia". A data, abril de 1928.
Eu estava afastado das minhas funções oficiais na Scotland
Yard, depois de 18 anos de serviço especial, e consequentemente
livre para qualquer comissão concernente à minha especialização.
Desejo esclarecer perfeitamente que se trata de um caso particular
e que em hipótese alguma estava eu trabalhando para as autoridades
britânicas.
Naquela época, Carol da Rumânia era um exilado passeando
pela Europa com sua favorita, a moderna "Pompadour", Mme.
Lupescu. Sua esposa, a princeza Helena da Grecia, com quem se casára
em 1921, tendo desse casamento um filho nascido em 1923, permanecia
na Rumânia e o menino fôra proclamado rei, com o governo
exercido por uma regência.
A influência de Mme. Lupescu sobre ele era muito forte e por
ela era inteiramente dominado; ele ia de país em país
buscando um santuário para seus amores. Que espécie
de mulher seria esta que até hoje controla a vontade de Carol,
mesmo ocupando um trono? Ela é de altura mediana, cheia de
corpo. Cabelos ondulados, de um ruivo acentuado - uma côr perigosa,
segundo dizem os prudentes. Porém, o traço mais notavel
nesta notavel beleza são os olhos que brilham, ora com ardor,
ora desafiantes, ostentando uma tonalidade verde jade. Madame Lupescu
é judia, com o encanto sazonado das mulheres desta raça.
Veste-se absolutamente na moda, vestidos justos para revelar o talhe,
e é louca por peles de raposa prateada. Pouco esforço
e pintura necessita para aumentar seus atrativos.
Em companhia da atriz principal de um dos mais sensacionais dramas
politicos de todos os tempos, Carol, o exilado, chegou à Inglaterra
usando seu titulo de principe. Imediatamente apelou para o Home Office,
solicitando permissão para residir permanentemente em solo
britânico - a Inglaterra é um lugar famoso para a realeza
exilada -, mas não obteve o que desejava.
O principe Carol foi advertido das condições sob as
quais ele e Mme. Lupescu tinham tido permissão para ficar na
Inglaterra, principalmente de que podia permanecer dois meses desde
que guardasse as conveniências.
Segundo se depreende, não coincidiam as noções
do principe Carol e do governo britânico sobre a maneira de
guardar as conveniências...
Em abril de 1928, pouco tempo antes da chegada do principe, fui procurado
por certos cavalheiros em Paris, membros da facção contra
Carol no governo da Rumânia, solicitando meus serviços
e de meus ajudantes na vigilância dos exilados com a apresentação
de constantes relatórios sobre os seus movimentos. Era claro
que o governo rumaico receava uma conspiração para Carol
retomar ao trono.
Aceitei a incumbência. No mês de maio de 1928, Carol chegou
à Inglaterra e eu reuni meus auxiliares para a vigilância.
O casal rumou para uma encantadora residência no condado de
Survey.
*
É
lógico que, abrigando visitantes reais, a casa se tornasse
interessante para os curiosos. Motoristas, gente em passeio, paravam
frequentemente seus carros na estrada fronteira, sonhando ver os
reais amantes. Vigiava a casa a polícia oficial alugada para
protegê-los - serviço especial da Scotland Yard - e
meus auxiliares.
Mensageiros do telégrafo transpunham constantemente os portões;
carteiros carregados de correspondência e reluzentes automoveis
iam e vinham. Quando o principe Carol deixou a casa, tomou imediatamente
um carro com cortinas descidas, furtando-se assim completamente
aos curiosos.
Os meus vigias nunca relaxavam a vigilância, dia e noite.
No dia 8 de maio, o principe foi informado de que devia começar
a se movimentar para a partida, mas de que não deveria partir
por via aérea. Com desgosto Carol soube que as autoridades
tinham conhecimento das ordens que ele dera para dois grandes aviões
de passageiros permanecerem no aeródromo de Croydon, prontos
a partir com destino desconhecido.
Agora a cena passa-se numa oficina de impressão situada em
rua estreita, perto de Seven Dials, no centro de Londres. Imprimiam-se
folhetos que ninguem entendia, porque eram escritos em rumaico.
Assim que os primeiros milhares ficaram prontos, um mensageiro foi
levá-los ao principe.
Eu tinha conhecimento disso e instruções de Paris
para apanhar alguns desses folhetos, o que, para mim, era o ponto
principal de todo o caso. Conseguí-lo-ia? O problema era
cheio de obstáculos.
Cismava ainda sobre as dificuldades, pesando-as bem, quando o mensageiro
chegou com o precioso embrulho, deixando-o na porta da cozinha,
bem sob as minhas vistas, coincidindo a chegada dele com a do empregado
de uma casa de Londres, trazendo mantimentos e coisas para a casa.
Vislumbrei minha oportunidade. Corri logo estrada abaixo e depois
de alguma procura encontrei um açougue onde comprei a mais
bela perna de carneiro que existia. O açougueiro de certo
pensou que eu era um louco rematado, quando pedi que me alugasse
uma encardida jaqueta e uma bandeja de madeira para carregar a carne.
Vestindo um avental e carregando aos ombros a bandeja, voltei à
casa, transpuz o portão e alcancei a porta da cozinha. Bati.
Nenhuma resposta. Experimentei a porta, que estava aberta, e empurrei-a.
A sorte estava comigo. Ali, no chão da cozinha, de mistura
com os mantimentos, estavam os folhetos, facilmente identificaveis
pela etiqueta. Em segundos estava de posse de alguns. Foi justamente
o tempo de escondê-los no bolso, quando apareceu a creada
para apanhar a carne. Minha presença nem foi notada, certamente
por causa do avental, da bandeja e da carne; e se naquela noite
eles apreciaram o jantar, não tiveram a menor idéia
de que fôra o "moço do açougue" o
organizador da festa!
Logo depois uma cópia dos folhetos estava a caminho de Paris,
via aérea, endereçada àqueles a quem eu servia.
Era o conhecido manifesto do principe dirigido aos seus correligionarios
na Rumânia. O plano que tinha em mente era voar sobre o seu
país e jogar do aeroplano milhares e milhares dos tais folhetos
sobre a terra de que desertára.
Naquela noite, ele foi para a cama com calafrios. Na manhã
seguinte, o meu colega de alguns meses atrás, inspetor Haines,
da Scotland Yard, presenteou-o uma ordem para deixar a Inglaterra
imediatamente.
Na Câmara dos Comuns, o secretário do Interior não
escolheu palavras. Ele disse: "Sua presença na Inglaterra
não é desejada".
O grosseiro abuso do principe contra a hospitalidade inglesa voltou-se
contra ele mesmo. O mau procedimento que teve não foi tolerado
e dois dias depois ele desapareceu, sem encontrar impecilhos, com
a sua companheira de cabelos ruivos, para vaguear de novo pela Europa.
Telefonei para Paris. Minha missão estava acabada.
Dois anos depois, Carol deu o golpe de estado, voltando, pitoresca
e dramaticamente, a Bucarest por via aérea. O seu partido
colocou-o novamente no trono, arrebatando a corôa ao menino
que foi relegado à situação de principe herdeiro.
A princeza Helena tem a simpatia de todo mundo e atualmente os fascistas
da Rumânia são conduzidos por homens que se intitulam
"Cavalheiros de Helena", defendendo-lhe a causa.
*
É
uma coisa problemática a continuidade do real "eterno
triângulo" da Rumânia. Mme. Lupescu - cujo nome
traduzido quer dizer Lobo - vive reclusa, guardada, de residência
em residência, passando a maior parte do tempo em companhia
do seu real amante na Ilha das Serpentes - o misterioso posto militar,
na embocadura do Danúbio, que se diz ser infestado por serpentes
venenosas...
Dizem que os judeus rumaicos pediram a Mme. Lupescu para deixar
o país, porque a presença dela trás a sombra
ameaçadora de um possivel massacre sobre eles todos. Realmente,
o "Esquadrão da Morte", da poderosa Guarda de Ferro,
organização antisemita da Rumânia, tomou solene
compromisso de assassiná-la.
Quando o primeiro-ministro rumaico M. Ducas, foi morto, em 1933,
em seguida a uma entrevista com Carol, começou um reinado
de terror, e ha indicios de um novo reino do terror, a não
ser que ela seja banida do país, porque a favorita do rei
é profundamente odiada por seus súditos. Durante o
ano de 1934, forças poderosas trabalharam no sentido do afastamento
da Lupescu e da reconciliação da princeza Helena.
Aqueles que conheceram a "Pompadour" do rei Carol nos
primeiros tempos desse espetacular "love-romance", quando
em Paris, no Hotel Claridge e na cozinha do Boulevard Bineau, em
Neully, e que tiveram ocasião de vê-la recentemente
são acordes em afirmar que ela não será por
muito tempo a beleza orgulhosa, cujo círculo de magnetismo
afrontava acintosamente o mundo. Murmura-se que ela está
se tornando silenciosa, mais tímida, e de rosto pálido.
E o mundo observa e conjetura sobre o que acontecerá amanhã.
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