O IRÃ AMEAÇA MINAR O GOLFO, SE NECESSÁRIO

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1980

O Irã voltou, ontem, a ameaçar obstruir com minas o estreito de Ormuz -por onde passa 60% do petróleo importado pelo Ocidente-, caso os países árabes do golfo Pérsico ajudem o Iraque na guerra, que hoje completa 24 dias. Em pronunciamento pela rádio Teerã, o comandante da Marinha Iraniana disse que "a liberdade de navegação internacional na região vem sendo garantida pelo Irã, mas, caso se torne necessário, nós minaremos o estreito de Ormuz e o golfo".
O comando militar do Iraque anunciou que suas tropas cortaram em pelo menos dois pontos os seis oleodutos que transportavam petróleo até a refinaria de Abadã. Segundo Bagdá, as tropas iraquianas se encontram a apenas oito quilômetros de Abadã.

Iraquianos mantêm pressão sobre Abadã

TEERÃ e BAGDÁ - As Forças Armadas do Iraque mantiveram ontem, 23° dia da guerra, sob pesado fogo de artilharia todo o complexo industrial de Abadã e parecem ter ampliado sua penetração no extremo Sul da provincia iraniana do Huzistão, segundo informou um grupo de jornalistas britânicos que visitou a frente de batalha na segunda-feira, pelo lado iraquiano.
Isto, contudo, não significa que o Iraque esteja próximo de conquistar seus objetivos em território iraniano. O Irã intensifica sua resistência em várias frentes da guerra e sua Força Aérea continua atacando território do Iraque. A rádio Bagdá informou que três aviões Phanton iranianos bombardearam ontem a capital iraquiana, deixando 12 civis feridos e um automóvel destruído nos subúrbios a Leste da cidade. Correspondentes estrangeiros que se encontram em Bagdá disseram que enormes colunas de fumaça e explosões foram vistas na área atacada pela aviação iraniana, mas não puderam precisar quais os alvos atingidos.
Os jornalistas ingleses que visitaram o "front" na segunda-feira afirmaram que as forças iranianas parecem estar ampliando a "cabeça de ponte" na margem Leste do rio Karun (atravessado pela primeira vez no último fim de semana através de pontes militares provisórias que continuam funcionando). O Exército do Iraque está dirigindo sua ofensiva na área em duas direções: uma ao Norte, rumo a Ahvaz, capital do Huzistão, e outra ao Sul, rumo a Abadã, onde está situada a maior refinaria de petróleo do mundo.

Oleodutos cortados

De acordo com as informações desses correspondentes, as tropas iraquianas já ultrapassaram o leito seco de um lago salgado, entre cinco e oito quilômetros além do rio Karun e cortaram a rodovia de 130 quilômetros que liga Abadã a Ahvaz. Segundo Bagdá, suas forças estão a apenas oito quilômetros de Abadã e explodiram em dois pontos os seis oleodutos que correm paralelamente à rodovia Ahvaz-Abadã.
Os iraquianos anunciaram que os 152 reservatórios do complexo de Abadã - 52 para petróleo bruto e o restante para produtos refinados, como gasolina e benzina - foram atingidos pelo fogo da artilharia e da aviação do Iraque e muitos estão destruídos. Se for correta esta informação, e a de que os oleodutos que saem de Abadã para levar combustível ao resto do país foram cortados, o Irã estará seriamente afetado pela falta de combustível.
O avanço dos iraquianos, porém, se torna mais lento à medida que se aproximam de Abadã, devido ao aumento da resistência Iraniana. Sangrentos combates, com artilharia, infantaria e aviação estão sendo travados (e os dois países continuaram enviando reforços) na área. Aviões Phantom e helicópteros iranianos estão sendo lançados ao combate para deter o avanço das colunas blindadas iraquianas. O Estado-Maior iraquiano disse que sua aviação aniquilou uma coluna blindada nas proximidades de Khorranchahr, na segunda-feira.

Tática clássica

O comando de uma unidade iraquiana declarou aos correspondentes que "Abadã terminou". Sua opinião foi endossada pelo general britânico Edward Fursdon, que visitou a frente como correspondente do jornal "Dally Telegraph", de Londres, embora este acredite que a queda de Abadã não virá a curto prazo. Fursdon afirmou que os soldados iraquianos estão cumprindo à risca as clássicas táticas de guerra -o que pode facilitar a resistência iraniana-, mas destacou o corte das comunicações da Abadã, pelo Leste, selará a sorte da cidade.
Em Khorramchahr, 16 quilômetros ao norte de Abadã, que os iraquianos ultrapassaram em vez de tentarem a ocupação de seus principais pontos estratégicos, os combates prosseguem e ontem atingiram a proporção de um "verdadeiro massacre", segundo o correspondente da agência francesa AFP que não forneceu maiores explicações.
O comando militar de Bagdá informou que em todas as frentes de batalha foram mortos ontem 67 soldados iranianos e 92 ficaram feridos. Além disso, disse que derrubou nove aviões e destruiu três tanques e 15 outros veículos militares do Irã. Admitiu a perda de um avião, três veículos militares e 30 soldados, sete dos quais morreram.
O Estado-Maior iraniano, por sua vez, afirmou que sua artilharia antiaérea derrubou seis aviões iraquianos que bombardeavam o terminal petrolífero das Ilhas Kharg e infligiu "grandes perdas ao inimigo". Segundo Teerã, desde o inicio da guerra, há mais de três semanas, o Iraque perdeu 143 aviões, quatro helicópteros, 824 tanques e outros veículos militares. Mas, não fez nenhuma referência às baixas iranianas.
O jornal "Al Thawra", órgão oficial do Partido Baath, no poder no Iraque, disse ontem que o governo de Bagdá só deu inicio à guerra porque o Irã estava se preparando para atacar o Iraque com todas as suas forças.

Na frente interna, os curdos

TEERÃ - O governo do Irã começa a enfrentar novamente um grave problema interno, que poderá prejudicar seriamente seu esforço de guerra contra o Iraque: os guerrilheiros curdos que lutam pela autonomia da região Noroeste do país. A agência Pars informou ontem que 20 iranianos morreram e 50 ficaram feridos durante uma série de ataques lançados no último sábado pelos rebeldes curdos da região de Urumieh, perto da fronteira com a União Soviética. Acrescentou que 80 guerrilheiros também foram mortos nos ataques.
Os curdos, espalhados por uma região que compreende Irã, Iraque, Turquia e URSS, lutam pela autonomia de seu povo. No Irã, eles lançaram uma grande ofensiva contra o governo central logo após a revolução islâmica de fevereiro do ano passado.
O telegrama da Pars afirmou que os rebeldes eram membros do Partido Democrata Curdo, e os acusou de estarem cooperando com o Iraque. Os curdos iranianos estão justamente concentrados ao longo da fronteira com o Iraque, no Oeste do país.
Segundo à Pars, os curdos tomaram casas e hortas, planejavam atacar objetivos políticos e militares e ocupar uma emissora de rádio e televisão.

OLP apóia Teerã, dizem palestinos

BEIRUTE - Apesar da atitude, assumida publicamente, de neutralidade no conflito, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) está fornecendo secretamente ao Irã "assistência material não-militar, apoio moral e informação que ajudará os iranianos a resistirem ao ataque do Iraque", disseram ontem em Beirute fontes palestinas citadas pela agência de noticias UPI.
Contudo, o principal assessor de Yasser Arafat, Salah Khalaf, conhecido como Abu Iad, disse ao jornal "Al Watan", do Kuait, que a OLP está preparando um plano, junto com a União Soviética, para pôr fim à guerra entre Irã e Iraque. Abu Iad também acusou os Estados Unidos de estarem incentivando a guerra, afirmando que ela é prejudicial tanto aos iraquianos, como aos iranianos palestinos.
As fontes palestinas de Beirute disseram que a ajuda da OLP ao Irã está sendo coordenada com a Síria e Líbia e acusaram o Iraque de estar dividindo o bloco árabe. Acrescentaram que a grande maioria dos palestinos apoia o Irã no conflito e que a posição de neutralidade assumida publicamente pela OLP é compreendida pelo aiatolá Khomeini.

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