2 MIL SAQUEADORES PRESOS

Vandalismo e pilhagens em Nova York, imobilizou por "black-out" de energia

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1977

Saques, tiroteios, incêndios, milhões de dólares de prejuízos, entre duas mil e três mil pessoas presas e 79 policiais feridos foi o saldo do "black-out" em Nova York que em algumas das áreas chegou a durar quase 24 horas.
Depois das 21h34 (22h34 em Brasília) de quarta-feira, quase toda a cidade foi palco de episódios de violência e pilhagens, mas os bairros pobres habitados por negros e porto-riquenhos - onde, aliás, o fornecimento de eletricidade só foi restaurado quase à meia-noite de ontem - mais pareciam o cenário de uma verdadeira insurreição.
Nesses guetos, grupos de rapazes armados com revólveres, facas e porretes lutavam com a polícia e agrediam os bombeiros quando tentavam apagar incêndios ateados pelos próprios moradores, que muitas vezes se entrincheiravam como franco-atiradores para alvejar os bombeiros, segundo um despacho da UPI enviado ontem à noite.
As luzes de Nova York se apagaram todas às 21h34 (22h30 de Brasília) de quarta-feira e só começaram a voltar às 10h de ontem. Mas até perto da meia-noite, cerca de 20 por cento da metrópole continuava às escuras. A causa foi uma tempestade de raios. Algumas descargas elétricas caíram sobre um cabo alimentador, provocando um curto circuito que interrompeu as atividades da usina nuclear de Indian Point. A partir daí, uma reação em cadeia, transformadores e geradores começaram a falhar, deixando Nova York às escuras.

Uma noite de terror em Nova York

Dois raios provocam blecaute de 12 horas na maior metrópole do mundo. Decretado estado de calamidade, após uma onda de assaltos e pilhagens.

Nova York estava quase que totalmente paralisada ontem em consequência de um novo blecaute de mais de 12 horas, provocado por dois raios, que afetou a maior metrópole da Terra entre a noite de quarta-feira e a manhã de ontem. O prefeito Abranham Beame decretou estado de calamidade pública e pediu que ninguém fosse trabalhar, que os novaiorquinos permanecessem em casa e "poupassem energia", depois do que descreveu como "uma noite de terror".
A cidade mostrava um aspecto devastado, caótico, como se Nova York houvesse sofrido um bombardeio. A escuridão permitiu que inúmeros bandos saqueassem quase todos os estabelecimentos comerciais da cidade. Mais de duas mil pessoas foram presas e 79 policiais ficaram feridos, ao lutar contra os bandos de saqueadores.
Apesar de um dos alvos prediletos dos saqueadores terem sido as casas de armas e de terem ocorrido tiroteios esparsos, só um policial foi ferido a tiros. E não há nenhuma notícia de mortes ou de pessoas com ferimentos graves. Os hospitais, entretanto, trabalharam intensamente, mas não tiveram muitos problemas com o blecaute por possuírem geradores próprios.
Durante o período de total falta de energia, cerca de 10 milhões de pessoas foram afetadas. Ao entardecer, 19 horas depois do início do blecaute, 30 por cento da área de Nova York continua sem eletricidade, apesar de a Consolidated Edison, responsável pelo fornecimento, ter informado que regularizaria a situação até às 14h (a energia começou a voltar às 10h). as 15h30, porém, a Con. Edison declarou que a normalidade no fornecimento só voltará à meia-noite.

De repente a cidade sumiu

"De repente, Nova York sumiu", disse um cidadão que jantava no restaurante do World Trade Center, no topo da metrópole. A hora exata em que começou o blecaute foi marcada pelos relógios eletrônicos da cidade: 21h34. Milhares de pessoas ficaram presas nos trens do metrô e nos elevadores dos arranha-céus de Nova York. O Corpo de Bombeiros recebeu 1.500 chamadas, das quais 1.100 falsas, entre as 21h34 e às 6h30 de ontem.
Mas, ao contrário do blecaute anterior a cidade totalmente às escuras passou uma noite muito mais movimentada que o normal. Muita gente saiu de casa, não suportando o calor de 30 graus centígrados (é verão no Hemisfério Norte), agravado pela inoperância dos condicionadores de ar e ventiladores. Bares e restaurantes ficaram cheios de grupos alegres que passaram a noite bebendo à luz de velas ou dos faróis de seus carros.
Outros deixaram suas casas para tentar dirigir o trânsito, que numa cidade onde há semáforos em praticamente toda esquina, virou uma verdadeira balbúrdia. Muitos desses cidadãos, prestimosos acabaram desistindo de arriscar a vida nas confluências e cruzamentos das inúmeras vias expressas da cidade, onde, além dos motoristas habituais, passavam donos de estabelecimentos comerciais, a maioria armados até os dentes, que imediatamente acorreram a suas lojas para protegê-las dos saqueadores.
Alguns chegaram a tempo e, entre espingardas e revólveres carregados, passaram a noite protegendo sua propriedade. Outros só puderam ver a extensão dos prejuízos. Um policial relatou o caso - que não dever ter sido único - de um exato em que um grupo de saqueadores a deixava. Um deles, ao cruzar com o indefeso comerciante, pilheriou: "Tenho uma roupa nova, um jogo de quarto e um jogo de salas novos. Muito obrigado".
Principalmente nos guetos negros e portorriquenhos e pilhagem foi completa e, até certo ponto. Tranquila. Um supermercado ao lado de uma delegacia arrombado e os ladrões "limparam" tudo sem qualquer problema. O alarma contral ladrões de uma loja situada meia quadra da 18ª delegacia tocou três horas, sem que um agente fosse ver o que acontecia no Harlem, um grupo de jovens entrou numa casa de penhores, levando os objetos mais valiosos. Enquanto fugiam, um jovem cruzava a rua numa bicicleta novinha. Atrás dele vinha uma criança de menos de dez anos com uma bolsa cheia de roupas novas. Perto dela, três jovens puxavam um carrinho cheio de sapatos, seguidos por três adolescentes, que lutavam para sentar num carrinho de supermercados cheios de víveres.
Um oficial da polícia relatou, entre assombrado e furioso, que os assaltantes pertenciam a todas as classes coisas, que havia famílias, pais e filhos, de classe média e até ricos que aproveitaram a situação. Um respeitável senhor comentou com um jornalista da AFP: "Jamais teremos uma oportunidade dessas".
A certa altura, segundo a AFP, tornou-se impossível para as autoridades controlar o trânsito, impedir os saques e proteger as pessoas e a Prefeitura ordenou a policiais e bombeiros que retornassem, a seus quartéis.

Vigilantes por cinco dólares

Alguns nova-iorquinos, porém, contaram com a proteção de jovens e robustos concidadãos. Numa esquina da rua 42, na Brodway, uma das áreas mais "quentes" de Manhattan, um grupo desses oferecia um serviço de proteção aos pedestres, insistindo em acompanhá-los até suas casas pela módica quantia de cinco dólares.
Para muitos dos dez milhões de habitantes de Nova York, o blecaute foi, no entanto, mais um motivo de desconforto, como ter de passar a noite fora de casa ou dentro de elevadores parados, andar pelos subterrâneos de elevadores parados, andar pelos subterrâneos, do metrô. Apesar de tudo, e dos apelos do prefeito, ontem de manhã o tráfego até parecia normal, só um pouco mais perigoso pela ausência de semáforos. Muita gente aproveitou o feriado inesperado para ir a Rodhe Island, para um banho de mar.
As lojas, mesmo as que não foram feitas em pedaços, não abriram, assim como bancos, escolas, repartições públicas, fábricas e escritórios. A Bolsa e todos os mercados financeiros também permaneceram fechados. Wall Street estava vazia.
Mas para o prefeito Abraham Beame foi um dia cheio. Quinze horas depois de iniciado o blecaute, convocou a imprensa. Esgotado e irritado, atacou violentamente a Consolidated Edison, responsável pelo fornecimento de energia a Nova York: "Creio que é preciso garantir ao povo desta cidade que isso não voltará a acontecer nunca mais. O mínimo que se pode dizer da empresa que fornece energia a Nova York é que demonstrou negligência, e o pior, algo muito mais grave. E inadmissível que, numa era de tecnologia como a nossa, exista um sistema de distribuição de energia que possa entrar em pane, paralisando a maior cidade do país, por causa de um raio".
"O povo foi vitima da violência, do vandalismo e de saques. As pessoas viveram uma noite de terror. A segurança pública e a economia da cidade foram feridas. O custo foi enorme. Acho um total descalabro que numa hora destas Nova York continue sem fornecimento de energia e ainda sejam vagas as possibilidades de que a Con. Edison restaure o fornecimento completamente", acrescentou Beame, numa entrevista 15 horas depois que Nova York foi mergulhada na escuridão, às 21h34 de anteontem.

Prefeito promete rigoroso inquérito

O prefeito Beame garantiu que haverá um rigoroso inquérito sobre as coisas do blecaute e a Casa Branca informou que o presidente Jlimmy Carter pediu à Comissão Federal de Energia que investisse como um sistema, que supostamente possuia garantias contra esses casos, deixou de funcionar completamente.
Autoridades municipais indignadas interrogaram os responsáveis pela Con. Edison. Mas as explicações não satisfizeram Joyce Tucker, porta-voz da companhia, declarou à imprensa que "a causa foi a Natureza", negando-se a fazer comentários sobre afirmações de que a maior parte da culpa deve ser atribuida a falhas técnicas da empresa. Um engenheiro que tem uma firma do norte de Nova York disse que já na tarde de quarta-feira observara em suas instalações que a corrente caia.
Segundo a versão da Con. Edison, por volta das 21h (19h em Brasília) de quarta-feira um raio caiu perto da subestação geradora de Buchanan, ao norte da cidade. Um transformador foi atingido e paralisou o gerador número três da central de Indiann Point, com capacidade para 900 mil watts. Minutos depois, outro raio caiu num cabo alimentador de 345 mil watts, "num dos pontos de interconexão mais importantes do sistema". As 21h30, o gerador número três da central Ravenswood Queens, com um milhão de watts, parou, deixando toda a região às escuras. O engenheiro tentou diminuir a corrente, para não danificar o gerador, mas tudo aconteceu muito depressa.
O vice-presidente da Con. Edison, Peter Zarakas, explicou que foi possivel superar a primeira queda de voltagem e estavam superando a segunda "e teriamos conseguido normalizar a situação se não houvesse a terceira". O vice-presidente de Planejamento, Bert Schwarts, declarou que o sistema instalado após o blecaute de 1965 deveria impedir quedas na corrente, detetadas através de mudanças na frequência do fluxo de energia: "Esta série de fatos, entretanto, aconteceu tão rápido que o sistema desligou automaticamente antes que o mecanismo de proteção fosse ativado".
O presidente da companhia, Charles Luce, que domingo passado garantira que "o sistema se encontra nas melhores condições", acabou dizendo ontem que "não há nenhum sistema que proteja 100 por cento contra os raios. O sistema se baseia em aparelhos operados por serem humanos. Não há garantias".
Em Washington, a Comissão Federal de Energia afirmou que o blecaute representa "uma grave ameaça à saúde e à segurança públicas e é intolerável". O órgão criticou a Consolidated Edison, por não ter tomado as devidas medidas de segurança. "Desde o blecaute de 9 de novembro de 1965, a indústria elétrica tomou numerosas medidas para evitar uma série repetição daquele episodio. Os fatos recentes demonstram que tais medidas preventivas foram insuficientes, quanto à zona de serviço do Con. Edison ", acrescentou a Comissão.
Ironicamente, os últimos bairros a recuperar a eletricidade foram o Harlem e outros habitados predominantemente por negros e porto-riquenhos, onde a polícia efetuou a prisão de mais de 2.500 pessoas por saque e vandalismo, enquanto corria o perigo permanente de franco-atiradores.

Há 12 anos, as mesmas cenas

A 9 de novembro de 1965 a escuridão também tomava conta de uma faixa territorial de 130 mil quilômetros quadrados, incluindo Nova York, quase toda a Costa Leste dos Estados Unidos e o Sul do Canadá. No total foram 30 milhões de pessoas atingidas, na época, pelo corte de energia elétrica, que teve inicio às 17h30 do dia 9 e só foi suspenso 12 horas depois. A causa da interrupção foi a sobrecarga na rede que abastecia aquela vasta área.
Naquela noite, em Nova York, 8560 mil pessoas foram obrigadas a dormir nos vagões do metrô, outros milhares - moradores dos subúrbios - passaram a noite em seus locais de trabalho, no chão dos corredores de hotéis, ou em restaurantes iluminados a lampiões de gás. Lojas foram saqueadas, a delegacia policial n° 25, no bairro do Harlem, viu-se invadida por centenas de pessoas que temiam por sua integridade física, os sistemas de calefação - era início de inverno - não funcionaram, e, no Empire State, uma parede teve que ser derrubada por policiais para que o elevador fosse esvaziado.
Mais de 300 aviões foram desviados para aeroportos vizinhos, depois de voarem em circulo por um longo espaço de tempo. Os serviços rádio-comunicação e radar do aeroporto John Kennedy foram cortados.
Mas as consequências do blecaute não terminaram na manhã do dia 10 de novembro quando a energia voltou a ser fornecida; nove meses depois, outro reflexo: as maternidades de Nova York registravam um aumento no número de nascimento da ordem de 100 por cento. O maior desde o término da segunda guerra. "Privados da televisão e de outros divertimentos, numerosos novaiorquinos encontraram outros meios para não se aborrecer durante a escuridão ", afirmou um sociólogo ao Times.
Também as causas do blecaute, somente algumas semanas depois foram completamente elucidadas, apesar do pedido de rapidez feito pelo presidente Lyndon Johnson, surpreendido pela noticia em seu rancho no Texas. O motivo: a sobrecarga de energia causada por um pequeno comutador de usina em Queeston, Ontário, que alimenta toda a Costa Leste dos Estados Unidos e o Sul do Canadá. O comutador cortou o fluxo de energia numa das principais linhas de vazão, provocando assim a abertura de todos os comutadores de segurança, em todas as linhas de usina, que em consequência, ficaram sobrecarregadas.
No entanto, o que deixou alarmados técnicos em energia e estrategistas norte-americanos foi a possibilidade de um ataque armado e, particularmente, nuclear em uma situação de blecaute, e a constatação da vulnerabilidade do país.

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