LADRÃO, FALSARIO E ESPIÃO!

A extranha personalidade de Lenine vista por Trotzky - um sectario fanatico que lançou mão de todos os meios, até os criminosos, para impôr seus ideaes

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 15 de janeiro de 1933

Neste texto foi mantida a grafia original

Os jornaes de quarta feira ultima publicaram um telegramma de Stambul, onde actualmente se encontra Leon Trotzky, segundo o qual o famoso agitador russo teria feito declarações inesperadas a proposito da reedição de um livro por elle escripto ha alguns annos sobre Lenine.
Adeanta esse despacho telegraphico, que Trostzky fez as seguintes declarações.
"A casa editora allemã "Vida Publica", que eu desconheço, informou-me que fará nova edição do velho livro sobre Lenine. Ignoro se isto é autorizado pelas leis allemãs. Quanto a este ponto, sou indifferente. Porém, o que tem importancia é o facto de que a citada brochura foi escripta sob a impressão do fallecimento de Lenine, não correspondendo ao meu ponto de vista. Actualmente preparo uma obra sobre o mesmo assumpto e considero injusta a apresentação de uma brochura inopportuna, datando de 1924".
A casa "Editorial Dédalo", de Buenos Aires, por sua vez, annuncia a publicação da versão hespanhola de um livro de Trotzky "A vida de Lenine". Ignoramos se se trata da obra repudiada agora pelo autor, ou se é a que Trotzky affirma estar preparando. Parece, todavia, tratar-se desta ultima, pois, "Supplemento", antecipando alguns capitulos, affirma que o caso do "trem lacrado" estava, "até agora, envolto em mysterio".
Seja, porém, como fôr, represente esse livro o primitivo ou o actual pensamento do revolucionario russo, vamos traduzir alguns trechos interessantes desse trabalho. Fazemol-o apenas a título de curiosidade, pois nunca se sabe exactamente qual é o verdadeiro pensamento de um revolucionario, principalmente de um revolucionario russo. O que é certo, porém, é que Lenine apparece aqui na sua mais perfeita photograhia moral.
Ouçamos, pois, a palavra de Trotzky.
Quando Lenine fabricou moeda falsa

"Apezar do grande exito jornalistico de "Iskra" , os pobres refugiados russos viviam numa miseria negra e, para sustentar o jornal, Lenine teve que valer-se de mil estranhos expedientes. Da Russia chegavam-lhe pequenas quantias, collectadas com difficuldade nos meios operarios. Às vezes, a policia conseguia apoderar-se das remessas, confiscava as importancias e mandava para a Siberia os que estavam envolvidos no caso.
Os Plejanov, Axerold, Martof, Deic, Vera Zesulic e Potresof pronunciavam maravilhosos discursos mas não encontravam meios de recolher fundos; e Lenine, que não sabia como pagar a typographia, procurou um gravador lettão chamado Valcis que tinha soffrido trabalhos forçados na Siberia, por falsificar notas de Banco. Valcis tinha se dirigido anteriormente a Lenine, pedindo-lhe que o aproveitasse de qualquer forma em beneficio da causa.
- Amigo Valcis. Venho ver-lhe para dar-lhe trabalho. Poderia fazer no estabelecimento em que trabalha, uma nota de Banco russo e estampar duzentos exemplares?
Valcis pediu prazo para pensar. Lenine passou alguns dias de ansiosa e angustiosa espera. Plejanov, ante a proxima morte do jornal rebelde à sua vontade, sentia-se satisfeito. Lenine desejava dinheiro para mudar-se para a Inglaterra e continuar publicando o "Iskra".
Valcis, enfim, fez uma admiravel falsificação que Lenine acceitou com prazer.
E "Iskra" pôde viver...

Espião, ao serviço da Alemanha

Alexinki encontrou nos archivos da Okrana uma declaração de Svatikov, agente da Segurança Política Russa, na Suissa, na qual assegura que Lenine esteve em contato com a espionagem allemã na Suissa.
Lenine, no dia 28 de dezembro de 1916, sahiu de Zurick com uma pequena maleta de mão. Foi à estação, tomou o trem, e chegou a Berna às 10 horas.
Tomou um quarto do "Hotel de France", onde esteve meia hora. Depois sahiu, tomou um bonde e chegou ao extremo da cidade, de onde subiu, a pé, até o centro, passeando e fingindo que contemplava as vitrinas para ver se alguem o seguia. De quando em quando, olhava em torno. Assim, caminhou até a legação da Allemanha. E, sem voltar-se, entrou rapidamente.
Eram onze e meia da manhã. Svatikov esteve vigilante até as nove da noite sem ver sahir Ulianov . Nem nessa noite, nem ainda na manhã seguinte, elle appareceu no "Hotel de France" onde havia alugado um quarto.
A vigilancia continuou no dia 29.
Às 4 horas da tarde desse dia, Ulianov sahiu, finalmente, dirigindo-se ao "Hotel de France", onde permaneceu um quarto de hora, pagou sua conta e tornou a partir de trem, com destino a Zurich.
E certo que Lenine recebeu dinheiro da Allemanha; não, porém, para seu proprio interesse, mas para o do seu partido. Serviu-se da Allemanha como da "Okrana", sem que isso lhe proporcionasse nenhum proveito pessoal.

O mysterio do trem lacrado

Impedido o caminho da Suecia, não restava outro caminho, senão atravessar a Allemanha e tentou-se obter uma licença dos Imperios Centraes.
Em sua reunião realizada pela comissão socialista de Zimervald, o "menchevique" Martov approvou o projecto, encarregando o camarada suisso Platten de encaminhar as negociações com os allemães. A legação da Allemanha em Berna, crendo que Lenine seria um auxilio efficaz para o exito da politica allemã, acceitou a proposta, em data de 24 de março e, em consequencia, firmou-se o seguinte documento historico:
"1o - Eu, Frederico Platten, conduzirei, sob minha inteira responsabilidade e risco, o vagão contendo os emigrados e refugiados politicos que desejam regressar a Russia, através a Allemanha.
2o - Platten, só e exclusivamente, é quem estará em contato com as autoridades e administrações allemãs. Ninguem poderá entrar no vagão sem sua autorização. É concedido a esse vagão o direito de extraterritorialidade.
3o - Não poderá ser exercida nenhuma revista pessoal ou de passaporte, nem á entrada, nem á sahida da Alllemanha.
4o - As pessoas serão admittidas no vagão quaesquer que sejam suas opiniões ou seus pontos de vista relativamente à questão da guerra ou da paz.
5o - Platten se encarregará de adquirir os bilhetes de estrada de ferro dos viajantes, ao preço normal.
6o - Na medida do possivel, a passagem se effectuará sem interrupção. Ninguem poderá abandonar o carro, seja por sua iniciativa ou por ordem de outrem. Não haverá interrupção alguma na viagem, sem necessidade technica.
7o - A autorização dessa passagem pelo territorio allemão não é concedida senão como base para troca com os prisioneiros ou internados allemães e austriacos na Russia.
8o - O intermediario e os viajantes compromettem-se a influir pessoalmente com a classe operaria para que seja cumprido o art. 7o.
9o - A viagem da fronteira suissa à fronteira sueca, assim como suas condições technicas, é de realização immediata, com a maior celeridade possivel".
Em uma famosa carta de despedida aos operarios suissos, disse Lenine: "O governo provisorio trata de enganar os operarios russos, dizendo-lhes: "Os allemães devem derrubar o kaiser". Mas não diz que os inglezes e os italianos devem derrubar seus reis, e, os russos, os seus Kerensky, Gutchokov e Milinkov que confirmam os tratados de rapina ultimados pelo czarismo com a França e a Inglaterra."
Trinta e dois socialistas russos bolchevistas abandonaram Berna a 26 de março, entre elles Carlos Radek, austriaco, convertido em russo, Lenine presidia a expedição.
Em Schaffouse, os bolchevistas entraram num vagão allemão que foi rapidamente lacrado. Uma lacragem material, posto que, durante a travessia pela Allemanha, varios policiais prussianos não permittiram que ninguem tivesse communicação com aquelles internacionalistas que levavam o virus anti-patriotico à Russia.

Por que roubou. Por que falsificou....

Plejanov sentia um infinito desdem por Lenine, a tal ponto que o "Iskra" se publicava sem nenhum artigo seu.
Uma vez, Plejanov convidou Lenine para um passeio e foram, por imposição de Lenine, ao cemiterio de Primorosa Hill.
Plejanov disse:
- Que prazer sente em passear por estes lugares?
- Logo o saberá, Jorge Valentinovich - respondeu Lenine.
Plejanov fitou amargamente Lenine, com quem sempre tivera discussões azedas. Poucos passos adiante, Lenine deteve-se ante uma tumba coberta de flores e chamou a attenção de Plejanov, dizendo:
- Parece mentira que um homem como você, chefe do nosso partido, desconheça que este é o tumulo de Karl Marx!
- Karl Marx? repetiu Plejanov. Sentemo-nos e reflictamos. Reconheço minha torpeza, pois ignorava o lugar onde jazia o genio do seculo XIX.
Lenine não acceitou a parada que lhes propunha Plejanov e, plantado diante delle, mirando-o com aquelles olhos obliquos que tanto terror produziam nos seus contendores, falou-lhe:
- Ha tempos eu pensei, Jorge Valentinovich, que você era o ícone do partido, mas nada mais. Agora, diante deste tumulo, digo-lhe: Que se a classe operaria tiver que esperar, da burguezia reinante, a solução dos seus problemas, nada faremos de util. A legalização dos direitos dos operarios não terá lugar enquanto nossos inimigos tiverem à sua disposição, armas invencíveis. Para esse fim, tendem a sua technica e a sua chimica. Devemos subjugar a burguezia antes que isso aconteça; devemos manter o mundo em constante revolução; devemos repellir tudo o que nos offerece e nos promette o Estado democratico; devemos ter sempre na mão o punhal occulto e uma bomba no bolso, para atacar no momento opportuno. Não existe outro caminho, Jorge Valentinovich.
Plejanov olhou Lenine, com odio, e respondeu:
- Enquanto isso chega, você falsifica notas de Banco, organiza roubos a mão armada contra estafetas de Correios e arroja uma vergonha sobre os altos idéaes do socialismo!
- É verdade; falsifico dinheiro, que deixa de ser falso quando serve aos ideaes revolucionarios. Tomo dinheiro aos nossos inimigos, os policias da Okrana, dinheiro que vêm engrossar as exhaustas caixas do partido: fui um dos chefes do assalto ao estafeta de Tula para que esse dinheiro servisse aos altos fins do socialismo universal. Fala você em vergonha e honra, que são cousas que os nossos inimigos desconhecem. Dir-lhe-ei, tambem, que suas palavras me fazem mal e aqui, diante deste tumulo, asseguro-lhe que não me deterá a scisão do partido. Não me deterei um só momento, quando tiver que arrasar e desfazer tudo quanto se opponha à nossa marcha; pisarei e desfarei sem que nenhum freio me contenha. Não tenho, de meu, mais que a idéa e sou capaz de defendel-a com a palavra, com as unhas, com a força e com a bayoneta.

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Jornal que Lenine e outros socialistas russos começaram a publicar em 1900 na Allemanha. "Iskra" quer dizer "Chispa", "Fagulha".
Isto occorreu ainda na Allemanha na primavera de 1902.
A polícia política do regime czarista.
Wladimir Ulianov que é o nome de Lenine.
Grande escriptor marxista, lider da social-democracia russa.
Em Londres, no tempo em que os lideres socialistas russos, abandonando a Allemanha, se installaram ali.
Cidade da Russia Central.


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