AMERICANOS ABATEM SEUS HELICÓPTEROS POR ENGANO


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994

FERNANDO CANZIAN
De Nova York

Dois caças F-15C americanos derrubaram por engano ontem dois helicópteros do Exército dos EUA no norte do Iraque, matando as 26 pessoas a bordo.
Dos ocupantes, 15 eram oficiais americanos, dois britânicos, um francês e três turcos. Eles faziam parte da operação de ajuda humanitária das Nações Unidas para a minoria curda no norte do Iraque.
Cinco passageiros curdos também morreram no incidente. Os helicópteros estavam se dirigindo a Salahaddin, na região central curda, para levar os oficiais a um encontro com líderes curdos.
Os caças patrulhavam a "zona de exclusão aérea" estabelecida pela ONU ao norte do paralelo 36 iraquiano.
Os pilotos confundiram os helicópteros UH-60 Blackhawk dos EUA com aparelhos iraquianos Hindi. Cada um dos caças disparou um míssel contra os helicópteros.
O incidente aconteceu às 9h30 da manhã (4h30 em Brasília), 56 km ao norte da cidade iraquiana de Irbil, próxima à fronteira com a Turquia.
Um dos helicópteros caiu próximo a Amada e o outro a Bekhma, ambas vilas iraquinas, segundo informações do governo da Turquia.
Toda a operação foi observada por um avião de reconhecimento Awac americano.
"Claramente alguma coisa saiu errada", disse John Shalikashvilli, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA.
Shalikashvilli, que suspendeu uma visita marcada anteriormente para ontem à embaixada do Brasil em Washington, afirmou desconhecer se o sistema de identificação eletrônica usado entre os aparelhos americanos funcionou durante o incidente.
O presidente dos EUA, Bill Clinton, pediu ao Pentágono (que centraliza as Forças Armadas americanas) uma apuração rigorosa sobre o incidente e lamentou a morte dos ocupantes dos helicópteros.
O secretário de Defesa dos EUA, William Perry, assumiu a responsabilidade pelas mortes em entrevista coletiva no Pentágono na manhã de ontem.
O ministro da Defesa britânico, Malcolm Rifkind, que participava de encontros em Washington, qualificou o ocorrido como "uma grande tragédia".
Nenhuma das autoridades informou se houve tentativa de contato por rádio entre os caças e os helicópteros.
Aviões americanos e aliados vêm patrulhando a "zona de exclusão aérea" ao norte do Iraque desde o final da Guerra do Golfo, em 1991. Aviões aliados também têm realizado operações semelhantes ao sul do país, abaixo do paralelo 32.
As "zonas de exclusão aérea" foram criadas pela resolução 688 do Conselho de Segurança da ONU em abril de 91. Visam impedir ataques das forças de Saddam Hussein aos curdos no norte do Iraque e aos xiitas no sul do país.
'Fogo amigo' matou 35 americanos no Golfo

'Fogo amigo' matou 35 americanos no Golfo

Os americanos têm um nome específico para os mortos por engano durante guerras. São as vítimas de "fogo amigo".
Na guerra contra o Iraque (1991), morreram 35 soldados americanos e 72 ficaram feridos por "fogo amigo", 17% de todas as baixas dos EUA. Os americanos mataram ainda nove britânicos.
Especialistas calculam que um em cada 50 americanos mortos na 2ª Guerra, na Guerra da Coréia e na Guerra do Vietnã foram atingidos por suas próprias tropas ou por aliados.
A tendência é piorar, segundo analistas militares.
"A estrutura da guerra está mudando fundamentalmente... o tempo dos combates caiu muito e a margem entre morrer ou ser morto é de uns poucos segundos", diz Tony Cordesman, do Centro Wilson de pesquisa (Washington).
Um tempo tão curto torna quase impossível para o piloto de um caça verificar o alvo com seus próprios olhos antes de atirar.

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.