LUTA-SE NO CHILE; MIL MORTOS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 1973
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MENDOZA - Mais de mil mortos e varias centenas de feridos constituiam,
no fim da tarde de ontem, o saldo parcial da intensa luta que ainda
se trava em Santiago e nas principais cidades chilenas, em consequencia
da tenaz resistencia civil ao golpe militar que derrubou o governo
do presidente marxista Salvador Allende.
Em Mendoza, cidade argentina proxima à fronteira chilena, onde
se concentra a maior parte dos jornalistas estrangeiros, podia-se
captar emissões de radios clandestinas em poder das forças
esquerdistas recem-derrubadas. Segundo estas transmissões estavam
sendo travados duros combates entre as Forças Armadas e operarios
que ainda mantêm ocupadas cerca de 40 fabricas nos chamados
cordões industriais dos suburbios de Cerrilhos e Maipu, em
Santiago.
Por outro lado, emissoras da rede oficial controlada pela Junta Militar,
tambem captadas em Mendoza, reconheciam que as Forças Armadas
ainda tentavam desalojar os ultimos focos de franco-atiradores no
alto dos edificios do centro de Santiago. Informavam também
que foi estabelecido um sistema de emergencia para retirar das ruas
centrais e sepultar o grande numero de mortos, civis e militares.
Ao mesmo tempo, o Corpo de Bombeiros tentava eliminar varios incendios
no centro da cidade.
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Completo
isolamento |
Segundo informações de outras fontes, chegadas aqui,
as ruas de Santiago estão agora desertas, mas o silêncio
é interrompido a todo instante pelas sirenas dos bombeiros
e das ambulancias. Às vezes irrompeu também tiroteios
isolados em pontos que não podem ser identificados. Do centro
da cidade podem-se ouvir os disparos de artilharia pesada, que ocorrem,
possivelmente nos suburbios industriais.
Além dos militares e forças de segurança, somente
medicos e enfermeiros munidos de salvo-condutos podem transitar pelas
ruas.
Após terem destruido terça-feira a torre de telecomunicações
e o sistema de comunicação via satelite e silenciado,
mediante bombardeio aereo, os radios leais a Allende, as Forças
Armadas destruiram ontem, parcialmente, a principal central telefonica
interurbana de Santiago, completando assim o total isolamento do Chile.
Mesmo as radios oficiais transmitem com potencia muito reduzida e
só podem ser captadas nas proximidades da fronteira chilena,
que por sua vez continua fechada.
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Dificuldades |
A extrema violencia com que estão agindo as Forças Armadas,
as noticias de fuzilamentos sumarios e o adiamento da abertura da
fronteira e da normalização dos serviços de telecomunicação
revelariam as dificuldades que os militares estão enfrentando.
Ao mesmo tempo, versões não confirmadas davam conta
que os militares ainda não teriam conseguido controlar a situação
nas provincias do extremo sul do país, habitadas preponderantemente
por camponeses indios mapuches, de larga tradição de
rebeldia, e onde o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionaria) concentrara
durante o governo de Allende suas principais bases guerrilheiras.
A esses problemas somam-se as dificuldades que as Forças Armadas
estariam encontrando para constituir o novo governo. Aparentemente,
segundo transpirou na Argentina, os partidos politicos, principalmente
a Democracia Cristã, estariam relutando em colaborar com o
novo governo, para não comprometer-se com a onda de violencia.
Em Buenos Aires, Gabriel Valdez, chanceler chileno durante o governo
de Eduardo Frei, rechaçou terminantemente as noticias que circularam
à tarde, segundo as quais ele teria sido convidado pela Junta
Militar a assumir o governo. Valdez, que chegou ontem à tarde
a Buenos Aires, procedente de Washington, não desmentiu o convite,
mas descartou enfaticamente qualquer possibilidade de sua aceitação.
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"Triste
e dolorosa missão" |
Os três membros da Junta Militar que destituiu o presidente
Salvador Allende apareceram ontem num curto programa de TV, irradiado
para todo o Chile, e o comandante em chefe do Exercito, general Augusto
Pinochet, assim explicou a sua ação:
"Não pudemos fugir dessa triste e dolorosa missão,
pois foi preciso que tomassemos a responsabilidade, depois de três
anos de cancer marxista que tinha conduzido o país a uma ruptura
moral e social, que os interesses da patria não podiam suportar
mais tempo. Estamos certos de que todos os chilenos compreenderão
e lutarão conosco para que a estrela do Chile volte a brilhar."
Ainda pela TV, um grupo de oficiais mostrou ao povo chileno um verdadeiro
arsenal de armas que Allende mantinha em palacio e em sua casa. A
TV mostrou ainda a cozinha da residencia do ex-chefe de Estado, onde
se viam grandes quantidades de alimentos armazenados e bebidas finas,
"num momento", segundo declarou um dos oficiais, "em
que o país atravessa enorme escassez de generos".
O comentarista insistiu especialmente que todas as armas eram de fabricação
sovietica. Segundo revelações extra-oficiais, Allende
matou-se com uma carabina que havia recebido de presente do primeiro-ministro
cubano Fidel Castro.
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Allende
sepultado |
Salvador Allende Gossens, de 65 anos, foi enterrado ontem ao meio-dia
na presença de membros de sua familia, anunciou a Junta Militar
chilena dirigida pelo general Augusto Pinochet. A Junta, em comunicado
oficial, confirmou o suicidio do ex-presidente, mas não fez
referencia à sorte de sua esposa, Ortensia Bussi de Allende,
que se encontrava em sua residencia quando esta foi bombardeada pela
Força Aerea.
O comunicado da Junta diz:
1) As 13h:00 de terça-feira, dia 11 de setembro de 1973, Salvador
Allende ofereceu render-se, incondicionalmente, às forças
militares.
2) Para isso ficou resolvido, de imediato, o envio de uma patrulha
cuja chegada ao palacio de La Moneda foi dificultada pela ação
de franco-atiradores colocados notadamente no ministerio de Obras
Publicas e que pretenderam interceptá-la.
3) Ao ingressar a patrulha no palacio de La Moneda, encontrou, em
seu interior, o cadaver do senhor Allende.
4) Trasladado ao Hospital Militar, uma comissão medica integrada
pelos chefes dos serviços sanitarios das Forças Armadas
e do Corpo de Carabineiros juntamente com um medico legista, constatou
a morte por suicidio.
5) Ao meio-dia de 12 de setembro foram realizados os funerais privados,
na presença de sua familia.
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A
resistencia |
Varios focos de resistencia continuavam a agir ontem em Santiago,
especialmente nos suburbios e no Ministerio das Finanças, perto
do palacio presidencial, que a aviação se preparava
para bombardear. Os chefes militares advertiram que "fuzilarão
todo opositor armado". Fizeram um apelo à população
para que se mantenha em suas residencias. O toque de recolher continua
total e ninguém pode sair às ruas, individualmente ou
em grupo.
A capital chilena continua isolada do resto do mundo. Todas as vias
de comunicação estão cortadas e o aeroporto de
Pudahuel continua fechado.
Os militares não forneceram nenhuma informação
sobre o destino de ministros, deputados, senadores e lideres sindicais
que pertenciam à Unidade Popular. Não se sabe da sorte
do lider comunista Luís Corvalan e do chefe do Partido Socialista,
Carlos Altamirano.
Foram presos, segundo nota oficial da junta de comandantes, cerca
de 100 personalidades do antigo regime, entre eles o ex-ministro da
Defesa Orlando Letelier e o ex-chanceler Clodomiro Almeyda.
Também não foi dada informação oficial
sobre o numero de vitimas da luta que resultou na queda e morte de
Allende. Foi confirmado o suicidio do ex-ministro do Interior Daniel
Vergara e do secretario particular de Allende, Augusto Olivares.
O palacio de La Moneda foi destruido em cerca de quarenta por cento
e a residencia do ex-presidente foi bastante danificada.
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Posição
dos EUA |
Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Gerald Warren, desmentiu
enfaticamente insinuações de que a Agencia Central de
Inteligencia (CIA) teve participação ativa na derrubada
do regime constitucional chileno. Disse que os Estados Unidos "estão
estudando" o reconhecimento do novo governo, emergido do golpe.
Sobre a morte do ex-presidente do Chile, Warren declarou que "a
Casa Branca não tinha nenhum comentario a fazer".
O governo da Espanha reconheceu ontem a Junta Militar chilena.
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Junta
militar pede o apoio do povo para a reconstrução |
SANTIAGO, - Os membros da junta militar que governa o Chile, formada
pelo comandante do Exercito, general Augusto Pinochet, pelo chefe
da Marinha, almirante José Toribio Merino, pelo comandante
da Força Aerea, general Gustavo Leigh e pelo chefe da Policia
Militar, general Cesar Mendoza, apresentaram ontem, pela cadeia de
radio e televisão, os planos que têm para a reconstrução
do país.
O general Pinochet leu um comunicado, onde declarou: "Não
pudemos fugir desta triste e dolorosa missão, pois foi preciso
que assumissemos a responsabilidade, depois de três anos de
cancer marxista que tinha conduzido o país a uma ruptura moral
e social, que os interesses da patria não poderiam suportar
por mais tempo. Estamos certos de que todos os chilenos compreenderão
e lutarão conosco para que a estrela do Chile volte a brilhar".
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Filme
especial |
Pouco depois, a TV mostrou milhões de espectadores a copa e
a cozinha da residencia semidestruida do falecido presidente apresentando
um enome estoque de alimentos e bebidas finas.
O locutor afirmou que "isso sucedia num momento em que o país
enfrentava uma grande escassez de generos de primeira necessidade.
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As
armas |
A televisão exibiu também arsenais de armas que, segundo
os oficiais, estavam escondidas no palacio do governo e na residencia
de Allende.
Centenas de fuzis automaticos, coqueteis "Molotov", varias
bazucas antitanques foram mostrados.
Os locutores informaram que a maior parte das armas era de fabricação
sovietica.
A residencia do ex-chefe de Estado foi bombardeada pela aviação.
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Novo
comunicado |
Mais tarde, a junta divulgou um comunicado afirmando: "Todos
aqueles que insistirem em sua atitude suicida e irresponsavel, serão
alvos de um ataque definitivo por parte das Forças Armadas.
"Os que forem aprisionados, serão fuzilados no ato. Se
necessario, faremos explodir os edificios para deter os franco-atiradores".
Um outro comunicado ordenou a todos os civis de Santiago (três
milhões de habitantes) "que não saiam às
ruas, individualmente ou em grupo, até que seja suspenso o
toque de recolher".
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Como
Allende morreu |
SANTIAGO - Um oficial do corpo de Carabineiros revelou que o presidente
Salvador Allende cometeu o suicidio com uma carabina automatica que
lhe foi dada de presente pelo primeiro-ministro cubano Fidel Castro.
Disse o oficial que a arma estava junto ao cadaver do ex-presidente,
em um salão do segundo andar do palacio de La Moneda. A versão
oficial diz que Allende deu um tiro na boca. O oficial não
revelou qual o calibre da carabina.
Informou ainda que encontrou numa outra sala o corpo de Augusto Olivares,
o assessor de Imprensa do presidente, que também se suicidou.
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Assassinato? |
Em Rosario na Argentina Mariano Sanchez, membro do comitê Central
da Juventude do Partido Socialista chileno, declarou que Salvador
Allende foi assassinado, ao lado de seus companheiros.
Em entrevista ao correspondente local do vespertino de Buenos Aires,
"El Mundo", Sanchez afirmou:
"Aquele que ache que o companheiro de Allende se suicidou nada
sabe sobre ele. Allende foi assassinado juntamente com seus companheiros,
no palacio de La Moneda".
Enviado em missão de informação pela Unidade
Popular do Chile, Sanchez acrescentou que seus companheiros em Santiago
previam o golpe militar e que, na vespera, tinham passado à
clandestinidade. |
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