O "STREAKING" PROTESTO OU EXIBICIONISMO?


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1974

Washington, março - "To streak" quer dizer, entre outras coisas, mover-se rapidamente. É exatamente o que os estudantes americanos estão fazendo em lugares publicos. Nus. Não há um dia que passe sem que a televisão ou os jornais anunciem um novo espisodio de "streaking", uma febre que ameaça tornar-se universal.
A guerra do Vietnã terminou e não foi substituida, os negros conseguiram muitas das coisas que reclamavam, as mulheres não estão sendo tão discriminadas nos empregos (em alguns casos é a chamada "maioria" que tem dificuldades em encontrá-los), o sexo não é mais tabu numa sociedade altamente permissiva. O que restava fazer, então, senão correr despido pelas ruas ou qualquer lugar em que houvesse espectadores?
Há poucos dias em "streaker" deixou nu o banheiro de um avião da Pan American, foi às pressas até o fim do corredor e voltou para vestir-se. Dizem que um passageiro britanico o encorajou. Os demais acharam engraçado.
Um torcedor de baseball, entusiasmado com a vitoria de seu time deu a volta olimpica em torno do estádio da Universidade de Miami completamente despido.
Cinco estudantes da Universidade da Georgia saltaram de para-quedas ao encontro de uma multidão que os esperava com grande entusiasmo. No dia seguinte repetiram o ato para os fotografos.
Em Austin, Texas, um "streaker" interrompeu a cerimonia em que Walter Cronkite - o mais famoso e mais bem pago editor de noticiarios de TV dos Estados Unidos - recebia um premio das mãos da viuva do ex-presidente Lyndon B. Johnson. Linda Byrd limitou-se a sorrir, mas Cronkie achou o gesto maravilhoso e comentou:
"O problema com minha geração é que não era imaginosa".
E talvez a mais espetacular de todas as manifestações de "streaking" ocorreu no Oregon: um sujeito completamente vestido atravessou uma colonia de nudistas. Era o "streaking" às avessas.
A lista é infindavel. Na maioria das vezes, "streaking" não é um gesto solitario. Ao contrario, o numero de participantes parece crescer. Não raras vezes os grupos são mistos e pelo menos numa ocasião as mulheres predominaram numa relação de três por um.
Até agora o recorde pertence à Universidade de Colorado: 1.200 "streakers" de uma só vez. A loucura está ficando tão popular que uma estação de radio de Washington fornece informações sobre local e horario da passagem dos "streakers". Assim, dizem, você não tem de ficar resfriado esperando o grande momento.
O mais estranho é que a primavera ainda nem chegou. Em alguns Estados as temperaturas abaixo de zero são constantes. Quando o tempo aquecer, a febre do "streaking" poderá atingir proporções incalculáveis. Se não morrer antes, como alguns prognosticam.
A mania parece ser uma edição atualizada das brincadeiras do passado, numa época em que o americano parece estar particularmente nostalgico. Nos anos 50 a moda era verificar quantas pessoas cabiam numa cabina telefonica. Ou então, engolir peixinhos dourados vivos retirados de aquários publicos ou particulares. Um outro costume que chegou ao inicio da decada de 60 consistia em invadir os dormitorios femininos nas Universidades para furtar peças intimas e exibi-las no campus como trofeus. Era a chamada "corrida às calcinhas".
Essas modalidades de diversão eram fenomenos ligados a outra era. Os anos 60 viram surgir os movimentos de protesto nos "campi", o combate ao racismo, a guerra do Vietnã e a pobreza, que ocuparam a imaginação e o vigor dos jovens americanos até o começo de 1972.
"Streaking" faz parte da revolução de costumes que sacudiu esta nação e, por consequencia, o mundo, nos fins de decada do protesto. A recusa em, aceitar o convencional se manifestava de diversas formas: nos compridos, na adoção de praticas religiosas exoticas, nos saris, na ojeriza ao banho.
O significado do "streaking" ainda não ficou perfeitamente claro. Mas que é adequado aos tempos percebe-se na reação bem humorada da policia. No fundo há um certo alivio de que a unica vitima dessa brincadeira, até agora, tenha sido o pudor dos que foram obrigados a ver, sem querer ou gostar. Um que não gostou foi George F. Will, famoso colunista conservador da imprensa dos Estados Unidos. Ele disse:
"Eu me considero um grande conhecer do feio. Vi a avenida Colfax em Denver. Colorado. Vi o Albert Memorial, em Londres. Vi o edificio Rayburn, em Capitol Hill, Washington. Mas jamais vi algo mais feio do que uma multidão de estudantes inchados de tanto comer batata frita regada a cerveja, pulando nus ao luar da Carolina do Norte".
"A coisa toda é uma asnice", disse o deão dos 20 mil estudantes da Universidade Estadual de Memphis, talvez compartilhando o ponto de vista de uma senhora que enviou uma carta ao jornal local, proclamando:
"Se os jovens forem ensinados a pensar por muito tempo que de acordo com a teoria da evolução, são animais, logo estarão se comportando como eles."
Em Washington, o editor do jornal dos estudantes da Universidade de Howard (predominantemente negra) escreveu em tom maoista:
"Nada parecido acontecerá aqui, jamais. Os estudantes que frequentaram Howard não refletem a falta de moralidade ou a banalidade, ou simplesmente a decadencia das instituições brancas".
Os "streakers" respondem as criticas, mas nem sempre estão de acordo. Alguns deles disseram a George Will que os julgamentos esteticos são irrelevantes. "Streaking" é um acontecimento politico sério, dizem. Uma forma de livre manifestação. As roupas simbolizam "os grilhões de um passado puritano. Tirá-las é uma especie de vitoria da espontaneidade sobre inibições aparvalhantes."
O professor Mario Del Carril, do Departamento de Filosofia da Universidade de Goergetown, acha que a nova moda não passa de mais uma expressão de conteudo sexual. Ele não vê nenhum sentido politico no fenomeno. Alguns estudantes confessam não ter nenhuma razão especial fazerem o que fazem. Estão apenas em busca de sensação. Como em todos os brinquedos proibidos, a sensação descrita é profundamente estimulante. Primeiro, o sentimento de ousada, depois a expectativa nervosa a medida que se tira a roupa, o ultimo lampejo de temor quando se fica completamente nu, o coração batendo descompassado durante a corrida, e o sentimento de realização quando se chega ao fim do percurso sem ter sido molestado.
"Não há nada sensual ou caprichoso em "streaking", disse Betsy Garret a Andrew Malcolm, do New Times. Alguns psicologos, como Zigmond Lebensohn, de Washington, acham que o "streaking" é uma forma masculina de exibicionismo.
"Os homens - diz - não podem usar mini-saia, decotes ousados, etc., então saem pelados pelas ruas".
Isso era uma boa explicação até as mulheres começarem a fazer o mesmo. O debate, ao que parece, vai continuar por algum tempo, porque o numero de "streakers" aumenta à medida que o tempo melhora. E se o fenomeno obedecer os modelos anteriores, dentro de alguns dias não haverá grande cidade do mundo que não tenha os seus casos para contar.
Quem se recorda de "Como Era Gostoso o Meu Francês", compreenderá porque não é impossivel que a moda chegue depressa ao Brasil, mesmo que o cacique do filme não esteja entre os que tenham a coragem de adotá-la.

A moda espalha

A moda de tirar a roupa e sair correndo nu pela rua - o "streaking", surgida recentemente nos Estados Unidos e passada depois a outros paises - chegou ontem a Montevideu: em alta madrugada, dois jovens foram vistos correndo nus pela rua principal do bairro residencial de Carrasco.
Os dois jovens, de 17 e 18 anos, cujos nomes não foram revelados, acabaram presos num distrito policial e deverão comparecer em juizo para ouvir a pena.
Totalmente nus, quando eram quatro horas da madrugada, em frente a um automovel que tinha os farois acesos, os dois "streakings" uruguaios correram duas quadras da avenida Arocena e depois voltaram ao ponto de partida, sendo observados por algumas pessoas entre as quais se encontrava, casualmente, um funcionário da policia.
O policial aproximou-se do grupo e deu ordem de prisão aos dois jovens, levando-os ao distrito policial mais próximo, onde ficaram detidos. Os jovens disseram que nada mais faziam do que cumprir uma aposta combinada com alguns amigos.
Na Inglaterra, a nova moda custou caro, ontem, a dois jovens presos em Birkenhead quando corriam nus pelo centro da cidade, de madrugada. Foram levados a um Tribunal e multados em 50 libras (680 cruzeiros), ou 60 dias de prisão. Antes, o preço por essa infração era, em média, de 25 libras (350 cruzeiros), e o maior tinha sido de 40 libras, em Glasgow, na Escócia.

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