AL CAPONE RESPONSAVEL PELA MORTE DO FILHO DO CORONEL LINDBERGH

O rapto do pequeno "yankee" em Hopewell - O triste fim do innocente e a inaudita ferocidade dos "gangsters" norte-americanos

Publicada na Folha da Noite, sexta-feira, 13 de maio de 1932

Neste texto foi mantida a grafia original

Alguem affirmou erradamente que nos Estados Unidos não existe "coração". Este musculo pulsaria differentemente na terra dos dollares, onde o capitalismo feroz nivela todos os sentimentos num só: lucro immediato e immenso. Ratificando, de certo modo, a affirmação, temos, é certo, as façanhas dos "gangsters", cuja co-existencia é inexplicavel dentro da civilização norte-americana. Os "gangsters", esses sim, não têm coração. Documenta-o o rapto do pequeno Carlos Augusto, que, doentinho, foi arrancado do berço onde repousava para ser assassinado e enterrado nas proximidades da casa dos paes. De nada valeram as lagrimas da joven mãe, enlouquecida pela dor. De nada valeram os appelos do valoroso aviador que surpreendeu o mundo com sua fria coragem, de nada valeu a formidavel quantia remettida aos raptores. De nada valeu a investigação da policia. Victima escolhida para fins sinistros, Charlie foi evidentemente immolado em holocausto ao rei dos bandidos, ao ferocissimo. Al Capone, hoje na cella confortavel de uma penitenciaria.

O rapto

O rapto do pequeno Carlos Augusto, em Hoppewell, foi a noticia sensacional deste anno, noticia essa que occupou longamente as chronicas de toda a imprensa do Universo. A façanha dos "gangsters" ecoou violentamente pelo mundo todo. O pequerrucho, que, doentinho, descansava num apartamento afastado da casa do coronel Lindbergh, em Nova Jersey, de onde foi brutalemtne arrancado do berço morno daquella madrugada frigida, tornou-se o alvo de todas as attenções. O Globo palpitou sob a trepidação dos apparelhos Morse. A dor medonha da joven mãe provando que o norte-americano tem coração, commoveu até as pedras mas não chegou a commover o coração dos bandidos que sabiam perfeitamente que o golpe devia amollecer os juizes severos que condemnaram Al Capone. O grito lancinante da "mater dolorosa" repercutiu pelas cinco partes do mundo. Só não repercutiu no intimo dos "gangsters" e dos seus alliados, que forjaram perseguições, pesquizas e buscas.

A obra do acaso

A policia norte-americana movimentou-se. Regimentos esquadrões, esquadrilhas, etc., iniciaram os seus movimentos, vasculhando tudo. Os "dectetives" entraram em scena. Deram-se ao trabalho de procurar o desapparecido até na Allemanha. Mas tudo falhou. Só ao acoso se deve, porém, o encontro do cadaver do pequeno Charles.

Factos que se ligam

Al Capone é o rei dos bandidos norte-americanos. Dizemos rei porque os seus subditos se contam ás dezenas de milhares, ramificados em todas as castas sociaes. O coronel Lindbergh é o heroe nacional. O homem que levou o pavilhão estrellado aos pincaros da gloria, conquistando para a sua grande patria as honras disputadas pelos maiores aviadores do mundo. Dois extremos para os quaes convergiam as vistas dos concidadãos, dois valores em evidencia. Al Capone foi preso e condemnado. Só havia uma escapatoria: obrigar os magistrados á clemencia. Como? Raptando o filho do hereo nacional, atirando, em pleno peito da nação, um socco formidavel, capaz de abalar. Assim foi feito. O menor foi raptado e o bandido teve a ousadia de offerecer seus serviços aos paes enlouquecidos, a troco das imposições descabidas. Não foi attendido. Então, mandou assassinar. Nada pesava, no activo criminoso de um homem que já mandou eliminar milhares de vidas, mais uma vida em flor. Para o delinquente que durante longos annos experimentara os poucos rigores da penitenciaria a recusa aos seus pedidos mereceu uma resposta feroz: eliminar o innocente que elle mantinha como "refen". É a ferocidade da besta-féra chegou ao auge de atirar o cadaver do menino assassinado ás portas da residencia dos paes que inutilmente imploravam clemencia e auxilio nas pesquizas.

"Consumatum est"

"Cosumatum est". Com o tempo, toda a indignação do macabro achado desapparecerá. Só viverá eternamente no coração de uma mão que chorará o filho perdido, o primogenito loiro que encheu a sua vida de encantos e que destroçou o seu coração. O egoismo humano relegará para o esquecimento o medonho facto, passando a se interessar pelas miserias que affligem o Universo. Só num recanto de Hopewell a visão radiosa de uma cabecinha loira viverá eternamente dentro de um coração materno e dentro de um coração paterno. E os labios que hoje imprecam contra a mostruosidade do attentado rirão amanhã. Só os labios da infelicissima mãe continuarão a pedir castigo aos culpados pelo assassinio do seu filho. E mais uma vez se prova que o coração do norte-americano é tão sensivel como o de outro povo.

Iniciam-se as pesquizas para a descoberta dos criminosos

HOPEWELL, 13 - Em seguida á identificação da criança encontrada morta em Monte Rose, que se verificou ser o filho do coronel Lindbergh, sobre o qual convergiam, desde ha dois mezes as attenções de milhares de pessoas de todo o mundo, o chefe da Policia, coronel Schwartzkopf, ordenou que vinte auxiliares das brigadas policiaes incumbidas das pesquizas acerca do rapto da infeliz criança, iniciem, immediatamente, em collaboração com as forças policiaes, deligencias para a descoberta dos criminosos. NOVA YORK, 13 - A intensa pesquisa levada a effeito através do mundo inteiro para a descoberta do paradeiro do pequeno Lindbergh, raptado de seu berço quando, doente, dormitava em casa de seus paes em Hopewell, na noite de 1º de março deste anno, terminou hontem á tarde tão sensacionalmente como fôra iniciado. Apesar da enorme actividade desenvolvida por milhares de pessoas em todo o mundo, nenhuma informação exacta fôra obtida durante as varias semanas que se seguiram ao rapto. E hontem de tarde, levantou-se a ponta do veu que cobria o mysterio para mostrar, inanimado, reduzido quasi a esqueleto, o pequenino por cuja sorte se interessava todo o Universo. Um vizinho dos Lindbergh encontrou a criança morta, na vizinhança da casa de seus paes, e um momento mais tarde a noticia era transmitida ao governador Harry Moore, do Estado de Nova Jersey pelo coronel Schwartzkopf, que dirigia as diligencias em torno do celebre caso.

Communicação do governador de New Jersey

NEW JERSEY, 13 - O governador do Estado, sr. Muri, annunciou que fôra encontrado morto o filho de Lindbergh.

A irradiação do encontro

NOVA YORK, 13 - Foi hoje irradiado pela Columbia, pela Cia. Nacional e pela Broadcast que se encontrára o cadaver da criança, comprovadamente tido como o filho do aviador Lindbergh. O corpo foi encontrado perto da propriedade de Lindbergh em Opewell, Nova Jersey. Não há até este momento novos detalhes.

A familia Lindbergh ainda não viu o corpo

TRENTON, 13 - O dir. Ch. Mitchell, que procedeu á autopsia da criança encontrada morta em Monterose, disse que fará o respectiva declaração de obito referindo-se a uma criança desconhecida, acrescentando que nenhuma pessoa da familia Lindbergh viu ainda o corpo.

A autopsia

TRENTON, 13 - A autopsia do cadaver encontrado pelos motoristas Allen e Wilson, proximo de Hopewell, demonstra que esteve durante longo tempo exposto ao ar livre, "pelo menos dois ou tres mezes", segundo informa o relatorio elaborado pelo dr. Mitchell. O referido clinico concluiu que a morte do infeliz menino occorreu em virtude de fractura do craneo, provocada por violenta pancada.


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