AJUDANTE DE NIXON CULPADO

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 13 de julho de 1974

Um juri federal emitiu ontem à tarde um veredito de culpa contra o ex-assessor da Casa Branca, John D. Ehrlichman, sob as acusações de conspirações e perjurio, no processo dos chamados "encanadores".
Ehrlichman, principal ex-assessor do presidente Richard Nixon, tornou-se o segundo funcionario da mais alta hierarquia do Governo, e talvez o mais poderoso, a ser condenado por um crime.
G.Gordon Liddy, Bernard L. Barker e Eugenio R. Martinez, todos envolvidos no escândalo de Watergate, também foram considerados culpados juntamente com Ehrlichman, de planejar a invasão ilegal ao consultorio do psiquiatra de Daniel Ellsberg. A invasão e o roubo ocorreram no consultorio do doutor Lewins J. Fielding, em Beverly Hills, California.
A sentença será declarada no dia 31 deste mês. Enquanto isso, os acusados permanecerão em liberdade.
Liddy pode receber uma pena de até 25 anos de prisão, enquanto os outros três poderão cumprir uma pena máxima de 10 anos, por conspiração.
O juiz Gehard Gessel que enviou o caso ao juri declarou que não importa a magnitude dos motivos, pois os homens que planejaram e executaram a invasão do psiquiatra de Ellsberg, em 3 de setembro de 1971, violaram a lei, se o fizeram sem uma ordem judicial de busca e apreensão.

A destituição de Nixon

O próprio presidente Nixon acredita que a Comissão de Justiça da Câmara recomendará o processo para a sua destituição, revelou o subsecretário de Imprensa, Gerald Warren. Contudo, o presidente, assim como o seu advogado James St. Clair, considera que a Camara não chegará a aprovar a acusação contra ele.
A Comissão da Camara publicará em breve um relatório sobre os impostos que Nixon sonegou, o financiamento da reforma de suas casas na California e na Florida, o caso ITT, as gestões feitas junto ao Departamento Federal de Impostos, para que este orgão fosse usado com fins de represália politica e a interferencia eletronica nos telefones.

Opinião de Nixon: Comissão votará pelo 'impeachment'

WASHINGTON - O presidente Richard Nixon considera possível que a Comissão de Justiça da Câmara de Deputados se pronuncie em favor do seu julgamento político, mas duvida que quando se reunirem em plenario os 435 membros da Câmara a decisão da Comissão seja aprovada, soube-se ontem na Casa Branca.
O subsecretário e Imprensa, Gerald L. Warren disse que o presidente concorda com a declaração do seu proprio advogado, James St. Clair, de que a Comissão votaria pelo "impeachment".
"Creio que St. Clair está certo na analise que fez da situação e é de se presumir que, tendo informado o presidente a respeito, este tenha concordado com sua analise", declarou Warren à imprensa.
Anteriormente, St. Clair havia dito à imprensa que a Comissão de Justiça recomendaria o julgamento político do chefe de Estado, mas que o plenario da Câmara não atenderá à sua recomendação.
Nixon examinou os últimos acontecimentos com os lideres do Congresso em reuniões particulares que manteve com eles durante a semana.

A acusação

St. Clair também afirmou que no depoimento que fez anteontem perante a Comissão de Justiça, John Dean disse que Nixon "não pode deixar de ter tido algo a ver" com os pagamentos ilegais feitos a vários dos elementos que invadiram os escritorios do Partido Democrata em Washington, para comprar o seu silencio. Contudo, vários membros democratas da Comissão disseram que Dean se havia aferrado à sua acusação de uma conduta irregular do presidente.
Dean foi um dos assessores da Casa Branca a quem Nixon destituiu por estarem ligados ao escândalo Watergate.
Em termos gerais, os membros democratas da Comissão disseram que durante as oito horas do depoimento de anteontem, em que Dean foi crivado de perguntas, ele não desmentiu um testemunho anterior em que afirmava que Nixon tinha estado implicado nas tentativas de encobrimento do escândalo político.

Novos rumores sobre a renuncia de Kissinger

WASHINGTON - Os rumores sobre a possivel renuncia do secretário de Estado Henry Kissinger acentuaram-se ontem, com a indicação de que ele poderia ter divergencias com o presidente Richard Nixon.
O "Wall Street Journal" afirmou também que Nixon desejaria ver Kissinger fora do governo.
O proprio Kissinger suscitou a questão, em junho, ao advertir que, se as acusações de que estaria envolvido no escandalo Watergate não fossem retiradas, ele seria forçado a renunciar.
Ele foi acusado de não ter revelado, em suas declarações juramentadas perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado, a real dimensão de sua participação no plano para escuta dos telefones de alguns de seus assessores.
O semanario "U. S. News World Report" informou esta semana ser muito provavel que Kissinger apresentasse sua demissão brevemente.
Quarta-feira, o colunista Marquis Childs, muito ligado ao secretario de Estado, disse que "a saida ocorreria entre setembro e novembro".

Inveja

Em sua coluna sobre Washington "The Wall Street Journal" informa: "Nixon e Kissinger caminham para uma definição. O presidente não ajudou seu secretario de Estado na questão da escuta telefonica. Kissinger desejaria uma declaração da Casa Branca, afirmando que disse a verdade, mas não a obteve. Os dois lideres sequer conversaram sobre o assunto. É obvio que algo está mal".;
A Comissão que estuda o possivel julgamento politico de Nixon divulgou a transcrição de uma conversa na qual Nixon afirma: "Sei que ele (Kissinger) pediu que se fizesse isso (as escutas)."
Uma das hipoteses sobre a falta de apoio de Nixon a Kissinger, segundo o jornal, é a de que o presidente está tomado de inveja cada vez maior ante o prestigio do secretario de Estado. "Kissinger parece fatalista quanto ao seu futuro e insiste em renunciar, a menos que seja vingado" - comenta o jornal, concluindo: "Em todo caso, é improvavel que permaneça em seu posto durante o resto da gestão de Nixon."
Contudo, St. Clair declarou que estava "completamente" convencido de que as declarações feitas por Dean ajudariam a defesa do presidente.

Senado

Por outro lado, a Comissão Especial do Senado, nomeada para investigar o caso Watergate, terminou formalmente seu trabalho.
Presidente da Comissão, senador Sam J. Ervin, disse em seu relatorio final:
"Os assessores presidenciais que, levados pela ambição de poder criaram o caso Watergate, esqueceram-se das leis de Deus, assim como das leis de ética dos homens. Foi essa ânsia de poder que permitiu Watergate."
O relatorio completo da Comissão do Senado será publicado amanhã embora suas 2.217 paginas já tenham sido, na maior parte, entregues à imprensa.
Ervin acrescentou que a Comissão se absterá de chegar a conclusões sobre o papel que o presidente Nixon possa ter desempenhado no caso Watergate, porque "os fatos falam por si mesmos."

Nenhuma surpresa

Agora que se tornaram publicas todas as provas documentais existentes em relação ao caso Watergate, percebe-se claramente que a decisão a favor ou contra o julgamento político do presidente será baseada em fatos que todo mundo já conhece.
O volumoso relatorio de mais de quatro mil paginas, que acaba de ser publicado, em oito volumes, pela Comissão de Justiça da Câmara, contém alguns pormenores que não eram bem conhecidos, mas não revela nada de novo que possa abalar o país.
O relatório não terá, portanto, a repercussão que teve a destituição de Archibald Cox em outubro, nem o cinismo que se observou quando Nixon revelou quanto pagara de impostos, ou o descontentamento manifestado pelos dirigentes republicanos depois que a Casa Branca publicou, em abril, a transcrição das gravações relacionadas com Watergate.
Cada um dos volumes tem o título "relação de informações", expressão escolhida pela Comissão por julgar que o título "relação de provas" seria muito incisivo.
Os que preconizam o julgamento politico de Nixon acreditam que o impacto do relatorio será o resultado do seu peso e do defeito acumulativo de provas que contém.

Os impostos

Por outro lado, logo será publicado um outro relatório, desta vez relacionado com assuntos que nada têm a ver com Watergate, com os impostos que Nixon sonegou, o financiamento da reforma de casas que possuia na California e na Florida, o caso ITT, as gestões supostamente feitas para que o Departamento Federal de Impostos fosse usado com fins de represália politica, a interferência eletrônica nos telefones e outros fatos suspeitos.
Contudo, a questão do julgamento do presidente dependerá exclusivamente de Watergate e do seu encobrimento. Os demais assuntos não terão nenhum efeito direto sobre qualquer decisão nesse sentido.
As provas coligadas sobre o escandalo politico foram suficientes para que um juri investigador citasse Nixon como implicado em um suposto ato delituoso, o que ocorreu quando o promotor especial Leon Jaworski convenceu esse juri de que poderia dar tal passo constitucionalmente. O Juri declarou então o chefe de Estado, "conspirador não acusado."
O juri em questão baseou-se precisamente na mesma informação de que dispõem os 38 membros da Comissão de Justiça da Câmara.
O fato de que essa informação possa convencê-los da procedencia do "impeachment" dependerá da forma pela qual definam o que é uma conduta passivel de julgamento.
Os partidários de Nixon sustentam que, no caso de um presidente, a existencia de um ato criminoso deve ser plenamente provada e não simplesmente presumida, para que o Senado possa julgá-lo.
Seus detratores e adversários politicos, ao contrario, insistem em que o presidente deve ser julgado pela sua conduta geral, mesmo que ela não implique na prática direta de um ato delituoso.

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