AS MULHERES E A REVOLUÇÃO

Publicado na Folha da Manhã, quarta-feira, 13 de janeiro de 1926

Neste texto foi mantida a grafia original

CARTAS DA RUSSIA

A condição social do sexo feminino

Apesar de ser oriundo de familia abastada e, portanto, conservadora, uma insaciavel ancia libertaria tem agitado o espirito aventureiro e audaz de Astrogildo Pereira, um dos poucos brasileiros que conseguiu visitar a Russia, convivendo com as principaes figura reformadoras do paiz, e tomando parte nos congressos communistas.
Do que viu e ouviu, fez Astrogildo Pereira as interessantes revelações que iremos pouco a pouco publicando.
Do ponto de vista economico, politico e social, não existe, na Russia dos Soviets, nenhuma differença entre um homem e um a mulher. O Estado Operario e Camponez só estabelece distinção entre quem trabalha e quem não trabalha. Regimen do trabalho, onde só aquelles que cumprem o dever de trabalhar possuem plenos e eguaes direitos, à mulher operaria correspondem, effectivamente, na sociedade sovietista, os mesmissimos deveres e direitos exercidos pelo operario homem. Assim é que as operarias russas, como seus companheiros do outro sexo, participam activamente da vida politica do paiz.
A constituição da Republica dos Soviets reconhece "o direito de votar e de ser eleito" a todos os "cidadãos de ambos os sexos", que estejam nas condições requeridas. Mas não só por occasião das eleições, votando e sendo eleitas, são as mulhares russas collocadas no mesmo pé de egualdade em relação aos homens; sua participação na vida publica se verifica por toda parte, na obra diaria e corrente, - nas fileiras do Partido Communista, nos syndicatos e cooperativas, nas instituições de qualquer genero ou nos departamentos quaesquer da administração. Para citar apenas dois exemplos mais notorios, apontaremos os nomes de Krupskaya e Kolontay - aquella, esposa e companheira de Lenine, militante influente no partido, collaboradora de Lunatchasky na obra de instrucção publica; esta, figura de primeiro plano na revolução, grande oradora, tendo occupado o posto de commissario do povo para a previdencia social e actualmente exercendo o cargo de ministro plenipotenciario dos soviets na Scandinavia. Alguns dados estatisticos - embora não muito recentes - darão uma idéia da importancia do movimento das mulheres na Russia revolucionária.
Foi em Novembro de 1918 que se reuniu, em Moscou, o primeiro congresso pan-russo de operarias e camponezas, com a presença de 1.100 delegadas das fabricas e das empresas, dos syndicatos, do partido e das camponezas pobres. O P.C. possue uma organização especial - constituida e dirigida por mulheres communistas - encarregada do trabalho de propaganda e agitação entre as mulheres em geral. Realizam-se periodicamente, por toda a Russia, reuniões de delegadas das operarias e camponezas sem partido. Nomeadas por um periodo de 3 a 6 mezes, essas delegadas, durante esse tempo, seguem um cyclo systematico de conferencias e leituras, tomando parte na discussão sobre themas diversos, particularmente sobre a constituição do partido e dos soviets. Turnos de operarias são designados, pelas delegadas, para os serviços technicos dos varios departamentos da administração sovietista.
Havia, em toda a Russia, em 1921, mais de 60.000 delegadas, representando cerca de tres milhões e meio de operarias e camponezas. Ao fim de 1919, havia 150 delegadas a trabalhar nas secções dos Soviets do governo (provincia) de Moscou. Em 1920, esse numero subia a 244 na cidade e 231 nos departamentos. Muitas dessas mulheres, operarias e camponezas, occupam postos responsaveis na administração. Disto podemos dar testemunho pessoal, pois que tivemos mais de uma opportunidade, em nossas visitas e pesquizas, de conversar e relacionar-nos com varias camaradas do outro sexo, encarregadas de serviços de maior responsabilidade, no Cimintern, na secção de Moscou do partido, bem como em repartições administrativas.
Durante nossa permanencia em Moscou, publicaram os jornaes a noticia de um caso, cujo relato vale por uma indicação concreta da maneira pela qual se vae resolvendo, praticamente, o "problema feminino" na Russia dos Soviets. Foi um caso de violação do regulamento syndical e das disposições do Codigo do Trabalho, occorrido na Typographia Modelo de Moscou. O operario impressor Dubov, empregado ahi como instructor, era accusado de haver perseguido mulheres collocadas sob suas ordens e de as ter ameaçado, si se recusavam a satisfazer suas propostas.
O accusado foi submetido a processo de disciplina, na presença de todos os operarios e operarias, que ali trabalham, em numero superior a um milhar. A corte de julgamento foi escolhida pela propria assembléia, que debateu o caso em plenario. O processo terminou pela sentença seguinte:
"O camarada Dubov é reconhecido culpado de se prevalecer de suas funcções de instructor e da autoridade de sua situação para fazer propostas deshonestas às mulheres sob suas ordens, embora saiba elle perfeitamente que a revolução sovietista deu às mulheres egualdade de todos os direitos e que toda violação desses direitos deve ser rigorosamente punida. Por essa offensa a côrte condemna o camarada Dubov a ser suspenso do syndicato por seis mezes e pede a sua demissão da officina, sem qualquer compensação."
Comparemos isto e o que se passa, quotidianamente e impunimente, no mundo capitalista, em fabricas e officinas onde trabalham mulheres. Todos os valores se vão transformando, na Russia proletaria. Nova economia. Nova politica. Nova moral.


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