SOB SANGRENTA HOSTILIDADE DE GAULLE DEIXA A ARGELIA

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 1960

Neste texto foi mantida a grafia original

Pressionado pelos acontecimentos, o gen. Charles De Gaulle deixará hoje o territorio argentino de retorno à França.
Noventa pessoas morreram e cerca de 1.500 ficaram feridas nos conflitos de Argel e Orã.
Enquanto isso, representantes do "governo provisorio argelino" procuram obter vantagens nos debates sobre a questão, na ONU.
Sucedem-se choques naquelas duas cidades, em clima de violencia crescente. Acredita-se, porem, que a saida de De Gaulle determine um retraimento nas escaramuças.

90 mortos e mais de 1.000 feridos nos disturbios da Argelia

Um porta-voz do governo francês anunciou oficialmente, esta noite, que o total de pessoas mortas nos dois ultimos dias em Argel e Orã se eleva agora a 90. Explicou que esse total era assim distribuido: Argel, 84 mortos, dos quais seis europeus, e Orã, seis mortos, todos muçulmanos.
O porta-voz informou tambem que foram mortos quatro muçulmanos, quando as tropas francesas fizeram fogo, novamente, sobre turbas arabes que tentavam romper os cordões de segurança para invadir o bairro europeu.
Todavia, outras informações, procedentes de fontes geralmente fidedignas, dizem que o numero de mortos hoje é de dez.
Informou-se ainda que durante a noite foram encontrados varios muçulmanos francofilos degolados, presumivelmente por arabes partidarios dos rebeldes argelinos.
O porta-voz não forneceu numeros sobre os feridos, porem, em fontes dignas de credito, assegurou-se que chegam a uns 1.500, dos quais trezentos estão em estado grave. Acrescentou-se que varios feridos faleceram ontem à noite em um hospital.
O presidente Charles De Gaulle resolveu interromper sua excursão de seis dias pela Argelia, para regressar imediatamente à Paris por via aerea.
Na capital francesa, o primeiro-ministro Michel Debré convocou o gabinete para uma reunião de emergencia, a fim de ocupar-se da situação na Argelia.

Abbas quer intervenção da ONU

Em Tunis, o "primeiro-ministro" rebelde argelino, Ferhat Abbas, enviou um telegrama ao secretario-geral das Nações Unidas, para solicitar-lhe a intervenção da ONU na Argelia, a fim de que pare esse o derramamento de sangue.
Em entrevista coletiva à imprensa, na manhã de hoje, Abbas declarou que a França "perdeu finalmente a luta" e pediu que se realize na Argelia um referendo fiscalizado pelas Nações Unidas, depois do que deverão retirar-se as tropas francesas.
Uma mensagem analoga foi endereçada por Ferhat Abbas, a Chu-En-Lal, Eisenhower, Kruchev, MacMillan, Nehru e Tito.
As autoridades da França não vêem possibilidade alguma de De Gaulle aceitar tais condições. Temem que se a França se retirar da Argelia, se verifique um novo banho de sangue de tremendas proporções. Por sua vez, os colonos europeus de Argel consideram como prova definitiva disso as violencias cometidas nos dois ultimos dias pelos arabes.
Por outro lado, outros três batalhões escolhidos de paraquedistas se acham a caminho de Argel, procedentes do interior do pais, onde estavam lutando contra os guerrilheiros rebeldes.
Soldados zuavos, antes norte-africanos, porem, hoje, constituidos em sua maioria por franceses, uniram-se à gendarmeria movel, para estender um hermetico cordão em torno da "Casbah", o bairro arabe de Argel, onde vivem mais de 200.000 muçulmanos. Nas ruas que conduzem à "Casbah", os arabes ergueram barricadas.

Apreensão de jornais

Três jornais parisienses foram hoje retirados das bancas por ordem do chefe de Policia de Paris. Os diarios são "L'Humanité" (comunista), "Liberation" ( progressista) e "Le Parisien Liberé" (independente).

O gen. Salan

MADRI - A figura do general francês Raoul Salan adquiriu hoje crescente importancia na crise argelina, ao fazerem-se conjecturas de que ele se propõe seguir para a Africa do Norte.
O governo francês proibiu a Salan de entrar na Argelia, por sua oposição ao plano da "Argelia argelina" do presidente Charles De Gaulle.

De Gaulle em Biskra

BISKRA (Argelia), 12 - Nenhuma alusão aos acontecimentos de Argel foi feita pelo general De Gaulle na breve alocução pronunciada esta tarde à sua saida da municipalidade de Biskra.

Novos choques

ARGEL, 12 - Choques entre o Exercito e os muçulmanos ocorreram esta manhã e sobretudo pouco antes do meio-dia em um bairro periferico de Argel.
Muçulmanos armados com paus tentavam chegar a Argel, quando foram detidos em sua marcha por elementos militares. Apesar das advertencias que lhes foram feiras, os muçulmanos tentaram desarmar as tropas que tinham mais perto de si e estas fizeram fogo. As 11 h 30 locais. aproximadamente no mesmo lugar, um muçulmano subiu num poste para fazer tremular uma bandeira da FLN. Convidado a descer, o muçulmano negou-se e isso lhe custou a vida. Depois, seu cadaver, envolto na bandeira verde e branca, foi levado pelas ruas do bairro muçulmano no para-choques de um caminhão.

Mortos e feridos

ARGEL, 12 - Novos incidentes ocorreram hoje no bairro arabe de Argel, registrando-se mortos e feridos.
Às 12 h 40, locais, um helicoptero viu um grupo de manifestantes reunido num mercado de "Casbah", que foi dispersado por granadas lacrimogeneas lançadas do aparelho. Enquanto as pessoas corriam em todas as direções, soldados franceses abriam fogo ferindo numerosos muçulmanos.
Depois, intervieram os gendarmes moveis, tomando a bandeira da Frente de Libertação Nacional, que tremulava no alto da sinagoga do bairro arabe. Por volta das 14 h 30, a calma havia sido restabelecida e os gendarmes se retiraram.
Um hora depois, os muçulmanos, gritando "Argelia argelina", voltaram ao local do primeiro incidente.
Incidente analogos, ocorreram igualmente na parte alta da "casbah", onde três muçulmanos foram mortos.

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