FALECEU NA TARDE DE ONTEM, VITIMADO POR UM DERRAME CEREBRAL, O PRESIDENTE FRANKLIN ROOSEVELT

Publicado na Folha da Manhã, sexta-feira, 13 de abril de 1945

Neste texto foi mantida a grafia original

Franklin Delano Roosevelt nasceu com altos destinos. Chegou à presidência da República dos Estados Unidos exatamente no pico da crise mundial que Herbert Hoover concorreu para provocar, com a sua imperdoável política protecionista, e não soube remediar, na sua mediania de homem de negócios alçado à posição de estadista. No alto pôsto, colheu-o a História para condutor, não apenas do povo norte-americano, mas de tôda a humanidade, na luta contra Hitler e o hitlerismo, que tentou afogar o mundo na escravidão e o afogou em sangue.
Bastaria o "New Deal" para a glória de Roosevelt. Quando assumiu o governo, o mundo era um caos após uma catástrofe. Porque quanto maior é a nau, maior é a tormenta, quem mais sofria, entre todos os países da terra, eram os Estados Unidos, que jaziam sepultados sob os escombros das bancarrotas, na ronda do desemprêgo de milhões e milhões de homens sem lar e sem pão. A indústria em colapso, a agricultura moribunda, o comércio arruinado. Um espetáculo que parecia um fim de civilização, na decadência súbita de uma nação que caiu do mais alto fastígio à mais penosa miséria.
Foi quando Roosevelt, preservando as instituições políticas, sociais e economicas vigentes, sem abalar a sociedade constituida, empreendeu uma tarefa de Hércules, na temerosa reorganização da vida norte-americana, desde os seus fundamentos. Encontrou, lá dentro, a mais rude e obstinada oposição. Fora, descrenças que o combatiam ou que dêle se riam, crivando-o de sarcasmos. Interêsses contrariados, rotinas rompidas, planos contraditórios, conflitos de classes, tudo se antepôs no seu caminho. E a tudo Roosevelt enfrentou com um bom humor que era a coraça da sua fortaleza de ânimo. Sem violar um só direito, sem ferir uma só liberdade. Legalmente, soube lutar e soube vencer. O que os Estados Unidos voltaram a ser, a êle se deve em grande parte, apesar de esquecimentos que não tardaram a sobreviver em ingratidões que não embaçam os seus méritos perante a História.
Quando Hitler, tendo Mussolini por escudeiro, se lançou aos preparativos da grande aventura que ameaçou aniquilar a humanidade e acabou aniquilando a Alemanha, foi Roosevelt a voz que mais forte e mais clara soou em advertências que não foram ouvidas. Ainda as direitas britânicas e francesas corriam para Munich, na esperança de acalmar a fera com a carne da Checoslováquia, e assim nas outras horas graves do mundo a palavra do grande presidente se erguia para condenar as ditaduras de rapina, que jamais ouviram uma palavra sua de simpatia, nem sequer de vago assentimento. Nos dias trágicos da França, a que se seguiram os dias trágicos da Grã-Bretanha, não se recolheu prudente ou amedrontado à neutralidade que seriam covardias ou conivências. Pôs quanto lhe era possivel os arsenais estadunidenses à disposição das democracias contra o "eixo": enquanto conduzia o seu povo a atitudes mais decididas na luta que não se tratava entre potências européias, mas entre a opressão e a liberdade.
Veio afinal o provocação de Pearl Harbor. Os Estados Unidos foram arrastados à guerra. Roosevelt apareceu então em tôda a sua grandeza, como o grande líder do seu povo e dos seus aliados. A criação da indústria bélica maior e mais eficiente que já houve, exércitos que derrotam ao mesmo tempo a Alemanha na Europa e o Japão da Ásia, esquadras que dominam todos os oceanos, aviões que escurecem os céus, auxílios decisivos à Grã-Bretanha e à URSS, ajuda o todos os países aliados, eis a obra realizada, em outros anos, pelo povo norte-americano sob o comando de Franklin Roosevelt.
Mas o destino, que lhe havia proporcionado gloriosos ensejos, negou-lhe a melhor satisfação. Não pôde Roosevelt assistir à Vitória, com a tomada de Berlim e a rendição da Alemanha. Cerrou os olhos justamente quando os seus soldados, os soldados que êle armou para o triunfo, estão quase à vista da Capital do Reich.
Só lhe faltou, entretanto, ouvir o pedido de armistício, isto é, a concretização, digamos a documentação oficial da derrota da Alemanha. A derrota em si, essa já está consumada. Roosevelt há de ter morrido tranquilo quanto ao futuro dos Estados Unidos e da humanidade, que venceram a guerra para que nos libertássemos dos perigos e das ignomínias da escravidão, graças em grande parte à sua sabedoria administrativa e ao seu gênio político.

Assume a presidência dos E.U.A. o sr. Harry S. Truman

Não houve modificações no gabinete - serão observadas as diretrizes de Roosevelt

WASHINGTON, 12 -
o SR. Harry S. Truman acaba de prestar juramento, como 32.o presidente dos Estados Unidos.

A cerimônia do juramento

WASHINGTON, 12 - Logo após a chegada à Casa Branca do ministro presidente da Suprema Côrte, dr. Harlan Stons, realizou-se a cerimônia do juramento do vice-presidente da República, sr. Truman, como presidente dos Estados Unidos, em substituição a Franklin Delano Roosevelt, cujo passamento se verificou na tarde de hoje.
O sr. Truman torna-se assim, o trigésimo segundo presidente dos Estados Unidos, e seu mandato teve início hoje, precisamente às 7 horas e 9 minutos (hora de guerra de leste) ou sejam, 23 horas e nove minutos pelo meridiano de Greenwich e 20 horas e 9 minutos pelo meridiano do Rio de Janeiro.

Seguirá as diretrizes de Roosevelt

WASHINGTON, 12 - São estas as primeiras declarações feitas pelo novo presidente dos Estados Unidos, sr. Harry S. Truman:
"A minha tarefa consiste em seguir as diretrizes do govêrno de Roosevelt e agir como penso que êle agiria. Por êste motivo, acabo de solicitar ao Gabinete que continue comigo".

Reunião do gabinete

WASHINGTON, 12 - Acaba de reunir-se em sessão de emergência, o secretariado do governo dos Estados Unidos da América do Norte, sob a presidência do sr. Harry S. Truman.

Dados biográficos do novo presidente

WASHINGTON, 12 - O senador Harry Truman, que agora é o presidente interino dos Estados Unidos, ganhou as eleições para a vice-presidência na disputa do pleito em que concorreu com o sr. Henry Wallace, nas ultimas eleições presidenciais.
Natural de Missouri, Truman completará 61 anos no mês proximo.
Em 1935 foi eleito senador e seguiu para Washington, para desempenhar o mandato durante o qual apoiou o programam do "New Deal". Foi reeleito senador em 1940.
Como presidente do Comitê de Defesa e Investigações do Senado, estudos as despesas governamentais relativos ao esfôrço de guerra. Seu comitê ficou conhecido pela maneira honesta e completa no desempenho de suas funções.
Truman é um homem retraído, mas loquaz, quando necessário.
Quando foi para Washington, pela primeira vez disse:
"Não sou socialista. Sou apenas um rapaz da fazenda".
Casou-se com miss Bass Wallace, em 1919, e tem uma filha.

Era o símbolo do poderio e da generosidade dos E.U.A.

A vertiginosa carreira política de Roosevelt e sua atuação em prol da paz mundial

WASHINGTON, 12 -
O presidente Franklin Delano Roosevelt, que faleceu hoje, em Warm Springs, havia se sobreposto aos efeitos da paralisia infantil, e de algumas derrotas políticas para chegar a ser presidente dos Estados Unidos, em quatro períodos.
Foi um dos governantes mais poderosos do mundo, tanto na guerra como na paz.
Os pobres e os desocupados, dos Estados Unidos, consideravam-no como salvador do "homem esquecido". Seu nome era conhecido em todo o mundo.
Durante a segunda guerra mundial foi o símbolo do poderio e da generosidade dos Estados Unidos. Neste conflito Roosevelt era comandante chefe das Fôrças Armadas Norte-Americanas, as mais poderosas com que contaram o país.
Seus enérgicos esforços contra a grave crise econômica por que passaram os Estados Unidos, desde 1929, até pouco antes do comêço da guerra. Foram empalidecidos pela sua atuação durante as viagens ao Cairo, Teerã, Casablanca, Criméia, e as importantes conferências com os demais chefes aliados, quase ao alcance dos aviões inimigos.
Roosevelt nasceu em 30 de janeiro de 1882. No comêço de sua carreira política uniu-se a Wilson, apoiando a candidatura dêste à presidência da república. Wilson nomeou-o subsercretário da Marinha. Ao fim da primeira guerra mundial, Roosevelt foi enérgico defensor da Sociedade das Nações e da participação dos Estados Unidos nessa organização internacional.
Em 1924, quando estava em férias, Roosevelt foi atacado de paralisia infantil, ficando sem movimentos desde a cintura até os pés. Por espaço de quatro anos lutou contra a enfermidade, com o apoio constante de sua espôsa e seus amigos, conseguindo, finalmente, vencer a doença. Suas pernas ficaram paralisadas, porém, seu espírito e suas energias vivificaram-se.
Poucas coisas satisfaziam-no tanto como quebrar um precedente. Antes que qualquer outro, Roosevelt ocupou a presidência dos Estados Unidos por mais de dois períodos. Chegou mesmo a ser eleito para o quarto periodo. Foi o primeiro presidente que saiu do pais em tempo de guerra, e o primeiro que viajou de avião.
Tanto na paz como na guerra Roosevelt era homem de ação e de luta. Tinha verdadeiro prazer em ser um governante sumamente ativo durante a guerra, de que foi um dos maximos dirigentes, e durante a qual efetuou perigosas viagens, através de mares e continentes, para preparar os planos entratégicos aliados com Churchill, Stalin e Chiang-Kai-Shek.
Os dois últimos anos de seu segundo período presidencial foram, para os Estados Unidos, um período básico de transição da paz para a guerra.
Esta guerra que se estendeu à Ásia, obrigou-o a adiar os objetivos sociais de sua política interna, subordinando-os a esforços tendentes a manter a neutralidade dos Estados Unidos, preparar o país para a eventualidade da guerra e ajudar as nações amantes da paz, que já haviam sido agredidas pelos Estados totalitários: a Alemanha, Itália e Japão.
Os alemães haviam invadido a Polônia em 1939, depois que Roosevelt dirigiu inúteis exortações ao Reich e à Itália, a fim de que procurassem uma solução pacífica e construtiva para as controvérsias existentes.
O povo dos Estados Unidos elegeu-o primeiro, mandatário pela terceira vez e, na primavera dêsse ano, foi estabelecida a conscrição militar obrigatória, que jamais havia existido no país em tempos de paz.
Em outubro os departamentos de recrutamento, instalados em todo o país, já haviam registrado milhões de homens.
Depois da eleição o presidente cedeu à Grã-Bretanha 50 destróieres norte-americanos da guerra anterior, para a batalha do Atlântico contra submarinos alemães.
Os Estados Unidos receberam em troca, pelo espaço de 99 anos, vários pontos pertencentes à Grã-Bretanha, no hemisfério ocidental, para estabelecer bases defensivas militares e navais.
Na primavera de 1941 o Congresso aprovou a lei de empréstimos e arrendamentos, proposta pelo govêrno de Roosevelt, lei que antes da entrada dos Estados Unidos na guerra ajudou consideravelmente a Grã-Bretanha e a União Soviética a defenderem-se com eficiência contra inimigo em superioridade de condições.
Entre as numerosas viagens que fêz, antes que a guerra irrompesse, Roosevelt visitou Buenos Aires em novembro de 1936, onde inaugurou a Conferência Internamericana de Consolidação da Paz.
Durante seus quatros periodos presidenciais reforçou constantemente as relações dos Estados Unidos com os países latino-americanos, mediante a política de boa vizinhança.
Em 1937, 1938 e 1939, quando sôbre a Europa pesava a ameaça de uma nova conflagração o presidente Roosevelt jamais vacilou em lançar na balança todo o prestigio dos Estados Unidos à procura da paz. Quando se iniciaram as hostilidades no Velho Mundo, dedicou todos os seus esforços para manter os Estados Unidos fora da guerra, bem como o resto da América.
Durante as repetidas crises internacionais que precederam o conflito europeu, o presidente Roosevelt empregou os recursos diplomáticos possíveis para evitar a catástrofe exortando Hitler e Mussolini a garantir a paz no continente, no minimo pelo espaço de dez anos.
Roosevelt chamou a Washington o embaixador norte-americano em Berlim, para manifestar o desgosto que causaram aos Estados Unidos as leis anti-semitas e o uso da fôrça como instrumento de política nacional, dirigindo várias mensagens a personalidades de governos da Europa, visando a conservação da paz.
Em apoio da sua posição contra a guerra reuniu tôdas as repúblicas americanas, procurando, também, unir todas as demais nações amantes da paz.
Ao iniciar-se o período das sessões do Congresso Roosevelt e seu secretário de Estado, sr. Cordell Hull, pediram a revisão da lei de neutralidade para que os Estados Unidos pudessem enviar armas aos países beligerantes, proposta que foi aprovada, depois de seis semanas de violentos debates.
O presidente levantou a proibição de exportar armamentos e imediatamente a Grã-Bretanha e a França pediram grandes quantidades de aviões e outros equipamentos. Proclamou o estado de emergência de forma limitada. Ordenou o patrulhamento das águas costeiras. Aumentou os efetivos do exército da armada e da infantaria de marinha, pondo novamente em serviço os destróieres da guerra anterior. Ampliou o quadro do pessoal do Departamento Federal de Investigações para combater a espionagem e a sabotagem.
Em 1944, ao derrotar Dewey, foi eleito presidente dos Estados Unidos pela quarta vez, inaugurando, em janeiro de 1945, em Washington o quarto período presidencial. Poucos dias mais tarde, em fevereiro, viajou para a Criméia, a fim de conferenciar com Churchill e Stalin, para estabelecer as bases de uma paz duradoura.

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