EXISTEM OS LOBIS-HOMENS?

Na India ocorreram varios casos que parecem dar corpo à lenda


Publicado na Folha da Manhã, segunda-feira, 12 de setembro de 1927

Neste texto foi mantida a grafia original

Muito proximo de Allahabad, na India ingleza, acaba de acontecer um episodio extraordinario, que actualmente preoccupa aos homens de sciencia.
A setenta e cinco milhas da povoação citada, uns pastores encontraram na cova de uns lobos uma creança de poucos annos.
A infeliz creança apresentava todos os symptomas de um animal selvagem.
Extremamente delgado, caminha com quatro patas e não faz mais do uivar como os lobos e morder a todas as pessoas que se lhe approximam.
O estranho individuo, que se acha actualmente num sanatorio de Bareilly, está sendo objecto de investigações scientificas.
Este estranho episodio, transmittido a Londres com abundancia de detalhes, confirma até certo ponto as declarações de muitos expedicionarios que dizem ter comprovado na India a existencia dos lobis-homens.
Por estas affirmações, o phenomeno descripto é bastante frequente nas selvas da peninsula do Hindostão.
Varios são os lobis-homens descobertos e de edades distinctas.
Salvo a compleição physica, egual a do homem, estes phenomenos apresentam qualidades e caracteristicos analogos ao do lobo.
Têm todos elles dentes longos e ponteagudos, eguaes aos dos animaes carnivoros, e a pelle da planta dos pés e das mãos, cotovelo e joelhos, dura e callosa como o couro.
Estes lobis-homens foram capturados pelos indios, que, por sua vez, os cederam ás instituições missionarias. Nenhum delles, apesar do esforço e da perseverança dos missionarios, logrou recuperar o uso da palavra, nem despertar sua intelligencia.
Pelo contrario, quase todos morrem pouco depois de ser capturados.
A. M. Wace, que viveu varios anos na India, narrou no "The Times", de Londres, como viu ha cincoenta annos, numa escola de missionarios, uma creança-lobo, que não contava mais do que dez annos de edade, e que só então começava a balbuciar as primeiras palavras, porém difficultosamente. E quando os padres missionarios lhe instavam para que continuasse, o menino-lobo, irritado e transfigurado, avançava contra elles e tratava de mordel-os á moda dos lobos.
A creança-phenomeno se alimentava á base de carne crua, caminhava constantemente com os quatro membros, e negava-se a vestir toda e qualquer especie de roupa.
A mãe de Wace, que acompanhava seu filho nas suas visitas, vestia nessa occasião um capote de pelle. Pois bem; o menino-lobo comprazia-se em esfregar-se no capote, como si sentisse o contacto de seus companheiros da selva.
Na mesma India, na localidade de Chupra, aconteceu em 1843 um caso parecido.
Um lobo roubou o filho de uns camponezes, um menino que tinha uma grande cicatriz no joelho.
Seis annos depois, foi descoberto o menino roubado, correndo ao lado de uma loba e seus lobinhos, sendo reconhecido pelo signal de referencia.
Referencias como as anteriores são muito communs entre as pessoas que visitaram a India.
Sir William Sleeman investigou o assumpto nos principios do seculo passado; porém, como então abundavam muito os lobos, era mui frequente que devorassem creanças, até o ponto de que muitas pessoas se dedicassem á busca, nas covas dos lobos das joias com que se adornavam os meninos hindús.
Sir W. Sleeman achou pouco provavel que os lobos criassem as crianças.
Acredita-se, de preferencia, que os pequenos encontrados nas selvas tenham sido abandonados em épocas de fome e se tenham convertido em selvagens.
Hoje, ha quem supponha que sejam crianças nascidas idiotas e abandonadas pelos proprios paes, porque as julgavam possuidas pelo demonio - segundo uma superstição dos orientaes - e que, para se livrarem da justiça, inventaram a historia dos lobos.
Muita gente não crê na veracidade destas historias, porque ainda não se circumstancia, se esquece de devoral-a immediatamente, e a creança, deu o caso de que o descobridor de um lobis-homem tenha sido um europeu, mas sim, sempre um indio.
Ha muitos factos, sem duvida, que confirmam estas lendas dos lobis-homens.
Chama a attenção o facto destas crianças comerem carne crua, de preferencia a qualquer outro alimento, quando o facto logico de uma criança abandonada, seria sua paixão pelas fructas, que tanto abundam nas selvas do Hindostão. Uma criança abandonada preferiria sempre estas áquelas.
Os dentes longos e ponteagudos demonstram até á evidencia que sua alimentação preferida e unica seja a carne.
Por outro lado, uma creança caminharia sempre de pé e nunca como os quadrupedes, como todas as que foram encontradas.
Ha um antecedente, sem duvida, que destróe a opinião de alguns, de que se trata de uma lenda dos indios, pois as descobertas têm sido feitas em épocas distinctas e em regiões distinctas.
Seria quasi impossivel um accôrdo, então, para referir o mesmo com detalhes exactamente eguaes.
Um indio, Raj Washwa Sal, explicou este caso do modo seguinte:
"Uma loba rouba uma creança e leva-a para sua cova. Por qualquer misturada com os lobinhos, adquire seu cheiro e isso impede que a loba o distinga de seus proprios filhos. Depois a creança é ammamentada pela loba e fica assim incorporada para sempre na familia do lobo".
A lenda de Romulo e Remo prova que, antigamente, quando os homens e os animaes viviam com mais familiaridade, tambem se acreditava em lobos que criavam creanças.
Porém, tanto Romulo, como Mowgli, o personagem da lenda de Kipling, "Jungle Book", são apresentados como jovens formosos, dotados de uma grande intelligencia e força creadora.
Os casos que foram encontrados são, desgraçadamente, de creanças idiotas, que jamais recobram a intelligencia.
Seria extraordinariamente interessante que uma creança-lobo apprendesse a falar e raciocinar e nos pudesse explicar a psychologia dos animaes.

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