GOLPE ONTEM NO LÍBANO

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 12 de março de 1976

Neste texto foi mantida a grafia original

Uma nova rebelião militar eclodiu ontem no Líbano, desta vez liderada pelo comandante da Região Militar de Beirute, general Aziz Ahmad, que disse ter assumido o poder do Estado. Ahmad apresentou um ultimato ao presidente Suleiman Franjieh, para que renuncie dentro de 24 horas, e determinou que o Parlamento se reúna para, no prazo de uma semana, eleger um novo governo.
O presidente Franjieh garantiu, entretanto, que não renunciará e que "defenderá a legalidade nem que para isso tenha de morrer". Em declaração à imprensa, Franjieh disse que "o dever nacional nos obriga a enfrentar todas as campanhas que têm por objetivo desmembrar o país. Nós permaneceremos para defender a legalidade, inclusive ao custo de nossas vidas".
A situação ontem no Líbano era bastante confusa. Os próprios libaneses não sabiam, por exemplo, se um grupo de soldados que ocupou o Ministério do Interior era favorável ou não ao presidente Franjieh. Tampouco se tinha certeza de que o general Aziz Ahmad tem apoio suficiente para tomar o governo e conservar o poder, impondo a ordem no país.
Se não puder contentar as principais facções libanesas, a rebelião militar poderá agravar ainda mais a situação.

"Renuncie em 24 horas para salvar o Líbano"

BEIRUTE - O general Aziz Ahmad, comandante da região militar de Beirute, numa tentativa para pôr fim à grave crise libanesa, anunciou que assumiu o poder ontem à tarde. Imediatamente decretou o estado de emergência em todo o país, exigiu no prazo de 24 horas a renúncia do presidente Suleiman Franjieh (cristão) e do primeiro-ministro Rashid Karami (muçulmano), determinou que o Parlamento se reúna para dentro de sete dias eleger um novo governo, manifestou seu apoio à decretação de anistia geral feita anteontem pelo comandante do Exército, general Hanna Said, aos desertores, convocou todos os ministros a se apresentarem a seus gabinetes e finalmente pediu aos civis e militares que o apoiem e o respeitem, "sob pena de sanções".
O presidente Suleiman Franjieh, entretanto, declarou que "defenderá a legalidade nem que para isso tenha que morrer". Numa declaração entregue à imprensa, Franjieh afirmou: "O dever nacional nos obriga a enfrentar todas as campanhas que têm por objetivo desmembrar o país. Nós permaneceremos para defender a legalidade, inclusive ao custo de nossas vidas".

Pronunciamento

O líder rebelde, por sua vez, fez um pronunciamento à Nação que foi transmitido pela Televisão Nacional, apresentando-se como "governador provisório do Líbano e chefe de um movimento corretivo". Afirmou que só acredita no regime militar na medida em que constitui o meio para salvar um regime que está se deteriorando, e que apoiará com todas as suas forças a iniciativa da Síria para pôr fim às deserções nas fileiras das Forças Armadas e encontrar um acordo para formação de um "governo de unidade nacional", com a participação de todas as forças políticas do país, sobretudo de cristãos e muçulmanos.
Finalizou seu pronunciamento afirmando que não pretende instaurar uma ditadura militar no Líbano. "Entregarei o poder a seus legítimos detentores quando um novo presidente for eleito", declarou.
O Partido Falangista, de direita, tradicionalmente a principal base de apoio do presidente, informou que seu diretório político havia sido convocado para uma sessão de emergência.
O líder do Partido Socialista, Kamal Jumblatt, afirmou por sua vez que o Exército deve agir com calma para não violar a democracia parlamentar, "pois o país não aceita um regime ditatorial".
Em Israel o primeiro-ministro Ytzak Rabin declarou que os "graves acontecimentos no Líbano podem trazer difíceis problemas para Israel". Falando aos trabalhadores no "kibutz" Ifath, na Galiléia, Rabin admitiu, contudo, que ainda é prematuro formular opiniões sobre os acontecimentos em Beirute e também prever as possíveis soluções.

Combates

Logo após o anúncio da tomada do poder por Ahmad começaram a ser travados combates em diversos pontos da capital libanesa. O secretário militar do presidente Franjieh afirmou que o palácio presidencial e o Ministério da Defesa estavam ainda em poder das forças leais. Oficiais rebeldes, no entanto, após violenta luta com soldados leais, tomaram uma estação de televisão e uma emissora de rádio. O Ministério do Interior foi invadido por um grupo de soldados, não se sabendo de que lado estão.
Informou-se que diversos grupos de guerrilheiros cristãos e muçulmanos travaram combates nas ruas de Beirute, ameaçando perigosamente a trégua estabelecida dia 21 de janeiro graças à mediação da Síria. Na região litorânea da capital, onde ficam os hotéis de luxo, eclodiram várias batalhas.
Depois que as tropas fiéis a Ahmad tomaram a estação de televisão, passaram a ler vários telegramas de apoio, um deles da Academia Militar e outros do comando antiaéreo, próximo à fronteira com Israel.
A emissora de rádio "A Voz do Líbano Árabe" em poder do "Exército Árabe-Libanês", formado por soldados muçulmanos que desertaram das fileiras das Forças Armadas, não fez qualquer comentário sobre o golpe; apenas advertiu os cidadãos para que mantenham a calma, avisando que "a batalha ainda não terminou".

Renúncia

Embora no programa anunciado pelo líder rebelde conste a exigência da renúncia - "no prazo de vinte e quatro horas"- do primeiro-ministro Rashid Karami, o chefe do governo havia anunciado sua renúncia momentos antes.
A renúncia do primeiro-ministro foi formalizada depois que a delegação síria, presidida pelo ministro de Relações Exteriores sírio Abdel Halim Khaddam, deixou Beirute após uma reunião da qual participaram o chefe do governo, o presidente e os principais líderes políticos do país. Um funcionário sírio informou, ao fim do encontro, que a subcomissão de trégua havia sido desfeita e que "agora a Síria lavava as mãos no assunto do Líbano". Juntamente com seus assessores, os comandantes do Exército e da Força Aérea da Síria, generais Hikmat Chehabi e Naji Jamil, o chanceler sirio rumou para Damasco.
A reunião foi realizada na residência do líder palestino Zuhair Mosehn e deste mesmo local o primeiro-ministro, num discurso em tom emocionado, anunciou sua renúncia. "A posição incompreensível das facções em luta é a responsável pela crise que agora se estende até o Exército", disse Karami. Ao concluir comparou o Líbano a uma nave que se afunda.
Segundo um funcionário do governo que participou do encontro, surgiram graves divergências entre Karami e Franjieh nas discussões a respeito da situação nacional, e o primeiro-ministro preferiu renunciar.
Karami já havia apresentado sua renúncia dia 18 de janeiro, mas a retirou três dias depois quando entrou em vigência a trégua alcançada com a mediação síria. O primeiro-ministro voltou a dirigir seu gabinete, chamado de "salvação nacional". Contudo, desde essa data não conseguiu mais progressos em seus esforços para aumentar o gabinete, passando de seis para doze membros, a fim de formar um governo de "reconciliação nacional", que incluisse todos os partidos políticos.

Desertores

Os soldados muçulmanos que desertaram das Forças Armadas e constituíram o "Exército Árabe-Libanês", por outro lado, tomaram ontem mais duas guarnições militares no norte do país, próximo a Trípoli, e uma no sul, em Nabatiyeh, próxima à fronteira com Israel. Agora, os soldados desertores, liderados pelo tenente muçulmano Ahmed Khatib, controlam seus unidades militares tomadas das Forças Armadas regulares.
Os rebeldes recusaram a oferta de anistia feita anteontem pelo comandante do Exército, general Hanna Said. O líder do "Exército Árabe-Libanês" afirmou que "se não houver justiça e igualdade, e o homem certo em seu posto adequado, poremos quantas bombas forem necessárias nos quartéis apropriados".
Logo após o anúncio da tomada de mais três unidades pelos soldados muçulmanos desertores, o comando do Exército de Libertação Palestino (ELP) dirigiu-lhes um ultimato exigindo que evacuem todos os quartéis ocupados, assim como destituem todos os veículos militares que estão em seu poder.

Assassinato

Por outro lado, o comandante da região militar norte, coronel Abdel Majid Chedabe, foi assassinado ontem por desconhecido na rodovia Beirute-Trípoli. Dois oficiais que vinham atrás do automóvel de Chedabe conseguiram fugir.

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