ESTUDANTES COLOCAM DE GAULLE EM CRISE
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 12 maio de 1968
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Em Paris, o complexo estudantil-operario, criado com o apoio das centrais
sindicais comunista e cristã ao movimento estudantil coloca
a V Republica de de Gaulle em face de sua mais grave crise em dez
anos de existencia. De Gaulle convocou um "conselho de guerra"
ministerial enquanto se anuncia uma greve geral operaria para amanhã.
Sabado, os choques entre policiais e estudantes atingiram proporções
ineditas, com muitos feridos e centenas de prisões. Em Bonn,
um outro complexo estudantil-operario, mais reduzido mas mais radical,
transformou a capital da Alemanha Ocidental em praça de guerra:
estudantes e operarios pretendem impedir a aprovação
das "leis de exceção". Entrementes, em Paris,
há esperanças de que as conversações EUA-Vietnã
conduzam à paz, mas em Saigon, o vietcong continua a guerrilha
nas ruas da cidade.
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Estudantes:
a maior crise da V Republica |
PARIS, 11 (AFP-FOLHA)
- De Gaulle preside a um "conselho de guerra", composto
pelos seus auxiliares de maior confiança. O novo arcebispo
de Paris lança um apelo radiofonico à população
da capital para que esta mantenha a calma. O chefe da policia da capital
francesa diz que, na noite passada, aconteceram "coisas nunca
dantes vistas". Verificaram-se oficialmente, 367 feridos, 20
dos quais em estado grave. As principais centrais operarias juntaram-se
aos protestos do movimento estudantil e anunciam greve geral para
segunda-feira. A policia lançou-se à conquista do Bairro
Latino como se tratasse de operação de guerra. Ao fim
do dia ainda se notavam colunas de fumaça dos automoveis e
dos edificios incendiados na "rive gauche" da cidade. Os
partidos de oposição convocaram reunião urgente
da Assembleia Nacional para analisar os gravissimos incidentes que
constituem, segundo a maioria dos observadores, a maior crise atravessada
pela V Republica. Tal pode ser a sintese sumarissima do que está
acontecendo como consequencia dos choques entre estudantes e a policia,
em Paris.
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"Conselho
de guerra" |
O general de Gaulle presidiu esta madrugada um verdadeiro "conselho
de guerra" extraordinario para fazer frente ao que muitos observadores
consideram como uma autentica crise nacional, a mais grave que jamais
enfrentou a Quinta Republica francesa nos seus dez anos de existencia.
O chefe de Estado francês reuniu o primeiro ministro interino
Luis Joxe, os ministros do Interior e do Exercito e seu conselheiro
particular Jacques Foccart, após a "noite sangrenta"
do "Quartier Latin", bairro estudantil de Paris, onde milhares
de estudantes enfrentaram violentamente as forças policiais.
A oposição de esquerda e o Partido Comunista reclamaram
ao mesmo tempo a convocação extraordinaria da Assembléia
Nacional para debater a responsabilidade governamental.
A Confederação Geral do Trabalho, de tendencia comunista
e a Confederação Sindical Cristã, as mais poderosas
da França, lançaram por sua parte uma palavra de ordem
de greve geral para a proxima segunda-feira, data do decimo aniverssario
do regime gaulista.
A federação da Educação Nacional que agrupa
os mestres e professores lançou identica palavra de ordem.
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Crise
politica |
Esta intervenção
em massa no conflito estudantil dos partidos da oposição
e dos sindicatos operarios solidarios com os estudantes acentua, ainda
mais do que as proprias violencias de ruas, a gravidade de uma crise
politica já de carater nacional.
Todos os movimentos de oposição se reuniram esta manhã
com carater de urgencia para unificar sua ação. Ontem
à noite, os choques entre policiais e estudantes revestiram-se
de brutalidade sem precedentes. O numero de feridos foi oficialmente
de 116 manifestantes e de 251 policiais. Mas grande numero de manifestantes
feridos curaram-se por si mesmo com medo de serem detidos. Houve 468
prisões. Foram incendiados 60 automoveis e 128 danificados.
O chefe da policia afirmou que não houve mortos de nenhum lado.
«Enfrentamos grupos que aplicaram a tatica da guerrilha urbana
- afirmou o chefe de policia - os policiais reagiram de acordo com
isto.»
Todas as testemunhas oculares ressaltam a extrema brutalidade dos
choques entre policiais e estudantes. Entrincheirados no «Quartier
Latin» os estudantes levantaram grandes barricadas e incendiaram
automoveis para frear a agressão da força publica que
tinha como objetivo dispersá-los.
A policia só conseguiu seu proposito de madrugada, quando ainda
perseguia grupos de manifestantes que tinham se refugiado nos telhados
e sotãos das casas vizinhas.
A manifestação estudantil, reforçada por grande
numero de alunos dos liceus, tinha sido calma e serena até
à meia-noite.
Os estudantes que reclamavam a liberdade de seus colegas encarcerados
durante as manifestações anteriores, começaram
então a arrancar os paralelepipedos das ruas e a construir
as barricadas para significar que no «Quartier Latin»
estavam em casa. À 1 hora e 15 minutos da madrugada a Força
Publica recebeu ordem de atacar.
A emoção era intensa ainda hoje de manhã no meio
estudantil. O movimento de protesto contra os metodos policiais violentos
provocou sensivel agitação. Assim candidatos à
congregação futuros professores e alunos dos Institutos
de Estudos Politicos abandonaram, hoje as aulas de exame para juntarem-se
aos estudantes em suas manifestações.
O protesto dos partidos politicos e das organizações
sindicais contra os metodos policiais foi aumentado com a adesão
da Liga dos Direitos do Homem.
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Resto
da França |
A agitação
de Paris se propaga às universidades do resto do pais tomando,
desta forma, uma dimensão nacional.
Na Faculdade de Letras de Strasburgo um comunicado do conselho estudantil
proclamou hoje a «autonomia da Universidade de Strasburgo com
relação ao poder».
Nas cidades de Lille, ao norte e de Marselha, ao sul, os estudantes
preparam as manifestações tendo convidado todas as organizações
politicas e operarias locais.
Sopra sobre a França uma dramatica tempestade.
No final da manhã de hoje, nos circulos governamentais declarava-se
que nas manifestações de ontem à noite tinha
havido a intervenção de forças hostis à
negociação de paz, quando Paris é cenario das
negociações entre os estados Unidos e o Vietnã
do Norte.
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Chefe
de policia |
Os motins
da noite passada no «Quartier Latin» causaram 367 feridos
dos quais 54 foram hospitalizados e mais de 20 em estado grave, afirmou
a chefatura da policia.
O chefe da policia Maurice Grimaud informou que entre os feridos encontram-se
102 estudantes, 14 pessoas que não são estudantes e
251 policiais. Entre os estudantes feridos há 4 casos muito
graves e entre os policiais 18 casos graves, sendo que um deles o
de um comandante que sofreu fratura de craneo. O chefe da policia
afirmou que 468 pessoas foram detidas para interrogatorio, sendo que
61 eram estrangeiros. Dos detidos, 63 possuiam armas as mais diversas
e foram colocados à disposição da Justiça.
Entre estes ultimos há 26 universitários, 3 estudantes
de liceus e 34 pessoas que não eram estudantes.
A policia afirmou, por ultimo, que 60 automoveis foram incendiados
e completamente destruidos e outros 128 deteriorados.
«Paris conheceu uma de suas noites mais lamentaveis; viram-se
coisas nunca vistas», afirmou Maurice Grimaud.
O chefe da policia, depois de recordar que as manifestações
de ontem à tarde, nas quais participaram muitos jovens «e
inclusive muito moços», desenvolveram-se sem incidentes,
declarou que a policia permaneceu inativa, à espera a noite
e do resultado dos contatos entre as autoridades universitarias e
os delegados dos estudantes.
Maurice Grimaud prosseguiu: "Cerca das duas horas da manhã,
grupos que não chamarei de estudantes, mas sim de irresponsaveis,
começavam a levantar barricadas e percebemos neste grupos uma
vontade de provocar choques com o serviço da ordem".
"Indiquei, então, ao ministro do Interior, - acrescentou
o chefe de policia - que não era possivel garantir a ordem
em Paris, se não fosse possivel dissolver estas barricadas."
"Um apelo foi lançado aos manifestantes a partir desse
momento e fizeram-se as advertencias regulamentares", afirmou
Maurice Grimaud.
As forças da ordem aproximaram-se das formações
onde aqueles que ali estavam aplicaram uma tatica de guerrilha contra
as forças policiais - disse ainda o chefe de policia.
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Campo
de batalha |
O "Quartier
Latin" apresentava, na manhã de hoje, o aspecto de um
campo de batalha, depois de uma noite de combates.
Ruas com a pavimentação toda esburacada, automoveis
fumegantes, restos de barricadas, eram os vestigios de uma noite de
choques violentos entre milhares de estudantes e as forças
policiais.
Tudo começou com um desfile pacifico no final da tarde de ontem.
Cerca de 20 mil estudantes marcharam de forma impressionante realizando
manifestações da praça Denfert-Rochereau até
às imediações da Sorbonne. Barreiras de policiais
isolaram todas as pontes do Sena, impedindo a passagem dos manifestantes
para os Campos Eliseos e demais bairros elegantes da margem direita.
Os estudante decidiram, então, tomar posição
em seu bairro, o "Quartier Latin", no coração
do qual está a Sorbonne, fortaleza defendida por uma muralha
de policiais.
Até à meia-noite grande parte dos estudantes esperavam
sentados no chão das ruas proximas da Universidade. Mas ao
mesmo tempo, grupos de choques começaram a retirar os paralelepipedos
das calçadas e construir barricadas.
Em plena noite um dialogo entre os lideres estudantis e as autoridades
universitarias não deu nenhum resultado positivo.
À meia-noite e vinte e cinco, o chefe de policia inspecionava
todo o dispositivo de segurança. A esta hora ocorreram os primeiros
incidentes. Os manifestantes lançavam paralelepipedos e os
policiais respondiam com granadas de gás lacrimogeneo.
Às 2 horas e 15 minutos Grimaud lançou a palavra de
ordem de desalojar os manifestantes do "Quartier Latin"
e houve então verdadeira batalha de um lado das inumeras barricadas
que cortam as ruas. A luta foi sobretudo encarniçada na rua
Gay Lussac no setor norte do bairro .
Dezenas de automoveis pegavam fogo, a atmosfera enchia-se de fumaça
e gases lacrimogeneos. Os policiais, com cassetetes para o alto lançavam-se
ao assalto das barricadas. Os estudantes resistiam e retrocediam passo
a passo, sem fugir, lutando constantemente. Varios feridos estavam
pelas ruas sem que pudessem ser socorridos.
A policia levou três horas para conseguir reduzir a resistencia
dos manifestantes na rua Gay Lussac, mas ainda hoje, às 7 horas
da manhã, novos policiais perseguiam eventuais manifestantes
que estavam emboscados em casas vizinhas. Equipes municipais começaram
então a dura tarefa de pavimentar novamente as ruas de modo
que o «Quartier Latin» seja, pelo menos em parte, transitável
hoje durante o dia. Algumas ruas ainda tinham, pela manhã,
as barricadas permitindo a passagem de apenas um transeunte de cada
vez.
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Monsenhor
Marty |
O novo
arcebispo de Paris, Monsenhor Marty lançou, hoje, um apelo
à calma à população de Paris. Em uma declaração
radiofonica, Monsenhor Marty dirigiu-se especialmente aos estudantes
e às forças da ordem ao declarar:
«E' necessario deter a violencia. Peço a todos os responsaveis
de um lado como de outro, que tratem de entrevistar-se novamente.
E' preciso encontrar uma solução justa».
Este apelo do Arcebispo coincide com novas manifestações
de estudantes prevista para esta noite, como tambem com um comunicado
da Confederação Geral do Trabalho e da Confederação
Sindical Cristã para seus associados efetuarem, desde hoje,
demonstrações de apoio aos universitarios.
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Os
incendios |
Seis automoveis
ardiam às 20 horas locais no Bairro Latino, enquanto a policia
continuava desalojando os estudantes de suas barricadas.
A fachada de um café foi presa das chamas, as quais chegavam
até o segundo pavimento do edificio.
Em numerosas ruas do Bairro Latino, os cristais de todas as casas
saltavam em pedaços por efeito das explosões das granadas
lacrimogeneas lançadas pela policia.
Esta ultima, segundo o Sindicato Nacional do Ensino Superior, fez
uso tambem de bombas de cloro. Mas o Ministério do Interior
desmentiu a noticia, afirmando que as forças de segurança
empregaram unicamente granadas lacrimogeneas «de tipo classico».
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Hospital
improvisado |
A Faculdade
de Ciencias de Paris foi convertida, às quatro da manhã,
em Hospital de Campanha.
Vinte medicos atendiam aos estudantes feridos nos violentos choques
com a força publica no Bairro Latino. Por outra parte, as iniciativas
privadas para atender aos numerosos estudantes feridos se sucediam
esta madrugada.
A emissora de radio «Europa Numero 1» dirigiu um apelo
aos taxis para que secundassem as ambulancias insuficientes para transportar
todos os feridos.
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