O 'SIM' ÁRABE A ISRAEL, MAS SOB CONDIÇÕES
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira de 10 de setembro de 1982
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A conferência da cúpula da Liga Árabe encerrou-se
ontem à noite na cidade marroquina de Fez, com uma proposta
implícita - a primeira em 35 anos de conflitos do Oriente Médio
- de reconhecimento de Israel. Em troca dessa concessão, as
20 delegações presentes exigiram a criação
de um Estado palestino entregue à OLP (Organização
para Libertação da Palestina), com sua capital no setor
leste de Jerusalém. O plano árabe foi rejeitado pelo
governo israelense antes mesmo de tornar-se público.
Em Washington, o secretário de Estado George Schultz defendeu
na Câmara dos Deputados as propostas de paz para aquela região,
apresentadas na semana passada pelo presidente Reagan, dizendo que
elas permaneciam válidas, apesar de sua rejeição
pelo premiê israelense Menachem Beguin.
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Um
Estado palestino em troca do reconhecimento de Israel |
Governantes de vinte países árabes reunidos em Fez,
no Marrocos, aprovaram ontem à noite um plano de paz em que
oferecem implicitamente negociar o reconhecimento mútuo entre
Israel e um Estado palestino com sede em Jerusalém. O documento
também reconhece a todos os países do Oriente Médio
o direito de viverem em paz. Mas antes mesmo de divulgado em sua redação
final, o plano foi rejeitado pelo governo israelense, que procurou
minimizar seu alcance.
O porta-voz do primeiro-ministro Menachem Beguin, Uri Porat, argumentou
que a reunião de cúpula árabe não diferia
das precedentes, não havendo razão "para nela se
prestar atenção maior". Argumentou que "os
árabes não reconhecem Israel e mencionaram a Organização
para a Libertação da Palestina como única representante
do povo palestino", o que contraria a posição de
Jerusalém, para a qual a OLP permanece sendo um grupo terrorista.
Em 35 anos de conflitos no Oriente Médio, esta é a primeira
vez que, mesmo indiretamente, a existência de Israel é
reconhecida por seus vizinhos. A "Carta de Fez" foi lida
à imprensa pelo ministro marroquino das Relações
Exteriores, Mohammed Boucetta, pouco antes da meia-noite, hora local.
O documento exige que Israel evacue dos territórios ocupados
em 1967, entre eles incluindo o setor de Jerusalém até
aquela data pertencente à Jordânia.
O encontro da Liga Árabe tinha seu desfecho marcado para quarta-feira,
mas prolongou-se por mais 24 horas diante das dificuldades provocadas
pela proposta do Líbano de retirada, de seu território,
de todos os "estrangeiros". A palavra, segundo a delegação
de Beirute, aplica-se indistintamente aos israelenses, aos sírios
e aos próprios combatentes palestinos, que não deixaram
o país após a mediação de Philip Habib,
permanecendo atrás das linhas sírias, sobretudo no vale
de Bekaa.
Yasser Arafat considerou esta formulação "um insulto"
por colocar seus combatentes num patamar idêntico aos dos invasores
israelenses.
Por sua vez, a Síria, que anteontem à noite se mostrava
disposta a retirar suas tropas do Líbano (elas constituem a
FAD - Forças Árabes de Dissuasão), recuou e condicionou
sua saída à paralela evacuação de Israel,
segundo depoimentos recolhidos pela agência Reuters.
Por sua vez, o correspondente do "Le Monde" em Beirute acredita
que a evacuação síria será negociada a
partir de 24 de setembro, dia seguinte da posse, na presidência
libanesa, do direitista Bechir Gemayel, a data do desembarque do emissário
dos EUA, Philip Habib, para uma nova missão de negociação.
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"BOA
VONTADE" |
As delegações árabes na conferência de
Fez deixavam, ao menos para efeitos externos, em segundo plano esta
questão e insistiam na "Carta" que, segundo o presidente
tunisiano, Habib Burguiba, atraiu as atenções mundiais
para a boa vontade do mundo árabe e propiciou aos palestinos
uma "legalidade internacional". A "Carta de Fez",
com se recorda, põe nas mãos das Nações
Unidas a definição de critérios para a segurança
dos "Estados da região" (o Oriente Médio),
neles incluindo implicitamente Israel, e retoma a resolução
do Conselho de Segurança da Palestina em dois Estados, um judeu
e um árabe.
A reunião árabe constituiu um comitê de quatro
membros - sabe-se que ele inclui o rei Hussein, da Jordânia,
e taticamente exclui Yasser Arafat, da OLP - encarregados de apresentar
o presidente Ronald Reagan as conclusões da conferência.
Os países "moderados" que articularam o plano de
paz - sobretudo Arábia Saudita e Tunísia - argumentaram
que a "Carta de Fez" é próxima das propostas
formuladas na semana passada pelos Estados Unidos (e igualmente rejeitadas
por Israel).
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EGITO
E CHINA |
O presidente egípcio Hosni Mubarak, em visita a Bucareste,
referiu-se de forma elogiosa ao plano Reagan - "ele pode criar
uma atmosfera para chegar a uma acordo honroso" - mas não
mencionou a "Carta de Fez", de cuja elaboração
o Cairo não participou, por continuar excluído da Liga
Árabe, em razão dos Acordos de Camp David.
Em Pequim, onde se encontra como convidado oficial, o ex-presidente
Richard Nixon disse que seus interlocutores chineses consideraram
as propostas de Reagan sobre o Oriente Médio como "um
passo para um política mais equilibrada na região".
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OS
OITO PONTOS DA 'CARTA DE FEZ' |
Eis
os oito pontos da "Carta de Fez", documento inspirado nas
propostas do rei Fahd, da Arábia Saudita, e do presidente tunisiano
Habib Burguiba:
1 - Retirada de Israel de todos os territórios árabes
ocupados desde 1967, incluindo a parte árabe de Jerusalém.
2 - Remoção de todas as colônias israelenses nos
territórios árabes ocupados por Israel.
3 - Garantias de liberdade e respeito para todas as religiões
nos lugares sagrados.
4 - Garantia do direito do povo palestino à autodeterminação,
assegurando-lhe a prática de seus direitos nacionais sob a
liderança da Organização para a Libertação
da Palestina (OLP), única representação legítima
dos palestinos.
5 - Instalação de uma administração das
Nações Unidas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza
(territórios ocupados por Israel) por um período transitório
que não deve ultrapassar cinco meses.
6 - Estabelecimento de um Estado palestino independente, tendo Jerusalém
como capital.
7 - O Conselho de Segurança das Nações Unidas
deverá assegurar a paz em todos os Estados da área,
inclusive no Estado palestino.
8 - O Conselho de Segurança deverá garantir a aplicação
desta resolução;
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