GOVERNO DE ISRAEL RECUSA-SE A DEVOLVER EICHMANN À ARGENTINA

Em fontes chegadas ao governo de Israel informa-se que as autoridades israelenses não devolverão o ex-nazista Adolf Eichmann à Argentina, conforme foi exigido em energica nota entregue ao embaixador de Israel em Buenos Aires. Nesse documento o governo argentino não somente exige a devolução do criminoso nazista, dentro de uma semana, como tambem pede sejam castigados os "voluntarios judeus" responsaveis pela sua retirada sub-repticia do país.
A Argentina chamou seu embaixador em Israel e advertiu que levará o caso perante as Nações Unidas se o seu ultimato não for cumprido. Por seu lado, o governo de Israel pretende responder à nota argentina na forma mais moderada possível, a fim de evitar a ruptura das relações entre os dois países.


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1960

Neste texto foi mantida a grafia original

O caso Eichmann põe em perigo as relações entre a Argentina e Israel

Buenos Aires, 9 - A exigencia argentina de que Israel devolva o ex-nazista Adolf Eichmann no prazo de uma semana coloca as duas nações à beira de um completo rompimento de relações diplomaticas.
A Argentina já chamou o seu embaixador em Israel e advertiu que levará o caso perante as Nações Unidas se o governo israelense rejeitar seu ultimato.
Em uma energica nota entregue ontem à noite ao embaixador israelense, Arieh Levavi, a Argentina exige não somente que se traga novamente aqui a Eichmann como que se castiguem os "voluntarios judeus" que o retiraram sub-repticiamente do país.
A nota argentina critica severamente a explicação dada sobre o incidente, rejeitando particularmente sua "gratuita" afirmação de que "numerosos nazistas vivem na Argentina".
Uma nota israelense entregue aqui em principios desta semana dizia que Eichmann deixou a Argentina espontaneamente com um grupo de voluntarios judeus que o haviam descoberto em Buenos Aires, sem dizer nada ao governo de Israel.
A Argentina diz que, com efeito, Israel reconhece a responsabilidade dos raptores de Eichmann ao pedir desculpas por suas ações, porem "não oferece reparações, que são a consequencia inevitavel do reconhecimento de responsabilidade".

Resposta moderada

Jerusalem, 9 - Israel não devolverá Adolf Eichmann, como o solicitou o governo argentino, mas responderá da forma mais moderada possivel com o fim de evitar uma possivel ruptura de relações - afirma-se em fontes proximas ao governo israelense.
É o primeiro-ministro Ben Gurion quem, na ausencia da titular, sra. Golda Meir, desempenha as funções de chanceler e se ocupa atualmente do assunto.
O pedido argentino de devolução do criminoso nazista ainda esta semana provocou viva emoção em Israel. Alguns meios não vacilam em qualificar a posição argentina de "intransigente", e afirmam que Israel poderia ser obrigado a publicar um "livro negro" sobre os crimes de Eichmann contra os judeus.
Negativa sistematica

Banberg, Alemanha, 9 - A Promotoria do Estado disse hoje que a Argentina se tem negado, sistematicamente, a permitir a extradição do ex-funcionario nazista Karl Kligenfuss para que seja interrogado na Alemanha sobre sua suposta cumplicidade em crimes de guerra.
Kligenfuss, de 59 anos, foi conselheiro de legação e administração de Assuntos Judeus durante o regime nazista. Pouco depois da guerra mundial fugiu para a Argentina, mas as autoridades judiciais o desejam aqui para interrogá-lo sobre sua possível cumplicidade na execução de judeus durante a guerra.
Um Tribunal de Nuremberg ditou uma ordem de prisão contra Kligenfuss em 1952, depois que seu nome foi mencionado no processo de Franz Rademacher, tambem conselheiro de legação e especialista em Assuntos Judeus que trabalhava no Ministerio de Relações Exteriores nazista.
Rademacher foi condenado a três anos e cinco meses de prisão por sua cumplicidade no exterminio de 1.300 judeus, mas fugiu para o Levante quando se achava em liberdade provisoria.
As autoridades argentinas se têm negado a conceder a extradição de Kligenfuss baseando-se no fato de que esteve só incidentalmente implicado nos casos de homicidio mencionados no processo de Rademacher, segundo disse hoje o departamento do promotor de Bamberg.
Kligenfuss não respondeu tampouco às petições da Promotoria de Bamberg para que regresse voluntariamente à Alemanha.

"Autoridades argentinas cooperaram"

Londres, 9 - O "Daily Express" informa hoje que aumenta a evidencia de que algumas autoridades argentinas cooperaram na captura de Adolf Eichmann, temendo ver-se em uma situação "internacional embaraçosa", se intervierem.
Em um despacho de seu correspondente em Buenos Aires, Colin Lawson, diz que a Policia argentina não investigou a informação da senhora de Eichmann de que seu esposo havia desaparecido.
Lawson diz que a informação de que se dispõe indica que Eichmann foi retido na Argentina durante nove dias depois de seu desaparecimento, provavelmente em um clube judeu de Buenos Aires.
Aparentemente não se fizeram perguntas - diz o correspondente, após citar as palavras de um funcionario argentino que - segundo se afirma - lhes disse: "É evidente que há algo estranho. Você deve usar o seu senso comum."

Debates no Parlamento de Israel

Jerusalem, 9 - O caso Eichmann foi objeto, hoje, de um debate parlamentar em Jerusalem, onde foi rejeitada uma moção, por 29 votos contra 22, na qual se pedia que a imprensa pudesse livremente publicar o caso, enquanto que o ministro da Justiça considera que isso não deve ser feito até que seja instruido o sumario.

Extradição

Bonn, 9 - A negativa do governo federal em solicitar a extradição de Adolf Eichmann ao governo israelense foi confirmada hoje por um porta-voz do Ministerio da Justiça. Essa declaração constitui um desmentido às informações procedentes do Cairo que falavam de uma proxima gestão do governo federal nesse sentido.
"Não existe qualquer base juridica para tal gestão - precisou o porta-voz - posto que não existe um acordo de extradição entre Israel e a República Federal Alemã".

Prisão de Eichmann e no Norte

Telavive, 9 - Adolf Eichmann está preso numa cadeia do norte de Israel - declarou ontem um porta-voz da Policia israelense acrescentando que o criminoso de guerra estava em boas condições fisicas, embora mental e moralmente esteja bastante mal. "Continuaremos a interrogar Eichmann quatro ou cinco horas por dia" - concluiu o porta-voz.

Violação da soberania nacional

Paris, 9 - A nota argentina a Israel, reclamando a devolução de Adolf Eichmann, sob pena de levar o assunto da captura do ex-chefe nazista perante as Nações Unidas, causou hoje grande sensação em Paris.
"Le Figaro", com titulo "Um Problema de Direito Internacional" publica a opinião de um especialista juridico, o advogado Raymond de Geouffre de la Pradelle, um dos autores da supressão da famosa lei que criou a culpabilidade coletiva. Segundo aquele especialista, "nenhum texto internacional permite que Israel julgue um criminoso de guerra por crimes cometidos no estrangeiro". Aquele jurista salienta, que, quando Eichmann cometeu tais crimes, "o Estado de Israel ainda não existia".
"Tudo isso - prossegue o advogado Raymond de la Pradelle - pode dar lugar a uma justa reclamação do governo argentino, mas, de qualquer maneira, este caso é exclusivamente da competencia das autoridades alemãs ocidentais que, há tempo, lançaram uma ordem de detenção contra Eichmann."
Finalmente, o jurista diz que Israel violou a soberania nacional da Argentina e que sua posição juridica é pouco solida.

Evacuada a Embaixada argentina

Telavive, 9 - A Policia fez evacuar, esta noite, a Embaixada argentina, depois de receber um chamado telefonico anonimo dizendo que se havia colocado uma bomba no edificio para protestar contra o pedido do governo argentino de que lhe seja devolvido o ex-nazista Adolf Eichmann, acusado da morte de milhões de judeus durante o regime hitlerista.

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