A ITÁLIA RENDEU-SE INCONDICIONALMENTE AOS ALIADOS


Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 9 de setembro de 1943

Neste texto foi mantida a grafia original

Editorial de 1ª página

Não foi o povo italiano que caiu, ontem, vencido. Foi o regime fascista, cuja peçonha envenenava ainda a Itália, não obstante a tardia queda de Mussolini.
O povo italiano, entregue a si mesmo, pelos seus orgãos de governo e de opinião, jamais teria ligado seus destinos aos do Reich hitlerista, principalmente na sua sanguinária aventura contra o mundo e contra a civilização. O fascismo, porem, suprimira todas as expressões das idéias e dos sentimentos da nação, que assim se viu escravizada à vontade, ao arbítrio, às loucuras de um único homem. E foi porisso que a Itália cometeu a covardia, agora castigada, da declaração de guerra à França agonizante sob as armas alemãs.
Mussolini foi-se, cumprindo a sina dos "parvenus' meteóricos. O fascismo entrou em dissolução, como uma camorra à aproximação da polícia, no caso chefiada por Eisenhower. Mas o tóxico já havia operado suas devastações e a Itália não tinha mais remédio. Tombou, à simples aproximação do inimigo, derrotada por si mesma, na perda de vitalidade que foi o preço de vinte anos de ditadura mussoliniana.
O povo inglês, por exemplo, quando enfrentou o invasor, sabia que lutava pela sua liberdade, pelo seu direito à dignidade humana, pela civilização ocidental que a civilização britânica agigantava. O povo italiano lutaria pelo que? Pela permanência da opressão que o desvirilizava, deformando-lhe o espírito e esmagando-lhe o coração? Impossivel!
No fundo, cada cidadão italiano era um rebelado contra Mussolini e contra o fascismo. Bateu-se, para salvar a honra nacional, mas desejando afinal a libertação, ainda que com a derrota. Uma derrota é uma ferida que se cura, e a Itália curará a sua, graças ao poder de recuperação que lhe dará um novo "risorgimento". O fascismo, porem, era uma chaga crónica, que só cedeu ao cautério do fero e fogo da guerra que Mussolini providencialmente provocou.
O dia de ontem parecerá um dia de luto para a Itália. Transformar-se-á, entretanto, na aurora de uma nova era, que se abrirá para novos e melhores tempos, sob os signos da paz e da liberdade, num mundo tambem novo e melhor, nascido da vitória das democracias.

CAPITULAÇÃO DA ITÁLIA
Q. G. Aliado no Norte da África, 8 - Anuncia-se que a Itália capitulou. - Concedido o armistício

Nova York, 8 - Urgente - O general Eisenhower acaba de conceder o armistício aos italianos.

Rendição Incondicional Das Forças Italianas

Londres, 8 - Foi oficialmente anunciado que as forças italianas renderam-se incondicionalmente.

O Aramistício Entrou Em Vigor

Q. G. Aliado em Argel, 8 - Urgente - O armistício com a Itália entrou em vigor precisamente às 1 h 30 da tarde (hora do Rio de Janeiro).

Cessaram As Hostilidades Contra A Itália

Argel, 8 - Urgente - O general Eisenhower acaba de informar que cessaram hoje as hostilidades entre a Itália e as nações unidas.

O armistício, assinado no dia 3 do corrente, começou a vigorar na tarde de ontem - Em proclamação ao povo, Badoglio reconhece a impossibilidade de continuar a guerra contra as nações unidas - As condições de rendição foram aprovadas pela Grã-Bretanha, Estados Unidos e Rússia

Q. G. - Aliado em Argel, 8 - Urgente - O general Eisenhower acaba de informar que as condições de rendição da Itália foram aprovadas pela Grã-Bretanha, Estados Unidos e Rússia.

A Assinatura Do Armistício Verificou-Se A 3 Setembro

Q. G. Aliado em Argel, 8 - Urgente - O armistício com a Itália foi assinado no dia 3 de setembro, no quartel general aliado, na Sicília. As conferências que terminaram com a rendição foram iniciadas por uma consulta do marechal Badoglio, feita há várias semanas.

Cortadas As Comunicações Telefônicas Entre Berlim E A Itália

Zurich, 8 - A rádio ultramarina alemã anunciou hoje à noite que todas as comunicações telefônicas entre Berlim e a Itália foram cortadas.

Proclamação Do Marechal Badoglio Ao Povo Italiano

Q. G. Aliado em Argel, 8 - URGENTE - O marechal Badoglio acaba de lançar uma proclamação ao povo, anunciando que o governo da Itália reconheceu a impossibilidade de continuar a guerra. Com o fim de impedir novos prejuizos à nação, solicitou o armistício às nações unidas, o qual lhe foi concedido. O marechal Badoglio acrescenta, entretanto, que a Itália resistirá se for atacada por outros países.

A Itália Declararia Guerra À Alemanha

Londres, 8 - Urgente - Nos círculos diplomáticos locais, informa-se que a proclamação do marechal Badoglio significa que a Itália declarará guerra à Alemanha, se os alemães resistirem às tropas aliadas na Itália.

A Situação Das Forças Aliadas Na Itália, Ao Ser Assinado O Armistício

Argel, 8 - No momento em que foi assinado o armistício com a Itália, era a seguinte a situação das forças aliadas na frente italiana: ao longo da costa da Calábria, os aliados haviam avançado numa distância de cerca de 30 quilómetros, tendo alcançado o rio Petrade, ao norte de Palmi, e ao sul haviam feito um avanço de cerca de 16 quilómetros, a leste de Melito, não obstante as demolições feitas pelo inimigo, para retardar o avanço aliado.

Eisenhower Encontrou-Se Com Badoglio Em Território Italiano

Argel, 8 - Urgente - O general Eisenhower esteve na Itália no domingo passado, tendo viajado de avião, afim de se encontrar com o marechal Badoglio, com o qual concertou os últimos detalhes da rendição incondicional. Essa notícia foi veiculada pela emissora local.

Várias Personalidades Italianas Chegaram Há 15 Dias Ao Aeródromo De Palermo

Q. G. Aliado no norte da África, 8 - Pode-se revelar agora que um importante personagem italiano, ou vários personagens, chegaram ao aeródromo de Palermo, há precisamente 15 dias, afim de tratar do armistício.
O avião, provavelmente um "Junker" chegou da direção do mar e aterrou no aeródromo, sem nenhuma interferência. Imediatamente após a aterragem, o aeroplano foi completamente camuflado, ficando no aeródromo durante vários dias.

Badoglio Seria Destituído Pelo Rei

Q. G. Aliado na África do Norte, 8 - Urgente - Há possibilidade de que Badoglio seja destituído pelo rei Victor Emanuel.

O Encontro Entre Representantes Aliados E Italianos Verificou-Se Em Território Neutro

Nova York, 8 - Uma irradiação especial de Argel, após a proclamação do general Eisenhower, diz que o armistício foi assinado no dia 3 de setembro, ficando acertado que o fato somente seria divulgado na ocasião mais favoravel para os aliados. Este momento chegou agora.
A irradiação, aludindo às negociações que levaram a termo o armistício, acentua o seguinte:
"Há algumas semanas, o governo italiano procurou os governos britânico e americano, afim de concluir o armistício. O encontro foi acertado e verificou-se em território neutro. Então, foi reafirmado aos italianos que eles deveriam render-se incondicionalmente. Sob esta base, o representante do comandante-chefe aliado ficou com poderes para comunicar às autoridades militares italianas as condições que teriam de cumprir.
Uma das cláusulas estipula que o governo italiano cumprirá as condições políticas, económicas e financeiras dos aliados, a serem impostas posteriormente.
Novos encontros foram acertados e realizaram-se na Sicília.
O armistício foi assinado no Quartel General avançado no dia 3 do corrente, mas ficou acertado com os representantes italianos que somente seria divulgado no momento mais favoravel para os aliados, devendo ser simultaneamente anunciado de ambos os lados. Este momento chegou agora.
A possibilidade de um movimento alemão, no sentido de se anteceder à divulgação do armistício pelo governo italiano, foi discutida durante as negociações. Para enfrentar essa eventualidade, concordou-se que um representante italiano, oficial superior, não regressaria a Roma. Encontra-se ele agora na Sicília. Ademais, o marechal Badoglio enviou o texto de sua proclamação ao Q. G. aliado".

Ordenado aos navios italianos que se dirijam com urgência para portos aliados - As recomendações do almirante Cunnigham visa acautelar interesses futuros da Itália

Argel, 8 - A emissora de Argel transmitiu o seguinte apelo feito pelo almirante "sir" Andrew Cunningham aos marinheiros italianos:
"Marinheiros da Armada Italiana e da Marinha Mercante:
Vosso país cessou as hostilidades contra as nações unidades. As forças armadas alemãs são agora abertamente hostis ao povo italiano, a quem tantas vezes trairam. Elas pretendem apossar-se dos vossos navios, de que tem urgente necessidade. Esses navios terão de colaborar no transporte de alimentos para a Itália. Vossos navios de guerra terão de colaborar na proteção desses transportes contra os ataques alemães.
Em consequência, não deveis afundar vossos navios, nem permitir que eles sejam capturados. As forças das nações unidas estão à espera para receber-vos e acolher-vos. Salvai vossos navios seguindo as determinações seguintes em nome das nações unidas.
Navios que se encontram no Mediterrâneo: seguí para lugar a salvo da interferência das forças armadas alemãs; saí, se puderdes, para o norte da África ou para Gibraltar, para Sicília ou Malta, para Haifa ou Alexandria, onde esperareis o desenrolar dos acontecimentos.
Navios que se encontram no Mar Negro: seguí para os portos russos, se não tiverdes abastecimento para isso, seguí para os portos neutros.
Quando encontrades forças das nações unidas, deveis identificar-vos, de dia, içando uma grande bandeira negra ou azul no mastro principal e com um grande círculo no tombadilho para ser avistado pelos aviões. À noite, os navios devem usar luzes de navegação e sistema de letras "Ga".
Seguí cuidadosamente todas as instruções das forças das nações unidas. Estas vos são dadas em benefício de vossa segurança.
Marinheiros Mercantes:
Se conservardes intactos vossos navios e, depois de satisfeitos os desejos das nações unidas, desejardes cooperar lealmente com elas, tereis novos encargos no mar em vossos navios italianos. Aqueles, dentre vós, que estiveram no Mar Negro ou no mar Egeu e não puderem escapar dos alemães, que agora são vossos inimigos, não deverão deixar que seus navios caiam nas mãos deles. Em último recurso, devereis afundá-los ou danificá-los, contanto que não caiam em poder dos alemães, que os empregarão contra a Itália.
Os navios que desejarem agir de acordo com esta mensagem poderão confirmar seu salvo-conduto, chamando Malta, Argel ou Alexandria, na frequência de 500 quilociclos".

Estimativas sobre as unidades atuais da marinha italiana

Q. G. Aliado em Argel, 8 - Sobre o estado atual da armada de guerra e da frota mercante italianas, este quartel general deu a conhecer o seguinte comunicado:
"Apesar de severas perdas, a armada italiana conta ainda com número consideravel de navios, constantes de 7 couraçados, 3 porta-aviões em construção, 2 cruzadores pesados avariados, 9 cruzadores leves e outros dois quasi terminados; uns 25 destróieres, perto de 60 submarinos e um consideravel número de unidades menores, inclusive lanchas, torpedeiras, navios de escola e caça-minas.
Os italianos haviam se especializado sempre nas embarcações a motor, leves e rápidas, tais como as torpedeiras britânicas e norte-americanas MTD e PT.
As perdas que experimentou durante a guerra, com exclusão dos navios que foram avariados ou voltaram ao serviço, alcançam a 5 cruzadores pesados, 7 cruzadores leves, 35 destróieres e vários torpedeiros, alem de grande número de submarinos e muitas embarcações leves.
Com respeito à marinha mercante, quando a Itália entrou na guerra em junho de 1940, dispunha no Mediterrâneo de recursos que representavam uns dois milhões de toneladas. Mediante apresamentos ou novas construções, obteve-se outro milhão de toneladas. Sua navegação sofreu contínuas perdas ao procurar apoiar o envio de abastecimentos para as forças do "eixo" no norte da África. Mais de um milhão e meio de toneladas jazem agora no fundo do "Mare Nostrum", postos a pique pelas unidades de superfície, pelos submarinos e pela aviação dos aliados.
Depois de mais de três anos de guerra, os navios da marinha italiana que permanecem no Mediterrâneo, são aproximadamente, em 300 navios, com um milhão e quinhentas mil toneladas brutas. Esta frota mercante é composta por uns 60 navios de passageiros com umas 500 mil toneladas, inclusive os transatlânticos de luxo "Rex" e "Conti di Savoia"; cerca de 25 navios de carga com 700 000 toneladas; 60 petroleiros, com 300 000 toneladas e grande número de embarcações de cabotagem, barcaças, caiques e barcos de pesca".

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.