ANTES DE TRES ANNOS - OUTRA VEZ A GUERRA

A Allemanha fará a guerra? - Campanhas contra os pacifistas - um insulto - a alliança com a Inglaterra - Guerra de reconquista - o imperialismo germanico - odio de raças - volta ao regime agrario - um fascismo que parece communismo... - idealismo e vontade de comer - o caso Rosenberg - o desespero de um grande povo

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 9 de julho de 1933

Neste texto foi mantida a grafia original

Ha poucos dias, aviões de uma nação desconhecida voaram sobre Berlim e atiraram, sobre a cidade, folhetos insultuosos ao hitlerismo.
A Allemanha levantou-se, num protesto unanime, contra a situação em que a collocou o Tratado de Versalhes que não lhe permitte possuir um aeroplano sequer, nem mesmo para protecção do seu solo que se acha, como se viu, exposto às incursões de quem quer que seja.
O protesto allemão morreu sem éco. Mas, poucos dias depois, o governo germanico apparelhou uma policia de aviões armados. A decisão corajosa de Hitler, alarmou a França, e, quarta-feira ultima, o "Petit Parisien", num editoral veemente, escreveu que "a decisão do governo allemão de apparelhar a policia de aviões armados não deixou de provocar certo espanto no estrangeiro" e citou, a proposito, o art. 198 do Tratado de Versalhes, assim concebido: "As forças militares da Allemanha não devem comportar nenhuma aviação militar ou naval". E, depois de varias considerações em torno do caso, conclue com estas palavras expressivas: "Se o sr. Goering ignora que os textos com os quaes a Allemanha concordou livremente, appondo a sua assignatura, estão sempre em vigor, não é demais que se lhe chame a attenção".
Percebe-se claramente, em todos esses factos lamentaveis, um estado de superexcitação latente que, praza aos Céos, nunca chegue a explodir.
Um jornalista hespanhol. M. Chaves Nogales, actualmente na Allemanha, está escrevendo para o jornal "A hora" de Madrid, surpreendentes reportagens subordinadas ao titulo de "Como se vive nos paizes de regime fascista". Traduzimos, a seguir, uma dellas. Não podemos logicamente, endossar o que o periodista castelhano escreve, pois estamos longe, muito longe, do palco tumultuario onde se desenrolam os grandes dramas politicos do momento. Se Chaves Nogales acha que a Hespanha está muito afastada desse scenario, que dizer de nós? Elle, porém, vive dentro do proprio drama. Viu. Auscultou. Sentiu. Pesquizou. E escreveu. Cremos que não mentiu, nem errou. Os acontecimentos que estão se desencadeando uns atraz dos outros, atropeladamente, se não o confirmam, pelo menos não o desmentem. Eis a razão por que resolvemos, a titulo de curiosidade, apresentar essa reportagem aos nossos leitores.
Qual a razão desta hypothese temeraria: a Allemanha fará a guerra?
E por que motivo essa guerra estalará antes de tres annos?
Como não tem nenhum valor o facto de um jornalista crêr que vae rebentar uma guerra, nem tem importancia nenhuma que esse jornalista se dedique a fazer prophecias sensacionaes, não julguei muito imprudente dar a publico estas impressionantes affirmaçoes, esperando que ellas tenham a virtude de despertar a attenção do publico hespanhol para um estado de consciencia que, indiscutivelmente, existe hoje em toda a Europa e cuja expressão graphica, terminante, são estas duas terriveis conclusões: guerra, antes de tres annos.
Isso pode acontecer, ou não. Mas, na orbita das preoccupações mundiaes estão presentes, dolorosamente, essas affirmações que, a nós, parecem perfeitamente gratuitas. Já sei que, para admitir essa hypothese catastrophica, o cidadão da Republica hespanhola, ao qual apenas chegam os ecos, envoltos em algodão, dos discursos pacifistas de Genebra, tem que submeter suas ideas sobre muitas coisas, a uma cuidadosa revisão. É, pois, com esse objectivo, que publico estas impressões de viagem.

Ponto de partida

Para você, leitor germanóphilo - porque o simples facto de se falar nesse assumphto provoca a divisão da Hespanha em francophilos e germanophilos - a affirmação de que a Allemanha vae desencadear uma nova guerra é uma infamia inventada contra o povo allemão por seus inimigos. Por muito germanóphilo que seja um hespanhol, elle nunca se identificará tão absolutamente com o pensamento germanico ao ponto de acceitar certos postulados que, hoje, são moeda corrente na Allemanha e que, para um latino, por muito grande que seja a sua sympathia para como povo allemão, bem que parecer-lhe a tal ponto monstruosos que os attribue, não à Allemanha, mas à má vontade dos seus inimigos, que os interpretam, torcendo-os.
Pense-se, pois, que, quando se diz que a Allemanha quer a guerra, não se lhe faz uma imputação injuriosa, mas o reconhecimento de uma situação nacional que levou ao poder o partido politico que mais garantias deu de satisfazer as aspirações do povo allemão. Se Hitler está, hoje, governando a Allemanha, isso se deve ao facto de que o chefe racista vive, ha doze annos, pregando a guerra. Seu triumpho deve-o elle, antes de tudo, ao facto delle ter-se collocado abertamente contra os pacifistas. "Exterminemos os pacifistas!" Este é o seu grito de guerra. Se os "nazis" se dedicam ao esporte de caçar judeus e socialistas, hoje, como quem caça ratos, é unicamente porque uns e outros são visceralmente pacifistas. A palavra "pacifista" é o maior insulto que se póde atirar, hoje, a um cidadão na Allemanha. Eu gostaria que aquelles que duvidam disso, fossem tirar a prova numa rua de Berlim.
Assim, pois, para compreender a situação da Allemanha, é necessario partir de affirmativas que ja ninguem se atreve a discutir de boa fé, nem mesmo os proprios allemães: a de que a Allemanha quer a guerra; a de que a fará logo que possa; a de que poderá fazel-a logo.

Como pensa o allemão medio

Depois de uma estadia de quinze dias na Allemanha, ouve-se falar assim, sem o menor escandalo para ninguem1:
- Não temos outro remedio senão fazer a guerra, e o unico homem capaz de levar-nos a ella, é Adolpho Hitler. É unicamente por isso que Hitler conta com a adhesão de sessenta milhões de allemães. O programma traçado pelo partido nacional-socialista satisfaz plenamente o povo allemão. Primeiramente, acabaremos com os pacifistas internos. Precisamos exterminal-os para ficarmos com as mãos livres e podermos empreender, com exito, uma politica de allianças externas que ha de ser o preludio da guerra contra o inimigo externo. Nossa guerra é uma guerra de independencia, porque a Allemanha quer reivindicar o direito que todos os povos têm de ser governar por si proprios. Em nome desse direito exigiremos a revisão dos tratados de Versalhes e Saint Germain.
- Mas a liberdade que os senhores pedem, é a liberdade de se armarem e prepararem-se para a guerra.
- É um nosso direito. O tratado de Versalhes desarmou a Allemanha, como preludio de um desarmamento geral. Somente assim o acceitámos. Mas, como as demais potencias não se desarmaram, nós temos o direito de nos armar. É isso o que dirá, na Conferencia do Desarmamento, o barão von Neurath, nosso ministro dos Negocios Estrangeiros.
Mas os senhores querem armar-se para fazer immediatamente a guerra...
- Queremos nos armar, porque esse é o unico modo de defendermos nosso territorio e nossa independencia. Nosso destino historico é a grande Allemanha, o Imperio. Não renunciámos, nem renunciaremos nunca, a um unico allemão da Alsacia, Lorena, Polonia, Austria ou Checoslovaquia. Reconquistaremos os territorios perdidos em 1818, ainda mesmo contra a vontade dos seus habitantes, desde que o exijam a independencia da patria allemã e o seu poder politico. Mais ainda: não sabemos por que encerrar nossas aspirações no limite das fronteiras de 1914.
- Tudo isso não se pode conseguir senão pela guerra.
- Desde que Hitler subiu ao poder, todas as energias espirituaes da nação se applicam em preparar a guerra de amanhã. O povo germanico chegou á convicção de que a missão providencial que lhe está reservada não póde ser cumprida senão com a espada na mão; forjar essa espada é a unica tarefa do social-nacionalismo na politica interna; proteger esse trabalhos será toda nossa politica externa.
- Mas, a guerra não os assusta?
- A guerra créa a cultura. O cyclo de Pericles foi o resultado das guerras médas. Os romanos cimentaram sua cultura com as guerras púnicas.
- Quer dizer que a Allemanha se lança a uma guerra de conquista?
- Não! A Allemanha tem, simplesmente, o dever de dar á raça allemã as terra que ella precisa para viver. Não queremos colonias. Os grandes estados coloniaes assemelham-se a uma grande pyramide apoiada na ponta. Renunciamos tambem a uma politica mundial de expansão industrial. Dedicar-nos-emos primeiro á colonização interna; Hitler preconiza a volta ao regime agrario. Mas chega um momento em que a colonização interna não póde progredir mais e o paiz não póde estacionar. Então será preciso procurar novas terras para os allemães. Procural-as-emos por esse Leste realizando nossa expansão pela costa de nossos vizinhos do Oriente, principalmente pela U.R.S.S. Não é humano que haja Estados que possuem immensos territorios de reserva enquanto outros se vêm condemnados ás praticas malthusianas. A providencia não dividiu as terras de uma vez, e para sempre. Não vemos razões para respeitar as fronteiras traçadas sempre pelo direito do mais forte. A natureza ignora as fronteiras politicas e concede o direito de viver a todos os povos fortes e trabalhadores. Todavia, ha, na Europa territorios inexplorados que, fatalmente, serão dos mais forte daquelle que os tomar a força, porque ninguem os cederá de bom grado. A população allemã augmenta, cada anno, em novecentas mil almas e a Allemanha já não póde alimentar a todos os allemães.
- Bem, demos por justificada a necessidade da expansão e que ninguem cederá essas terras por bem. E sendo assim, estando a Allemanha desarmada enquanto todo o mundo reforça seus armamentos, como poderão os senhores empreender a luta?
- Isso é o que Hitler vae fazer. É isso o que elle propõe no seu programma.
- Não é trabalho facil.
- O primeiro está quasi feito: acabar com o inimigo interno: o pacifista. O senhor que se encontra ha quinze dias na Allemanha, crê que ha a mais remota esperança de que a social-democracia e os judeus levantem a cabeça?
- Não. Não parece provavel.
- Agora, conseguida a segurança interna, é preciso desenvolver uma politica externa favoravel aos nossos proposito. Como? Conquistando para a nossa causa as potencias interessadas em que a França não se levante com a hegemonia do mundo: Italia e Inglaterra.
- A Inglaterra tambem?
- A Inglaterra será, tarde ou cedo, a nossa grande aliada. Hitler affirmou sempre que o grande erro dos Hoenzollerns foi collocar a Allemanha em frente á Inglaterra. De agora em deante, nossa politica exterior será anglóphila. A expansão territorial allemã para Leste não pode despertar zelos na Inglaterra; ao contrario, será vista com sympathia, porque vamos ser a força de choque da Europa contra o bolchevismo.
- Mas os senhores tambem vão contra a França?
- É certo. Com a França não ha nada que fazer: a guerra, unicamente. Mas a politica tradicional da Inglaterra foi sempre, impedir supremacia absoluta de qualquer potencia e essa supremacia, hoje, é da França. Quando existiu o perigo de que nós a conquistassemos, a Inglaterra veio contra nós. Agora, o perigo que existe é o da França; a Inglaterra o impedirá, collocando-se ao nosso lado. Para ganharmos a confiança da Inglaterra, renunciámos de antemão, a todas as aspirações coloniaes, á politica de expansão industrial que póde trazer-lhe a concorrência e ás possibilidades de crear uma marinha de guerra que despertasse sua desconfiança.
- E os senhores não temem que o mundo se volte outra vez contra a Allemanha, mesmo reconhecendo esta necessidade de expansão territorial? Não basta, para isso, dizer: "Nós o precisamos!"
- É exacto. A Allemanha perdeu a guerra porque se bateu honradamente para conquistar seu pão. Nós, os allemães não soubemos revistir nossas necessidades vitaes com um pouco de idealismo. Não se morre, nem se mata por negocios. É necessario bater-se não pela conquista do pão, mas por um ideal. Em 1914 os inglezes bateram-se pelo ideal da liberdade. Quando chegar nossa hora, nós tambem nos bateremos por um ideal, um grande ideal religioso, mystico; a Grande Allemanha, que não é uma concepção mesquinha dictada pelo egoismo. Isso é, exactamente, o que as doutrinas nacional-socialistas souberam dar ao povo allemão: uma definição exacta da missão providencial que lhe está reservada.
- Qual é essa missão providencial?
- A de salvar a raça aryana; a de evitar que pereça a civilização occidental; a de impedir a invasão da Europa pelos negros. Se a França, paiz de escassa natalidade, continuar tendo nas mãos a hegemonia da Europa, acabará transformando o continente, do Rheno ao Niger, num grande imperio negro ou mestiço. Sua pobreza de sangue obriga-a a pedil-o emprestado aos seus coloniaes. Como se vê, obrigada a ter um exercito negro, ver-se-á forçada a ter uma arte negra, uma politica negra, uma sciencia negra. Mas, a Allemanha salvará a Europa. Essa é a nossa missão providencial. Para cumprir esse destino historico, lutaremos. Tarde ou cedo, o mundo se voltará contra a França.
- E como irá a Allemanha "forjar sua espada"? Como poderá reconstituir seu exercito?
Pregamos a theoria da nação em armas. Vamos á supressão do exercito profissional e á creação de um exercito nacional. Todos os allemães terão direito ao serviço militar. A defesa da patria cabe a todos os cidadãos, enquadrados por um corpo de officiaes regulares, animados por um agudo sentimento de casta.
- Isso é a [?] do paiz.
- Exactamente. Nosso ideal é o militarismo. Os latinos assustam-se com essa affirmação porque são incapazes de conceber o militarismo como vontade e como representação. Não compreendem uma actividade humana sem fim utilitario. Não compreendem que o germano seja militarista independentemente de fazer guerras ou não. É claro que o militar faz a guerra quando chega a hora de fazel-a; mas póde dar-se o caso do militarismo ser um fim em si, e não um meio; e esse é o caso do povo allemão, cujas virtudes essenciaes se manifestam dentro da disciplina militar, como em clima favoravel. Chegámos á conclusão de que o unico meio de construir um estado "verdadeiramente popular na Allemanha, é o quartel, e que a disciplina é o caminho a seguir para attingir a fórma genuina da democracia. Isto é: o "serviço" é, para o allemão, a formula perfeita da liberdade".
Assim fala, hoje, o cidadão medio da Allemanha.
Depois de termos exposto succintamente as idéas em curso, as que são moeda corrente na Allemanha, podemos seguir nossas pesquizas pelo paiz que, de modo tão substancialmente diverso do nosso, concebe sua missão.

A primeira derrota


Mas a Allemanha soffreu, exactamente nestes dias, sua primeira derrota. Para iniciar sua politica de aproximação com a Inglaterra, Hitler enviára a Londres um dos doutrinadores do social-nacionalismo, Rosenberg, que tinha começado a sondar a opinião das principaes figuras da politica britannica. Mas na velha Inglaterra ha uns typos insubornaveis, com os quaes não conta o cidadão medio allemão.
Rosenberg começou a adorar o santo pela peanha e foi, solennemente, collocar uma corôa com a cruz gammada no cenotaphio de White Hall. Na manhã seguinte, a corôa do "nazi" não estava ali. Um capitão do exercito britannico a havia arrojado ao Tamisa e a substituira por outra, cuja inscripção rezava: Combateu pela liberdade! Deus salve o Rei!" Em seguida, apresentou-se as autoridades.
Por outro lado, lord Hailshan, ministro da Guerra britannico fazia na Camara, quasi simultaneamente, uma declaração terminante contra as pretensões da Allemanha, Rosenberg abandonou suas funcções diplomaticas e sahiu precipitadamente da Inglaterra.
A cousa não é tão simples como a imagina o cidadão medio da Allemanha.
Todavia, os "nazis" não desesperarão. Hitler, que tomou tantas cousas emprestadas ao communismo conhece bem a tactica lemineana de "um passo atraz, dois adeante" - o que chamavam o realismo "genial" de Lenine - e voltará ao ataque quando as condições forem mais favoraveis. Actualmente, o clamor universal contra o despertar do imperialismo germanico e as extorsões contra os judeus puzeram a opinião contra o nacionalismo, e é preciso ser prudente. Dias atraz, o bizarro Hitler proclamava em Kiel: "Não queremos guerra, nem effusão de sangue; queremos, apenas, o direito de viver e de sermos livres".
Vejamos, proximamente, como a "nação em armas" por meio das forças de assalto e protecção do nacional-socialismo, se dispõe a viver e a ser livre, sem guerra nem effusão de sangue.

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Todas as affirmações contidas nesta conversação que reconstrui com as phrases mais importantes das entrevistas que realizei na Allemanha, estão confirmadas e avalizadas com textos da mais pura ortodoxia nacional-socialista, principalmente em publicações de propaganda do partido no livro de Adolf Hitler "Mein Kampf" e em discursos e artigos de theoristas e lideres do nacional-socialismo, taes como Goebbels, Rosenberg, Feder, Frick e outros (Nota do Autor).


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