'BABY DOC' CAI E DEIXA O HAITI


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1986

Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier, 34, desde 1971 o presidente vitalício do Haiti (no Caribe), deixou ontem seu país às pressas, sem renunciar formalmente ao cargo, às 3h45 locais (6h45 de Brasília). Ele embarcou em um avião de transporte C-141 da Força Aérea dos Estados Unidos, acompanhado de sua mulher Michelle e de uma comitiva de 22 amigos e familiares, com destino a Grenoble, sudeste da França, aonde chegou às 18h15 (hora de Brasília). Um porta-voz da chancelaria francesa afirmou que não se prevê a permanência de "Baby Doc" no país por mais de uma semana. Grécia, Suíça, Espanha, Gabão e Marrocos negaram-lhe asilo.
O general Henri Namphy, chefe do Estado-Maior do Exército do Haiti, anunciou a formação de um Conselho Nacional de Governo, composto por outros três militares e dois civis. Namphy decretou toque de recolher, a vigorar até hoje de manhã. Milhares de haitianos saíram às ruas para festejar o fim da ditadura.
De acordo com o correspondente da Folha em Nova York, Paulo Francis, 'Baby Doc" foi deposto pelos EUA. O porta-voz da Casa Branca, Larry Speakes, anunciara sexta-feira a queda de Duvalier. Houve desmentidos. A razão da demora é que os militares haitianos queriam governar sozinhos. O governo dos EUA insistiu na presença de civis na junta.

'Baby Doc' foge para a França; Haiti tem novo governo

Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier, 34, desde 1971 o "presidente vitalício" do Haiti, deixou seu país às pressas, às 3h45 locais (6h45 de Brasília) de ontem, a bordo de um jato C-141 da Força Aérea dos Estados Unidos, acompanhado de sua mulher, Michelle, e de uma comitiva de 22 amigos e familiares, com destino a Grenoble, sudeste da França, onde obteve visto temporário de permanência. Logo após seu desembarque em Grenoble, às 18h15 (hora de Brasília), um porta-voz da chancelaria francesa afirmou que não se previa a permanência de 'Baby Doc" no país por mais de uma semana. Não se sabe ainda para onde irá Duvalier depois de deixar a França. Além da Grécia, Suíça e Espanha, os governos do Gabão (ex-colônia francesa no centro-oeste da África) e Marrocos (noroeste do continente africano) negaram ter concedido visto ao presidente do Haiti.
Em mensagem gravada e difundida pela TV haitiana depois de sua partida, "Baby Doc" disse que abandonava o poder ao Exército "para entrar para a história de cabeça erguida. Deus é testemunha de que jamais quis derramamento de sangue". Desde novembro passado, o regime de "Baby Doc" - implantado em 1957 por seu pai, o autoproclamado "presidente vitalício" François "Papa Doc" Duvalier, morto em 1971 - estava enfrentando a maior onda de protestos de sua história. Há duas semanas, o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, havia qualificado como "autoritário" o regime de "Baby Doc", e recentemente o Congresso norte-americano cortou uma ajuda de US$ 26 milhões ao Haiti (o mais pobre país do Ocidente), por causa de denúncias de violações dos direitos humanos.
"Baby Doc" perdeu o apoio de setores tradicionalmente aliados - como os empresários da Associação das Indústrias -, e mesmo a cúpula do Exército não se mostrava unificada em relação à sustentação de um regime que vinha sendo criticado pelos Estados Unidos. Assim, quatro horas depois de "Baby Doc" ter deixado seu país, o general Henri Namphy, chefe do Estado-Maior do Exército haitiano, anunciou pela televisão a formação de um Conselho Nacional de Governo por ele chefiado e composto de outros três coronéis e dois civis.
Em todo o país, de seis milhões de habitantes, multidões sairam às ruas para festejar. Em meio às comemorações - ainda mais estimuladas, porque a data coincide com o carnaval haitiano -, houve episódios de saques a armazéns e agressões contra membros da polícia política de Duvalier, os "tontons macoutes" (equivalente a "bichos-papões" em crioulo, uma mistura de francês com dialetos locais). O novo governo decretou imediatamente o toque de recolher, que expira hoje.
Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Larry Speakes, afirmou que "Baby Doc" "agiu certo" ao deixar o país, "evitando um derramamento de sangue". Segundo Speakes, o próprio "Baby Doc" pediu para ser levado por um avião da Força Aérea norte-americana, e o governo da França - país onde o presidente tem propriedades luxuosas, incluindo um castelo do século 18 comprado por US$ 735 mil, a noroeste de Paris - aceitou lhe conceder visto temporário para "facilitar uma transição democrática" no Haiti. "Duvalier sentiu que não podia manter por mais tempo a ordem em seu país", afirmou o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Caspar Weinberger, em entrevista à rede norte-americana de televisão "ABC".
Larry Speaks afirmou também que a Casa Branca "não teve nada a ver" com a escolha do novo governo. Segundo oficiais da Casa Branca que não quiseram se identificar, citados pela agência "Reuter", a opção de Washington seria por um governo "mais amplo" do que o Conselho formado, abrangendo representantes dos empresários, Igrejas e professores, além das Forças Armadas. O presidente Ronald Reagan afirmou que está acompanhando "de perto" a situação e disse esperar que o novo governo respeite os direitos humanos e assegure a democracia no país. Weinberger advertiu que a Casa Branca "está pronta para agir", caso seja colocada em risco a segurança dos cerca de sete mil norte-americanos que vivem no Haiti.
Em Moscou, a agência soviética "Tass" acusou os Estados Unidos de "ingerência direta nos assuntos internos do Haiti". Segundo a agência, "a Casa branca não deixará escapar ao seu controle este país caribenho. Washington preparou, inclusive, uma possível intervenção militar caso o desenvolvimento dos fatos seja negativo aos seus interesses". Seria, para a "Tass", uma "repetição" da invasão de Granada (a ilha mais setentrional das Índias Ocidentais, no Caribe), realizada em 1983 pelos Estados Unidos.

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