VIETNÃ: EUA ATACAM DE NOVO E SITUAÇÃO TORNA-SE MAIS GRAVE

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 1965

Neste texto foi mantida a grafia original

SAIGON, WASHINGTON, HANÓI. 8 - Aparelhos norte-americanos e sul-vietnamitas voltaram a atacar hoje instalações militares do Vietnã do Norte. Enquanto fontes de Hanói dizem que 3 aviões foram abatidos, os norte-americanos afirmam que não houve nenhuma perda.
Esta nova ação aerea contra os norte-vietnamitas faz parte da represalia norte-americana, iniciada ontem, ao ataque efetuado sabado contra uma base dos Estados Unidos localizados no Vietnã do Sul. Neste ataque comunista, morreram 8 norte-americanos e mais de 100 ficaram feridos. No bombardeio de ontem, os comunistas afirmam ter abatido 4 aparelhos, ao passo que os norte-americanos dizem que 1 só foi alcançado pelo fogo antiareo.
O primeiro-ministro sovietico, em Hanói, disse - pouco antes desses acontecimentos - que a URSS dará assistencia aos norte-vietnamitas, em caso de agressão norte-americana. O Kremilin e o regime de Pequim condenaram as ações de represalia ianques, enquanto os Estados Unidos justificavam, em carta ao presidente do Conselho de Segurança da ONU, esses ataques contra o Vietnã do Norte.

EUA continuam bombardeio contra o Vietnã do norte

HANÓI, SAIGON, WASHINGTON, 8 - Aviões norte-americanos e sul-americanos voltaram a bombardear hoje, ao meio-dia local, a cidade norte-vietnamita de Dong Hoi. Três aparelhos norte-americanos foram derrubados. Este é o segundo ataque conjunto ianque-sul-vienamita lançado contra o Vietnã do Norte, depois do ataque comunista, no sabado, contra a base norte-americana de Holloway, situada ao lado do aerodromo de Pleiku, cidade situada no norte do território sul-vietnamita. Oito norte-americanos mortos e 108 feridos é o balanço desse ataque vietcong, que danificou ainda numerosos aparelhos.
Os ataques de represalia foram autorizados em Washington pelo presidente norte-americano Lyndon Johnson, depois de reunião com o Conselho de Segurança Nacional.
Pouco antes desses acontecimentos, o principal ministro sovietico Alexei Kosygin reafirmava, ao chegar a Hanói, capital norte-vietnamita, que o Kremilin daria assistencia ao regime comunista do Vietna do Norte, em caso de ataque norte-americano.
Enquanto Moscou condenava a "agressão" norte-americana e os Estados Unidos dirigiam carta ao Conselho de Segurança da ONU reponsabilizando o Vietnã do Norte, o governo de Hanói dirigiu-se aos dois co-presidentes da Conferencia de Genebra de 1954, pedindo medidas para "maniatar os agressores norte-americanos".

Vitimas

Oito norte-americanos morreram e 108 ficaram feridos foi o balanço do ataque Vietcong contra o aeroporto de Pleiku e ao Quartel-General da 2ª Região Tatica, segundo comunicado de fonte norte-americana. Um dos norte-americanos que fora ferido faleceu no hospital.
As perdas materiais são: 11 helicopteros "UH-18" destruidos e mais 11 danificados; um avião de transporte e 4 aviões de reconhecimento tambem sofreram danos. Três destes ultimos pertencem à aviação norte-americana.
Por outro lado, foram destruidos 7 dos 52 alojamentos do campo norte-americano "Holloway", situado ao lado do aerodromo de Pleiku. Os outros sofreram danos de maior ou menor importancia.

Hanói reage

Em declaração publicada hoje em Hanói, o governo do Vietnã do Norte pede aos dois co-presidentes da Conferencia de Genebra de 1954 e aos governos dos paises que participaram na mesma, que tomem todas as medidas efetivas para "maniatar os agressores norte-americanos e assegurar a estrita aplicação dos acordos de Genebra e a manutenção da paz na Indochina e no Sudeste asiatico".
Na declaração, divulgada pela agencia norte-vietnamita de informação, o governo de Hanói protesta contra o bombardeio aereo efetuado ontem pelos norte-americanos, deplora as destruições e as perdas humanos que provocou. Depois de recordar que 4 aviões norte-americanos foram abatidos, acrescentou-se na declaração que este ataque "constitui um novo e grave ato de guerra dos imperialistas norte-americanos uma violação extremamente flagrante do direito internacional e dos acordos de Genebra, bem como uma provocação contra os povos do mundo". Hanói protesta igualmente contra a decisão dos Estados Unidos, de enviar reforços militares ao Vietnã do Sul.
Na declaração assinala-se que, "apesar de todas as medidas que tomam para intensificar e ampliar a guerra, os norte-americanos não podem escapar à derrota que os aguarda no Vietnã do Sul", e acrescenta:
"Se os agressores norte-americanos atacarem a Republica Democratica Vietnamista, um país socialista, serão, seguramente, castigados pelo povo vietnamita e se chocarão com uma forte oposição por parte dos povos dos paises socialistas e dos outros povos do mundo. O povo vietnamita que luta por seus direitos sagrados, não se inclinará ante a ameaça dos Estados Unidos, mas, pelo contrario, aumentará suas forças e intensificará a luta. O povo vietnamita está convencido de que sua justa causa será apoiada pelos povos do mundo e que o ultimo ato agressivo dos imperialistas norte-americanos será condenado ainda mais severamente pela humanidade progressista".
Ainda na capital norte-vietnamita o marechal da Aeronautica Constantin Verchinin, vice-ministro da Defesa da URSS e o general Cidorovitch, vice-presidente do Comitê de Estado para as Relações Exteriores sovietico, conferenciaram com o general Nguen Ciap, ministro da defesa da Republica Democratica do Vietnã.

Adlai justifica

Em carta dirigida ao presidente em exercicio do Conselho de Segurança, Roger Seydoux (França), o embaixador norte-americano na ONU, Adlai Stevenson, ataca violentamente o governo de Hanói, considerado como verdadeiro responsavel pelas ações do Vietcong no Vietnã do Sul. Stevenson não solicita, contudo, a reunião do Conselho de Segurança.
O delegado norte-americano diz em sua missiva: "Nosso objetivo é a solução pacifica. Isto exige que o regime de Hanói se imponha uma moderação e que dispositivos internacionais eficazes para a manutenção da paz estejam no Vietnã para garantir que as promessas feitas sejam cumpridas. Este é nosso objetivo, mas não toleraremos que a situação seja modificada por meio do terror e da violencia. Por isso, agimos desta maneira".

Ianques de volta

A evacuação das familias norte-americanas, residentes no Vietnã, começará amanhã.
Dezoito pessoas partirão de Saigon, 51 de Danang e os outros 1.732 cidadãos norte-americanos, que devem ser evacuado, partirão no prazo de 7 ou 10 dias.
Esta tarde, a escola norte-americana de Saigon, que era frequentada por 900 alunos, fechou suas portas.
Baixa comunista

Duzentos e vinte vietcongs mortos, um prisioneiro e 52 armas recuperadas é o balanço do ataque desencadeado ontem pelo Vietcong contra o posto de Diet-An, no litoral central do Vietnã, assim como de uma perseguição contra os assaltantes, comunicou-se de fonte autorizada vietnamita. Não se precisou a cifra das perdas governamentais. Ao meio-dia de hoje, hora local, continuava a operação, porem não se acredita que tenham ocorrido novos combates desde ontem.
Por outro lado, o ataque Vietcong lançado ontem contra o aerodromo de Soc-Trang não produziu nem danos, nem vitimas, em consequencia do estado de alarma decretado desde a operação contra Pleiku, sobre o conjunto das bases aereas vietnamitas e norte-americanas e para todo o pessoal norte-americano no Vietnã do Sul, anunciou-se de fonte oficial.

Kosygin reafirma

A agencia de noticias "Tass" deu a conhecer o texto do discurso pronunciado pelo primeiro-ministro sovietico, Alexei Kosygin, em Hanói, quando preveniu que o Kremilin dará sua assistencia ao regime comunista do Vietnã do Norte se os Estados Unidos atacarem o seu territorio. A agencia "Tass" disse que o discurso foi pronunciado pouco depois da chegada de Kosygin à capital do Vietnã do Norte.
Este foi certamente o mais energico pronunciamento contra o Ocidente feito pelo governante sovietico, desde que sucedeu a Nikita Kruchev, como primeiro-ministro, segundo observadores diplomaticos.
Ante uma multidão de aproximadamente 80 mil pessoas, Kosygin declarou:
"A União Sovietica tem prevenido os Estados Unidos contra as atividades destinadas a provocar atos belicos no Vietnã do Norte. Declaramos solenemente que a União Sovietica não permanecerá indiferente a tais fatos e está disposta a dar ao Vietnã do Norte toda a ajuda necessaria, se os agressores se atreverem a ameaçar a soberania desse país amigo".
Em seguida, referiu-se ao Laos e "sugeriu" a retirada de todo o contingente militar norte-americano naquele país, concorrendo assim para as negociações visando à criação de um governo independente e neutro.
Depois de solicitar a convocação de uma conferencia sobre o Laos para pacificar o reino do Sudeste asiatico, Osygin atacou os Estados Unidos, a quem classificou de "maquinistas do imperialismo contra a neutralidade e a paz do Camboja".

Reação Sovietica

A União Sovietica classificou de "ação agressiva" os ataques aereos norte-americanos ao Vietnã do Norte e lembrou a advertencia do regime de Hanói, de que Washington "deverá aceitar plena responsabilidade pelas suas consequencias, extraordinariamente graves".
A agencia de noticias "Tass" fez alusões a um despacho de Washington no qual os Estados Unidos afirmam que "não têm intenções de estenderem a guerra ao Vietnã do Norte", comentando:
"Essa afirmação é estranha em vista da ação agressiva, dos militares norte-americanos contra o Vietnã do Norte".
Depois acrescentou:
"O Ministerio de Defesa Nacional de Hanói advertiu aos imperialistas dos Estados Unidos e a seus lacaios que têm de aceitar plena responsabilidade pelas consequencias extraordinariamente graves que essa ação agressiva provocará".
Esta foi a primeira reação sovietica aos ataques aereos contra o Vietnã do Norte levados a efeito pelos Estados Unidos. Observa-se que a agencia "Tass" se limitou a citar as represalias prometidas por Hanói, mas não disse nada a respeito da ação sovietica.
"O presidente Johnson é o principal responsavel deste ato de guerra", proclama esta manhã a imprensa chinesa, comentando o bombardeio de Dong Hói pelos aviões norte-americanos. Os jornalistas chineses, em seus titulos de primeira pagina, ressaltam ao mesmo tempo, a vitoria do Exercito norte-vietnamita que acabou "quatro aviões dos salteadores norte-americanos".
No fim da manhã de hoje o governo chinês não dera ainda a conhecer sua reação oficial. Em suas informações a agencia "Nova China" qualificou pela primeira vez bombardeio de Dong Hoi da "provocação enormente seria do imperialismo norte-americano, que trata de estender guerra à Republica Democratica do Vietnã".
Os observadores anotam por outro lado, que a imprensa reproduziu com uma rapidez fora do comum na China, o comunicado da agencia "Tass" de 6 de fevereiro sobre os acontecimentos de Laos. No referido comunicado a agencia sovietica qualificava de "plano perigoso" a intenção dos Estados Unidos de "estender a guerra a toda peninsula da Indochina".

A crise do Vietnã

WASHINGTON, 8 - Oficialmente, não há crise no sudeste asiatico. Entretanto, o fato de o presidente Lyndon Johnson ter assistido ontem ao serviço religioso, apesar do chuvisco que cai na capital federal, ou que seu emprego do tempo não tenha sofrido modificação, não podem impedir que reine um ambiente de crise. Na realidade, haja crise ou não, os acontecimentos das ultimas 25 horas no Vietnã complicaram singularmente a tarefa da administração norte-americana, que abrange dois aspectos. No primeiro, de carater militar, figuram os três ataques vietcongs contra instalações norte-americanas e sul-vietnamitas e as represalias norte-americanas. No segundo, de ordem politico-diplomata, ressalta a presença em Hanói do chefe do governo sovietico, Alexei Kosygin, e as repercussões desta visita.
Com referencia ao plano militar, o ponto de vista oficial de Washington manifestado pela Casa Branca (o secretario da Defesa ou o subsecretario de Estado, George Ball) se resume em uma ação de represalias inevitavel após o ataque deliberado do Vietcong contra as instalações militares norte-americanas de Pleiku e as vitimas e danos que causou.
Para a administração Johnson, as incursões aereas vietcongs estavam deliberadamente dirigidas contra os Estados Unidos e seu desencadeamento foi cuidadosamente calculado para coincidir com a visita de Kosygin a Hanói. Para o governo dos Estados Unidos, isso constituia um verdadeiro desafio que tinha de ser aceito.

Duas decisões

O revide norte-americano se concretizou essencialmente por duas decisões do presidente dos Estados Unidos, de acordo com o Conselho Nacional de Segurança: a) Bombardeios pelas forças aeronavais norte-americanas - apesar das más condições atmosfericas - das instalações militares do Vietnã do Norte em Dong Hói, exatamente no norte do paralelo 17. Apenas um dos 49 aparelhos norte-americanos que participaram do ataque foi derrubado. Algumas esquadrilhas que partiram de aerodromos situados no Vietnã do Sul não puderam alcançar seus objetivos devido ao mau tempo; e b) a ordem de evacuação do Vietnã do Sul de 1.800 pessoas, que fazem parte das familias de diplomatas, funcionarios e militares norte-americanos.
Em todo o caso, não se pode predizer qual será o futuro no aspecto militar. Os Estados Unidos não querem estender a guerra, mas sua "replica" militar dependerá da ação do Vietcong.
As conseguencias politico-diplomaticas da ação empreendida pelos Estados Unidos constituem o segundo aspecto do problema. A presença de Alexei Kosygin em Hanói, cujos motivos constituiam, até agora, uma incognita para Washington, coincidiu com acontecimentos que permitiram aos Estados Unidos não deixar duvida alguma ao chefe do governo sovietico sob a determinação de Washington de manter sua ajuda Vietnã do Sul para defender sua liberdade.

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