Newton Carlos
Da equipe de analistas
Gorbatchov
manifestou alguma irritação, em entrevista à
Folha, com um artigo publicado há pouco no "New York
Times" por Richard Nixon. O ex-presidente americano pede que
os EUA ajudem a salvar Ieltsin e as reformas na Rússia. Imagina
cenários de extrema gravidade, como início de uma
segunda guerra fria, caso Ieltsin não resista a pressões
internas "antidemocráticas" e caia.
Gorbatchov admite que Nixon tem "informações
suficientes" para "ir longe em suas reflexões"
sobre a Rússia. Mas diz que a queda ou não queda de
Ieltsin não é uma questão "real".
Acha prejudicial levantá-la neste momento.
Folha
- Por que o senhor não responde a Nixon?
Gorbatchov - Saúdo o interesse de Nixon pelas reformas
econômicas em meu país. Só espero que ele procure
vê-las não só a partir de ângulos americanos,
mas também considerando experiências da Rússia
com essas reformas. Além de outras experiências, no
centro e leste da Europa e América Latina. Thatcher levou
12 anos para privatizar 17% do setor estatal inglês. Que Nixon
pergunte a ela porque foi necessário todo esse tempo. Por
que insistir que a Rússia, com 150 milhões de habitantes,
privatize tudo em 12 meses?
Folha
- E quanto às pressões internas contra Ieltsin?
Gorbatchov - Só a extrema direita reacionária
pede a demissão do presidente. Não é racional
colocar essa questão.
Folha
- Quais questões devem ser colocadas?
Gorbatchov - As críticas são às reformas
econômicas. Elas são criticadas até por membros
da equipe presidencial. O que é necessário é
uma nova política de reformas. A crise social tornou-se aguda.
Entre 60 e 80% dos russos estão no limite da pobreza. A Rússia
baixou a níveis de produção do começo
dos anos 60.
Folha
- O que fazer agora?
Gorbatchov - Ieltsin tem de colocar-se acima do jogo político.
Elevar-se como um líder nacional de todos os russos. Partir
para uma nova combinação de forças políticas,
sob sua liderança. O momento é para aproveitar e mudar.
Caso contrário, as coisas só piorarão. Estou
francamente a favor de uma política nova. Ieltsin precisa
pensar na Rússia acima de tudo, se continuar no jogo político
acabará perdendo.
Folha
- Como combinar novas forças?
Gorbatchov - As tensões no Parlamento refletem as
tensões na sociedade. Creio que o melhor para Ieltsin seria
combinar forças que resultem numa grande coalizão
de centro-esquerda. A liderança poderia ser da União
Cívica, um partido centrista.
Folha
- Tem planos políticos? Pretende disputar a presidência
nas próximas eleições?
Gorbatchov - Não. Planos políticos não.
Tenho outros planos, como desenvolver a Fundação Gorbatchov
e ajudar a enriquecer a política na Rússia. Também
considero muito importante o meu trabalho na Cruz Verde, espécie
de Cruz Vermelha ecológica.
Folha
- Quanto ao chamado neoliberalismo?
Gorbatchov - O que acontece nos latino-americanos com políticas
econômicas neoliberais são boas lições
para a Rússia. E vice-versa. Pessoas inteligentes aprendem
com os erros de outros. É preciso considerar o papel social
do Estado em transições de regimes totalitários,
centralizados, para economias de mercado. Acontecem muitas coisas
parecidas na Rússia e América Latina. Aplicar simplesmente
esquemas do FMI é um erro. Cada país, tendo em vista
condições particulares, deve seguir seus próprios
esquemas, estabelecer suas próprias etapas etc.
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