GORBATCHOV CRITICA OS "ESQUEMAS DO FMI"


Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 1992

Newton Carlos
Da equipe de analistas

O ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchov manifestou irritação com um artigo de Richard Nixon. Nele, o ex-presidente americano pede que os EUA ajudem a salvar Ieltsin e as reformas na Rússia. Em entrevista à Folha, Gorbatchov diz que a queda ou não de Ieltsin não é uma questão "real". Além disso, critica a adoção de "esquemas do FMI" na transição de "regimes totalitários para economias de mercado".

Ex-presidente pede novas reformas

Newton Carlos
Da equipe de analistas

Gorbatchov manifestou alguma irritação, em entrevista à Folha, com um artigo publicado há pouco no "New York Times" por Richard Nixon. O ex-presidente americano pede que os EUA ajudem a salvar Ieltsin e as reformas na Rússia. Imagina cenários de extrema gravidade, como início de uma segunda guerra fria, caso Ieltsin não resista a pressões internas "antidemocráticas" e caia.
Gorbatchov admite que Nixon tem "informações suficientes" para "ir longe em suas reflexões" sobre a Rússia. Mas diz que a queda ou não queda de Ieltsin não é uma questão "real". Acha prejudicial levantá-la neste momento.

Folha - Por que o senhor não responde a Nixon?
Gorbatchov - Saúdo o interesse de Nixon pelas reformas econômicas em meu país. Só espero que ele procure vê-las não só a partir de ângulos americanos, mas também considerando experiências da Rússia com essas reformas. Além de outras experiências, no centro e leste da Europa e América Latina. Thatcher levou 12 anos para privatizar 17% do setor estatal inglês. Que Nixon pergunte a ela porque foi necessário todo esse tempo. Por que insistir que a Rússia, com 150 milhões de habitantes, privatize tudo em 12 meses?

Folha - E quanto às pressões internas contra Ieltsin?
Gorbatchov - Só a extrema direita reacionária pede a demissão do presidente. Não é racional colocar essa questão.

Folha - Quais questões devem ser colocadas?
Gorbatchov - As críticas são às reformas econômicas. Elas são criticadas até por membros da equipe presidencial. O que é necessário é uma nova política de reformas. A crise social tornou-se aguda. Entre 60 e 80% dos russos estão no limite da pobreza. A Rússia baixou a níveis de produção do começo dos anos 60.

Folha - O que fazer agora?
Gorbatchov - Ieltsin tem de colocar-se acima do jogo político. Elevar-se como um líder nacional de todos os russos. Partir para uma nova combinação de forças políticas, sob sua liderança. O momento é para aproveitar e mudar. Caso contrário, as coisas só piorarão. Estou francamente a favor de uma política nova. Ieltsin precisa pensar na Rússia acima de tudo, se continuar no jogo político acabará perdendo.

Folha - Como combinar novas forças?
Gorbatchov - As tensões no Parlamento refletem as tensões na sociedade. Creio que o melhor para Ieltsin seria combinar forças que resultem numa grande coalizão de centro-esquerda. A liderança poderia ser da União Cívica, um partido centrista.

Folha - Tem planos políticos? Pretende disputar a presidência nas próximas eleições?
Gorbatchov - Não. Planos políticos não. Tenho outros planos, como desenvolver a Fundação Gorbatchov e ajudar a enriquecer a política na Rússia. Também considero muito importante o meu trabalho na Cruz Verde, espécie de Cruz Vermelha ecológica.

Folha - Quanto ao chamado neoliberalismo?
Gorbatchov - O que acontece nos latino-americanos com políticas econômicas neoliberais são boas lições para a Rússia. E vice-versa. Pessoas inteligentes aprendem com os erros de outros. É preciso considerar o papel social do Estado em transições de regimes totalitários, centralizados, para economias de mercado. Acontecem muitas coisas parecidas na Rússia e América Latina. Aplicar simplesmente esquemas do FMI é um erro. Cada país, tendo em vista condições particulares, deve seguir seus próprios esquemas, estabelecer suas próprias etapas etc.


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