IMINENTE A CAMPANHA DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL NA INDIA


Publicado na Folha da Manhã, sábado, 8 de agosto de 1942

Neste texto foi mantida a grafia original

O Partido do Congresso autorizou o "Mahatma" Gandhi a desencadear o movimento pela independência dos indús. Milhares de pessoas assistem à reunião de Bombaim - pedido o apoio de Roosevelt, Chang-Cai-Chec e do Embaixador Maisky á libertação do país

BOMBAIM, 7 - O Partido do Congresso realizou hoje a sua importante reunião para debate da resolução concitando os ingleses a abandonarem a Índia.
Os trabalhos foram realizados no ângulo "Pandal", que cobre uma área de 3 mil pés quadrados.
Muito antes de ser iniciada a sessão, grande multidão ingressou no "Pandal".
Os ingressos e a admissão ao mesmo, cujos preços oscilaram entre 15 shillings a 37 libras e 10 shillings, foram esgotados dois dias antes da sessão. Centenas de homens e mulheres não puderam adquirí-los por preço algum.
A compacta multidão apinhada no interior e do lado de fora do edificio, conhecido por aquele nome de "Pandal", prorrompia em aclamações e aplausos ensurdecedores, de tempos a tempos, quando chegava algum lider proeminente do Partido do Congresso, para tomar parte na histórica sessão.
Ouviam-se continuadamente gritos de "Gandhi". Esses gritos se prolongaram por vários minutos, quando o "mahatma" apareceu e encaminhou-se à plataforma, afim de nela tomar o seu lugar. Em meio das formidaveis aclamações, Gandhi parecia mais magro e fragil, embora caminhasse perfeitamente senhor de si e confiante.
Ao encontrar-se na plataforma, o "mahatma" permaneceu de pé por um instante, com um amplo sorriso, e agradeceu os aplausos da assistência. Logo em seguuida, uma banda de música tocou o hino nacional indú e, depois de um coro feminino, ter entoado uma série de cânticos, foram iniciados os trabalhos.
Alto-falantes colocados à frente do "Pandal" permitiram que a multidão, postada do lado de fora, pudesse acompanhar o desenrolar da sessão.

Providências do governo da Índia para enfrentar o movimento

BOMBAIM, 7 - O governo da Índia está tomando as providências para enfrentar um dos primeiros movimentos que, segundo parece, Gandhi ordenará como parte da sua resistência passiva em massa, com o objetivo de obrigar a Grã-Bretanha a estabelecer um governo nacional independente.
Uma ordem baixada de acordo com a lei de defesa da Índia, na noite de hoje, proibiu o fechamento de qualquer estabelecimento comercial que venda gêneros de primeira necessidade, por ocasião do "Hartal", que constituiu uma das armas preferidas do Congresso, anteriormente.
A noticia dessa providência do governo correu poucas horas depois do discurso de Gandhi no Congresso Pã-Indú.

O lider Jinnah opõe-se às propostas

BOMBAIM, 7 - O lider muçulmano Jinnah reiterou na noite de hoje sua oposição às propostas do Partido do Congresso da Índia, classificando-as de "fantásticas".

Emenda apresentada pelos membros comunistas do comitê do congresso

BOMBAIM, 7 - Os membros comunistas do Comitê do Congresso Pã-Indú vão apresentar uma emenda à resolução intitulada "Abandonai a Índia", pedindo um sério esforço para formar a frente única com a Liga Muçulmana.
A emenda solicita dos dois partidos a união de todos os grupos políticos da Índia, afim de conseguir o mais amplo apoio para o pedido de um "governo nacional provisório, que deverá organizar a resistência armada ao agressor, em cooperação com os exercitos das nações unidas".
O documento frisa que é necessário demonstrar às nações unidas que o povo indú esstá unido. O Congresso e a Liga Muçulmana - diz - deveriam tomar a iniciativa de lançar uma campanha para a mobilização em massa do país e pedir a transferência imediata do poder.

Dez mil pessoas presentes à reunião

BOMBAIM, 7 - A solene reunião do Comitê do Congresso Pã-Indú, destinada a ratificar a resolução "ingleses, abandonem a Índia", foi iniciada às 14 e 45 (hora local) de hoje.
O local do Congresso é um amplo "hall", magnificamente decorado com bambús, conhecido pelo nome de "Pandal". Assistem à sessão mais de 10 000 pessoas.
Cerca de 250 membros do Congresso participam do magno conclave.
Ao abrir os trabalhos, o presidente do Congresso, sr. Azad, declarou que aquela resolução significava, diretamente, a declaração da independência da Índia, para que o país, autônomo, soberano, entrasse num tratado de aliança com as nações unidas, com o único e firme propósito de combater e levar de vencida a guerra contra as forças totalitárias.
Gandhi tambem falou durante os trabalhos iniciais, discursando por cerca de 45 minutos. O "mahatma" não quis, porem, comentar a resolução "Abandonem a Índia", dando a entender que voltaria a falar depois da mesma ser aprovada.

Aprovada a campanha de desobediência civil

BOMBAIM, 7 - Como informamos, o conselho do Partido do Congresso adiou os seus trabalhos até amanhã.
Antes de suspender seus trabalhos, o Comitê do Partido autorizou Gandhi a desencadear a campanha da desobediência civil, na maior escala possivel.
Anuncia-se mais que o "mahatma" Gandhi adotou a resolução de jejuar até a morte, como já o fez por ocasião de sua campanha, visando a supressão da intocabilidade dos párias.
Ainda na sessão do Congresso, 30 membros comunistas do Partido do Congresso apresentaram uma emenda, solicitando que o Partido fizesse uma frente única com a Liga Muçulmana.
Assinala-se, ademais, que o último apelo para solucionar a crise indiana foi tentado por Gandhi, quando uma de suas discípulas, miss Slade, filha do almirante Slade, partiu para Nova Delhi, levando uma carta do "mahatma" para o vice-rei.

Pedido o apoio de Roosevelt, Chang Cai Chec e Maisky

BOMBAIM, 7 - Numa reunião que durou três horas, o Comitê de Trabalhos do Congresso autorizou hoje seu presidente, dr. Azad, a escrever cartas endereçadas ao presidente Roosevelt, ao marechal Chang Cai Chec e ao sr. Maisky, embaixador soviético em Londres, pedindo-lhes apoio às pretenções de independência do Congresso.
As cargas em apreço serão enviadas tão cedo o Comitê do Congresso tenha aprovado a nova resolução para o abandono da Índia pelos ingleses.

Os indús pretendem provocar a intervenção das nações aliadas junto a Inglaterra

BOMBAIM, 7 - O dirigente indú, sr. Maulana Azad, revelou que a direção do Congresso o autorizou a transmitir ao presidente Roosevelt, ao marechal Chang Cai Chec e ao embaixador russo em Londres, sr. Ivan Maisky, o texto da resolução adotada pelos congressistas e o texto da carta que o "mahatma" Gandhi enviará ao rei da Inglaterra. Segundo os círculos bem informados, os dirigentes indús desejam provocar a intervenção das nações unidas para resolver a pendência anglo-indú, antes que seja demasiadamente tarde. O sr. Azad declarou que Gandhi falará na sessão de hoje do Congresso.

Mensagem de Gandhi ao povo chinês

BOMBAIM, 7 - O "mahatma" Gandhi acaba de dirigir uma mensagem ao povo chinês, na qual declara:
"Saiba a China que esta luta é tanto pela sua defesa, como pela libertação da Índia.
Nessa libertação, acha-se envolvida a capacidade da Índia de dar assistência efetiva à China e à Rússia, ou mesmo à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos".

"Os indús não desejam a anarquia, mas um governo próprio"

BOMBAIM, 7 - O presidente do partido do Congresso, dr. Maulama Azad, disse hoje que a nova resolução indica que "não queremos depender de promessas", frisando em seguida:
"Dai-nos uma declaração de independência da Índia e de nossa parte entraremos imediatamente em acordo com as nações unidas, com o objetivo de combater e ganhar a guerra. Esse é o preço da nossa demanda e não há margem para temores desnecessários e anarquia e caos. Se o governo britânico está realmente interessado e se são verdadeiras as suas declarações, sobre a liberdade da Índia, isto pode ser feito imediatamente. Isto é, estamos pedindo às nações unidas a aprovação deste protocolo, que indica que a Índia livre estará, de todo o coração com estas nações, na luta contra todos os agressores".
Aludindo à mais recente declaração de "sir" Stafford-Oripps, Lord do Selo Privado da Inglaterra, o dr. Azad declarou:
"É absurdo sugerir que queremos a anarquia e a completa ausência de governo do país. O que queremos é uma mudança de administração. Tambem é errado dizer que desejamos que os exércitos ingleses e americanos deixem a Índia. O "mahatma" Gandhi já explanou este assunto, vezes sem conta, mas salientarei, mais uma vez, que o refrão "Abandonai a Índia" envolve nada mais, nada menos, do que a mais completa transferência de poder para as mãos dos indús. O que desejamos fazer deixai que o façamos agora".

A campanha de desobediência civil prejudicaria a causa das nações unidas

WASHINGTON, 7 - Embora um porta-voz da Casa Branca tenha desmentido uma informação, segundo a qual o presidente Roosevelt faria uma "demarche" junto ao "mahatma" Gandhi, acredita-se não ser impossivel que o presidente tome tal iniciativa.
As pessoas que estudam a fundo os problemas relacionados com as índias não podem ainda predizer exatamente o que se produzirá com a concretização da campanha de desobediência civil. Existe, no entanto, a impressão de que Gandhi não tem a menor conciencia da realidade e está causando grande prejuizo à causa das nações unidas.

"A chegada dos japoneses á Índia significará o fim da China e talvez da Rússia", declara o "Mahatma" Gandhi. Falando na reunião do comitê do congresso, o lider indiano disse não desejar ser instrumento da derrota daqueles paises - declarações de Nehru

BOMBAIM, 7 - Eis a seguir os trechos principais do discurso pronunciado pelo "mahatma" Gandhi na reunião do Congresso Pã-Indú.
"Há pessoas que teem um ódio cordial pelos britânicos. Ouvi dizer que estão desgostosos com eles. O comum do povo não estabelece diferença entre os britânicos e a forma imperialista do seu governo. Para essas pessoas as duas coisas são uma só. Há gente tambem que não se incomoda com a chegada dos japoneses. Para eles, talvez, isso significaria uma mudança de dono. Pensar assim é, todavia, coisa perigosa que deve desaparecer nesta hora crucial. Se ficássemos imoveis e não representássemos nosso papel cometeriamos um erro.

A liberdade da Índia não pode cair do céu

Não é proposta muito feliz que os britânicos e norte-americanos façam a guerra e que nos limitemos apenas a fornecer ajuda monetária, de bom ou de mau grado. Mas poderemos mostrar nosso real valor quando chegar a hora da nossa luta. Então, até as crianças mostrarão bravura. Obteremos pela luta nossa liberdade, que não pode cair do céu. Sei perfeitamente que os britânicos terão de nos dar a liberdade quando tivermos feito sacrificios suficientes e provado nossa força. Devemos apagar de nossos corações o ódio pelos britânicos. Em meu coração, pelo menos, não existe tal ódio. Não preciso frisar que sou hoje mais dos ingleses do que nunca. A razão disto é que, neste momento, eles estão em dificuldades. Minha amizade exige que lhes advirta de seus erros. Como me encontro em posição diferente da em que eles se acham, posso-lhes assinalar as faltas cometidas. Estão à beira do poço e prestes a nele cair. Portanto, mesmo se quiserem cortar-me as mãos, minha amizade exige que tente tirá-los do poço. Esta atitude pode provocar riso em muita gente, mas, mesmo assim, proclamo que é verdadeira. No momento em que vou abrir a frente mais ampla de minha vida, não posso alimentar no coração ódio pelos britânicos.
A esperança de que, por se encontrarem em dificuldades os devia empurrar é completamente alheia à minha mente e nunca a encontrareis nela. É possivel que no momento de despeito possam fazer coisas que vos provoquem. Contudo, não deveis usar da violência. Se tais coisas acontecerem podeis estar seguros de que, no lugar onde estiver, não estarei com vida. Se não compreenderdes isto é melhor que rejeiteis esta resolução. Vosso crédito ganhará. Como posso condenar-vos por coisas que não compreendeis?

Os britanicos não são covardes

Há porem um princípio de luta que tendes de adotar. Não acrediteis nunca - como jamais acreditei - que os britânicos vão fracassar. Não os considero uma nação de covardes. Sei que, antes de aceitar a derrota, todas as almas britânicas serão sacrificadas. Mas, sim, podem ser expulsos e deixar-nos no mesmo estado em que deixaram os povos da Birmânia, Malaia e outros lugares, com a idéia de reconquistarem o território perdido. Essa pode ser sua estratégia militar, mas, supondo que abandonem a Índia, que será do nosso país? A chegada dos japoneses significará o fim da China e talvez da Rússia tambem. Neste assunto Canditi Nehrú é meu mestre. Não quero ser instrumento da derrota chinesa, nem da Rússia. Se isso acontecesse odiar-me-ia a mim próprio. Sabeis de meu desejo de marchar com rapidez. Mas talvez não marche com a rapidez que desejais. Dizem que Sarda Patel declarou que a campanha pode acabar numa semana. Eu não tenho pressa. Se acabasse numa semana seria um milagre e, se isso acontecesse, significaria a dissolução da vontade britânica.
Pode ser que a sensatez apareça no coração dos britânicos, e compreendam que seria erro encarcerar todos aqueles que querem lutar para eles. Pode ser que mudem as opiniões de Jinnah. Depois de tudo, há de pensar que os que estão lutando são filhos da terra e, se ficassem quietos, de que lhes serviria o Parkistan?
A não-violência é uma arma incomparavel que pode ajudar todo mundo. Não ignoro que foi pouco o que obtivemos por esse meio, mas se acontecerem mudanças acreditarei ser o resultado de nosso trabalho nestes últimos 22 anos e que Deus nos ajudou a introduzí-los. Quando proclamo o leme de "Abandonai a Índia", o povo indú, que começava a se sentir desiludido, pode pensar que apresento uma coisa nova. Se quereis verdadeira liberdade tereis de vos unir e essa união criará uma democracia verdadeira - que nunca foi conhecida nem procurada".

Como Gandhi compreende a democracia

"Li muito sobre a Revolução Francesa. No cárcere li as obras de Carlyle. Grande é minha admiração pelo novo francês. "Pandit" Nehrú falou-me extensamente sobre a Revolução Russa. Posso dizer-vos que, conquanto a deles fosse uma luta para o povo, não foi uma luta para a verdadeira democracia que eu procuro. Minha democracia significa que cada um é o seu próprio dono. Tenho lido bastante a história e não encontrei tamanha experiência em escala parecida para o estabelecimento da democracia pela não-violência. Quando tenhais compreendido essas coisas esquecereis as diferenças entre indús e muçulmanos.
A resolução que vos apresento diz:
"Não queremos ser rãs num poço". Visamos a Federação Mundial, que apenas pode ser estabelecida pela não-violência. O desarmamento é unicamente possivel se usais da arma incomparavel da não-violência. Há gente que me pode chamar de visionário, mas sou um verdadeiro homem de negócios e meu negócio consiste em obter a independência.
Se não aceitardes esta resolução não o lamentarei muito. Contrariamente, dansarei de alegria porque então, me tereis descarregado da tremenda responsabilidade que, de outra maneira, me colocarieis nos ombros. Desejo que adoteis a não-violência como tática política. Para mim é uma crença, mas no que a vós se refere quero que a aceiteis como tática política. Deveis aceitá-la como soldados disciplinados e praticá-la quando estiverdes na luta. Há muita gente que me pergunta se sou o mesmo que em 1920. A única diferença que há é que estou muito mais forte em certos aspectos do que em 1920".
Respondendo aos críticos que o qualificaram de homem da destruição, Gandhi disse saber também como se construir, se bem que a oportunidade não se lhe tenha apresentado por enquanto. O Congresso teve a oportunidade de participar do governo provincial em sete províncias, fazendo bons trabalhos, que foram louvados até pelo governo britânico. Gandhi frisou a seguir que mal obtida a independência quem quer que seja capaz de chegar ao poder fará isso.
"Pode ser - prosseguiu o "mahatma" - que seja decidido colocar o poder em mãos dos "Parsis", ou que qualquer outro grupo ou partido seja encarregado do poder. Talvez o poder seja dado àquela cujos nomes não são mencionados no Congresso".

Declarações de Nehru

A resolução dos Comitês Executivos, apresentada por Nehru, diz que o pedido da liberdade provocou surpresa e oposição na Grã-Bretanha e Estados Unidos. "Panditi" Nehru, disse estranhar como gente inteligente podia interpretar mal esse pedido, a menos que deliberadamente ajam assim:
"Hoje - prosseguiu Nehru - o governo britânico está em franca inimizade com o povo indú e desaprova o pedido de liberdade. Estou plenamente convencido de que o governo britânico e, naturalmente, o governo da Índia, consideram o Congresso Pã-Indú como inimigo número um. O governo britânico, de acordo com sua constituição atual, não pode mostrar-se partidário de favorecer a causa da liberdade da Índia, a não ser que o mencionado governo mude completamente de carater".
Nehru disse ser positivo que seria melhor para a Índia separar-se de tal governo e organizar a sua própria defesa de maneira adequada.
Patel, apoiando a resolução, referiu-se às expressões de simpatia dos Estados Unidos para com a Índia e seu caso e perguntou o que esses simpatizantes estavam fazendo quando Churchill, assinando a Carta do Atlântico, explicou que a Índia estava excluída dela.
Depois dessa intervenção o Comitê adiou a sessão para amanhã.

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.