ISABELITA DECLARA ESTADO DE SÍTIO


Publicado na Folha d S.Paulo, quinta-feira, 7 de novembro de 1974

Neste texto foi mantida a grafia original


O governo da Argentina resolveu ontem decretar o estado de sítio em todo o País, depois de uma reunião realizada pela manhã e da qual participaram a presidente Maria Estela Martinez de Perón, o ministro do Bem-Estar Social, José Lopez Rega, o ministro do Interior, Alberto Rocamora, e os três comandantes-chefes das Forças Armadas.
A medida de exceção, que entrou imediatamente em vigor, implica basicamente na suspensão dos direitos e garantias individuais e permite ao Estado prender qualquer cidadão sem ordem judicial.
A possível decretação do estado de sítio na Argentina fora várias vezes desmentida, faz pouco tempo, por porta-vozes governamentais. Agora, o governo de Isabelita Perón decidiu implantá-la a pretexto, segundo se informou, de ameaças anônimas feitas contra professores e escolares de Buenos Aires. Essas ameaças teriam criado pânico entre os pais, que preferiam não enviar seus filhos às escolas, algumas delas sob risco de serem dinamitadas. O pânico também estaria ligado a supostas violações de meninas, que teriam sido cometidas em algumas escolas.
Estas versões foram endossadas pelo ministro do Interior, que ao justificar a implantação do sítio, afirmou:
"O Governo precisa erradicar, com toda a energia, expressões de uma selvageria patológica que se desencadeou sob a forma de um plano terrorista criminoso contra toda a Nação. As ameaças dirigem-se agora contra aqueles a quem o governo argentino e os homens em geral mais amam: as crianças. Já não se trata de uma luta em defesa de uma idéia equívoca ou não, mas de um crime inqualificável, que nada mais significa senão uma ameaça aos menores.
"A ameaça entrou agora nas casas de família, em todos os lares, que se acham expostos à ação dos terroristas, e tal fato esgotou a paciência e a prudência do governo. Foram ultrapassadas as simples contingências ideológicas e, por este motivo, o Poder Executivo está disposto a lutar até as últimas consequências para obter a paz e a tranquilidade de toda a população".
Por seu lado, a Confederação de Educadores da Argentina (CTERA), dirigida por esquerdistas, afirmou que as ameaças anônimas contra os escolares faz parte de "uma campanha psicológica para institucionalizar o caos", cujo objetivo final é um "golpe de estado reacionário".

Sindicalista morto em Buenos Aires

BUENOS AIRES - Horacio Ligresti, ex-diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, foi assassinado ontem a tiros em um bairro de Buenos Aires, informou o vespertino "Cronica".
Enquanto isso oito dirigentes peronistas da Provincia de Buenos foram ameaçados de morte pela 'Aliança Anticomunista Argentina" (AAA), se não abandonarem o país dentro de 72 horas, anunciou ontem o jornal "La Calle".
Os ameaçados são Hector Torier, Roque Stefanelli, Eva Salimas, Julio Alvarez Echaque, Constantino Pirro, os vereadores Sixto Luna e Julio Busteros, e o ex-interventor do Partido Justicialista, Sabino Farias.

Atentados

Vários atentados a bomba foram registrados anteontem em Buenos Aires e no interior do país.
No México a atriz argentina Nacha Guevara e seu marido Alberto Favero falaram da possibilidade de uma guerra civil ou de um golpe de estado em seu país, numa entrevista publicada no jornal "Novedades".
O casal abandonou a Argentina há um mês, depois que o grupo terrorista de extrema direita "Aliança Anticomunista Argentina" (AAA) divulgou pela imprensa falada e escrita uma ameaça de matá-los.
"Tanto mais haja pessoas importantes entre as que caem, mais pressão será feira sobre o governo", ressaltaram.
"A violência que impera na Argentina entre a extrema-esquerda e a extrema-direita, com o objetivo de apoderar-se do governo, levou a uma situação em que não há garantias para ninguém, e, enquanto o cidadão comum está desprotegido, os funcionários exigem grupos de 50 guarda-costas", disse a atriz.
Nacha Guevara afirma que foi alvo dos terroristas "porque represento o tipo que não se cala e, ameaçando-me, o pânico se estenderá mais ainda ao povo".
Os funcionários da universidade de Buenos Aires confirmaram uma greve para hoje, apesar de o governo ter advertido que colocará em disponibilidade os que aderirem ao movimento.
O governo também advertiu que "serão expulsos" os estudantes que não assistirem às aulas amanhã, dia marcado para uma greve estudantil.
A greve foi convocada pela Associação do Pessoal da Universidade de Buenos Aires, a maior da Argentina, para protestar pela "falta de diálogo" com o interventor da instituição e pelas "demissões em massa", ocorridas desde setembro, quando foi decretada a intervenção.
Os setores estudantes de esquerda, que tradicionalmente controlam a universidade, vêm sendo duramente golpeados desde setembro, quando o interventor Alberto Ottalagano iniciou uma "depuração" no quadro de professores.
A greve de amanhã foi convocada pela Federação Universitária para a Libertação (FULNBA), que congrega as organizações estudantis de esquerda, para reivindicar mudanças na política universitária.
Ottalagano, tal qual o ministro da Educação, Oscar Ivanissevich, é ligado à direita peronista e suas medidas encontram resistência da parte da esquerda que controla as dez faculdades da universidade.
A greve dos funcionários poderá ser total mas o mesmo não ocorrerá amanhã com a dos estudantes, pois estes estão bastante divididos.
A Juventude Universitária Peronista (JUP) e outras organizações esquerdistas e comunistas perderam muitos simpatizantes nos últimos tempos, particularmente depois de os "Montoneros" terem passado à clandestinidade para combater o governo da presidente Isabel Perón.
Os "Montoneros" constituiam o braço armado da Juventude Peronista de esquerda e sua autoproscrição desconcertou muitos dos que eram favoráveis a sua linha política, mas que não concordam com a "guerra total" que anunciaram levar a cabo.


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