GOLPE DE ESTADO FECHA CONGRESSO NO PERU

Militares apóiam o presidente Alberto Fujimori, invadem as ruas e prendem o líderes da oposição

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 07 de abril de 1992

Noely Russo
Enviada especial a Lima

Com o apoio das Forças Armadas, o presidente do Peru, Alberto Fujimori, deu um golpe de Estado na noite de domingo. O Congresso foi dissolvido e líderes da oposição estão presos. Tropas e tanques do Exército ocupam as ruas da capital, Lima. Os meios de comunicação estão sob censura e foram suspensas as atividades do Judiciário. Será convocado um plebisito sobre as reformas. Ontem à noite, Fujimori apresentou à imprensa seu novo ministério, com a troca de dois de seus 14 integrantes. Ele afirmou que "não se trata de um golpe convencional", mas "de uma mudança de rumo". O presidente peruano enfrentava oposição para implantar um programa neoliberal, que baixou a inflação mas aumentou o desemprego. O governo brasileiro disse que só vai adotar medidas conjuntas com outros países.

Presidente Peruano dá golpe

* Militares dão seu apoio para a ação de Fujimori

* Congresso e Judiciário têm atividades suspensas

O presidente do Peru, Alberto Fujimori, 53, deu um golpe de Estado com o apoio das Forças Armadas domingo à noite. Dissolveu o Congresso, prendeu a maioria dos líderes partidários, censurou os meios de comunicações e colocou o Exército nas principais ruas e instituições de Lima. Disse que quer reformar o sistema político do país para realizar mudanças estruturais.
A oposição convocou a população à desobediência civil e declarou vago o posto de presidente da República. O Congresso e o Palácio da Justiça (sede do Judiciário) amanheceram cercados por tanques e tropas do Exército. Apesar da forte presença militar, o clima em Lima era de calma aparente até a noite. Não houve incidentes. As aulas foram suspensas e as universidades, fechadas.
"O país não pode continuar a ser enfraquecido pelo terrorismo, pelo tráfico de drogas e pela corrupção", disse Fujimori em discurso por rádio e TV transmitido às 22h30 de domingo (0h30 de segunda em Brasília). As Forças Armadas divulgaram um comunicado pouco depois, apoiando a ação do presidente.
Ontem, às 19h30 (hora local), Fujimori deu uma entrevista coletiva junto com seu novo gabinete de ministros. Apenas dois foram substituídos. Ele afirmou que "não se trata de um golpe convencional, mas de uma mudança de rumo que vai de encontro à vontade do povo peruano" e que "com as mudanças se restabeleceu a legitimidade do Estado e a verdadeira prática democrática".
O presidente anunciou um plano de nove pontos para o novo governo, que inclui a elaboração de uma nova Constituição, a moralização da Justiça, punições severas a terroristas e narcotraficantes e combate à corrupção. Fujimori assumiu as funções legislativas, através de decretos-leis.
O presidente anunciou que convocará um plebiscito para a aprovação das reformas, mas não estipulou data. Afirmou que estava suspendendo alguns pontos da Constituição para permitir a formação de um "governo de emergência e reconstrução nacional".
Fujimori assumiu a Presidência em julho de 1990. Vinha tendo duas disputas com o Congresso. Seu partido, o Câmbio 90, tinha apenas 27 das 180 cadeiras da Câmara e 12 das 60 do Senado. O país atravessa recessão econômica e crise social.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) convocou uma reunião de emergência ontem em Washington para discutir possíveis sanções contra o país. Os EUA condenaram o golpe, considerando-o um "lamentável passo para trás" e pedindo "o retorno à ordem constitucional".
O antecessor de Fujimori, Alan García, teve sua casa cercada por tanques e soldados, mas seus assessores informaram que ele conseguiu escapar e está escondido.
A polícia afirmou que o Sendero Luminoso (guerrilha maoísta) assassinou na manhã de ontem em Lima o chefe de segurança do Palácio da Justiça, Guillermo Gallirgos Caceda, seu filho de 14 anos, e seu chofer.
Desde 1980, quando o Sendero Luminoso começou a agir, a violência política no Peru já matou cerca de 25 mil pessoas.


Oposição declara a Presidência "vaga"

Congressistas articulam luta contra o golpe; ruas de Lima amanhecem calmas, apesar de presença militar

Os congressistas peruanos declararam vaga a Presidência da República e pediram "desobediência civil" à população. Eles leram a declaração em frente às residências dos presidentes do Senado, Felipe Osterling Parodi, e da Câmara dos Deputados, Roberto Ramírez del Vilar. Os dois estão sob prisão domiciliar.
As principais ruas de Lima amanheceram fortemente patrulhadas por tanques e carros de combate, mas o clima era de aparente tranquilidade. As aulas em todos os níveis foram suspensas por três dias. Os meios de comunicação estão sob censura.
O texto dos congressistas diz que o "cidadão Alberto Fujimori" está "incapacitado moralmente" para ocupar a Presidência. Cita o artigo 206 da Constituição, que prevê a vacância da Presidência por "incapacidade moral ou permanente incapacidade física declarada pelo Congresso".
Os congressistas pediram que ocupe a Presidência a pessoa a quem caberia pela Constituição - o vice-presidente Maximo San Roman. Este parece ter sido surpreendido pelo golpe. Estava na República Dominicana participando da reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e deveria voltar a Lima ontem à noite.
A senadora Mercedes Cabanillas, do Apra (partido do ex-presidente Alan García), disse que estava passando para a clandestinidade para organizar a oposição.
A maioria dos líderes partidários e das comissões do Congresso está sob prisão domiciliar. As seis estações de TV (uma estatal), os jornais, estações de rádio e agências de notícias estavam ocupadas por membros das Forças Armadas e da polícia. O jornal "La Republica" saiu com suas duas primeiras páginas praticamente em branco. O jornal "El Comercio" publicou em suas páginas centrais declarações dos partidos de oposição criticando o golpe.
Os jornalistas Gustavo Gorriti e Enrique Zileri foram presos.
As emissoras de rádio Estação Uno e Rede Nacional transmitiram na noite de domingo e madrugada de ontem declarações de várias lideranças políticas criticando o golpe. Outras emissoras fizeram programas de consulta telefônica aos ouvintes. Muitos disseram que eram favoráveis à ação do presidente.
Segundo a agência "France Presse", os efetivos do Exército, Força Aérea e Marinha foram mobilizados já na madrugada de domingo. Foi designado um grupo de 50 oficiais para dirigir comandos que tomariam os principais pontos da capital, como o Congresso, o Palácio da Justiça e sedes de partidos.
A agência de notícias oficial "Andina" afirmou que armas e munições de diversos tipos foram encontradas na sede do Apra, invadida ontem pela polícia.


Democracia vive crise AL

Clóvis Rossi
De Madri

Primeiro foi o Haiti, que não conseguiu ver o sistema democrático funcionando mais do que alguns meses. Em fevereiro foi a Venezuela, a mais estável democracia da América Latina, sacudida por uma tentativa de golpe de Estado Militar que ainda não esgotou todas as suas consequências. Agora é a vez do Peru.
É inquietante que os anos 90 pareçam começar sob o risco de reversão da onda democratizante que varreu o subcontinente nos anos 80. Inquietante, mas fácil de entender - o que não significa justificar - a incipiente vaga de recaída autoritária.
No caso do Peru, bastam dois números para se entender o tamanho do drama: o Produto Interno Bruto peruano (PIB, medida da renda nacional) é hoje exatamente igual ao de 1970. Pior ainda: a renda per capita do país é igual à de 1956.
No Peru, portanto, falar de década perdida, como se costuma qualificar os anos 80 na América Latina, é dizer pouco. O país regrediu quase 40 anos e a fermentação social que esse tipo de retrocesso provoca alimenta fenômenos como a guerrilha fanática do grupo Sendero Luminoso, que já causou mais de 10 mil mortes e prejuízos da ordem de US$ 18 bilhões.
A resposta do presidente Alberto Fujimori, no cargo há 20 meses, à estagnação foi a mesma de incontáveis outros presidentes da região: o ultraliberalismo. A dose mais recente, um pacote de medidas fiscais que tentava tapar um buraco de US$ 2 bilhões no orçamento de 1992, provocou uma aliança tácita entre empresários e sindicalistas, com um eco inevitável no Parlamento. Pronto: a receita da crise estava armada.
O presidente reage, no entanto, com o contrário do liberalismo que pratica na economia. Ressurge a mão dura. Com isso, o liberal Alberto Fujimori empata com os pais ideológicos do Sendero Luminoso, os comunistas chineses, eles também empenhados em fazer reformas capitalistas sem a contrapartida da democracia burguesa.


Sendero nasceu do maioísmo

Da Redação


O grupo terrorista Sendero Luminoso (Caminho Luminoso) tem suas origens em uma facção maoísta surgida em 1964 no Partido Comunista Peruano. Os maioístas defendiam a luta armada para chegar ao socialismo e criticavam a "via eleitoral" do PC. Seis anos depois, liderados por Abimael Guzmán, um grupo de estudantes e professores da região de Ayacucho do PCP-Sendero Luminoso.
O grupo deu início às ações armadas em maio de 1980, quando se realizavam as primeiras eleições após 12 anos de regime militar. "Não se pode participar das eleições porque elas são parte do caminho dos que nos oprimem", diziam panfletos distribuídos em Lima. Em várias regiões dos Andes, o Sendero ameaçou assassinar ou cortar as mãos de quem se aproximasse das urnas. Em uma década, o Sendero deixou cerca de 21 mil mortos.
A ideologia dos senderistas combina as teorias guerrilheiras de Mao Tse-tung com elementos da cultura incaica, resultando num messianismo que idealiza os valores camponeses e estigmatiza tudo o que lhe seja estranho. É chamado de "Khmer latino", por alusão ao Khmer Vermelho do Camboja, que dizimou um terço da população do país para promover uma "revolução camponesa".


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