MANUAL DO ESPIÃO
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Publicado
na Folha da Manhã, terça-feira, 6 de março
de 1941
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Neste texto foi mantida a grafia original
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São várias as razões pelas quais a Suíça,
ainda nos dias de hoje, continua virtualmente dona dos seus próprios
destinos, embora completamente circundada por territórios onde
imperam o fogo, a destruição e a morte. Uma de tais
razões é que, estando a Suíça em paz,
suas cidades se conservam de luzes acesas durante a noite, servindo,
por consequência, de ponto de referência para os aviadores
de ambos os lados em luta, aos quais não interessa perder tal
espécie de balisa aérea - ainda que a custo de os adversários
se servirem dela.
Outra razão é a de que, constituindo a Suíça
a encruzilhada de todas as trajetorias da Europa, o seu espaço
geográfico integra o melhor observatório que se possa
desejar, seja para os correspondentes de jornais estrangeiros, seja
para os diplomatas dos povos conflagrados, seja, ainda, para os espiões.
O espião é sempre um ser vil, quando mercenário
e a serviço do lado... oposto; quando o espião trabalha
para o seu próprio país, guindando-se, portanto, à
categoria de soldado de vanguarda, a vileza das suas funções
desaparece, mas a periculosidade aumenta, aos olhos do país
contra o qual ele atua. De qualquer maneira, porem, o espião
é elemento indispensavel, tornando-se imprescindivel a formação
de um centro de onde ele possa dirigir suas atividades - ainda que
este centro sirva, igualmente, para os espiões do lado contra
o qual se combate.
Assim, a Suíça, para certas criaturas vivacíssimas,
enredadas em assuntos internacionais secretos, constitue verdadeiro
e único termometro das reações de todos os paises
da Europa. Se a Suíça for invadida, o prejuizo será
enorme para todos, pois, nesse caso, desaparecerá o derradeiro
setor de onde ainda se pode observar o panorama completo do velho
mundo.
Assegura-se que, hoje, na terra de Guilherme Tell, existem mais de
um milhão de espiões de todas as categorias. Estes espiões
trabalham, sempre que possivel, com auxílio do rádio,
e o trabalho de impedir o funcionamento das emissoras clandestinas
representa o maior fardo que, na atualidade, pesa sobre os ombros
das autoridades da república helvética.
O rádio é a única novidade propriamente dita
de que os espiões se servem, se comparados com os instrumentos
dos seus colegas de 1914/1918. Quanto ao mais, não parece que
haja muita diferença de métodos entre os espiões
de outrora e os dos nossos dias, a não ser a necessidade, imposta
pelas circunstâncias creadas pelo progresso, de maior argúcia
na observação, de maior desenvoltura na consecução
de informações e de maior coragem no desafio ao perigo.
Antigamente, as organizações de serviço secreto
davam preferência a um destes dois estilos: tinham um departamento
central, na Capital do país, ao qual as informações
eram remetidas por agentes sedentário, isto é, que residiam,
ou se conservavam permanentemente em determinado ponto, no exterior;
ou dispunham de um departamento central, a cujo serviço se
encontravam os "chefes de grupos"; estes, por sua vez, tinham,
sob sua direção, um corpo de espiões que operava
onde fosse necessário operar, sendo que os agentes nem sempre
conseguiam saber para quem estavam trabalhando. Hoje, os dois estilos
se fundiram num só, e os chefes supremos dos serviços
de informações dão provas de incomparavel ecletismo;
emitem ordens de acordo com as conveniências e possibilidades
de cada caso, pouco se interessando com o estilo ou com a rotina sistemática.
Quanto à técnica do espião, nada há de
novo, afora os indispensaveis conhecimentos de rádio. O espião
aprende a desenhar, a crear e a encontrar "chaves" para
elaboração de mensagens próprias e decifração
de mensagens inimigas, a fotografar, a descer de trens em movimento,
a atirar com rigor de pontaria, a interceptar linhas telefonicas,
etc. E as recomendações fundamentais que recebe são
ainda as antigas: 1º, não falar, seja com quem for, a
respeito do seu trabalho; 2º, não tomar notas por escrito;
3º, sendo obrigado a tomar notas por escrito, utilizar-se de
papel de seda, de dimensões extremamente pequenas, para que
possa ser introduzido num cigarro; em caso de perigo, fuma-se o cigarro;
4º, não entrar em relações com outros agentes,
nem contrair amizades "verdadeiras" com quem quer que seja,
ainda que o "amigo" esteja, sabidamente, às ordens
do mesmo chefe; 5º, abster-se de bebidas alcoólicas; quando
se torna indispensavel beber, para acompanhar a pessoa que se deseja
embriagar, afim de que esta preste as informações procuradas,
beba-se de modo a não perder o controle.
Apesar de nos encontrarmos em época dominada pela máquina,
o romantismo continua constituindo o maior perigo do espião;
é preciso que ele fuja do amor, a todo custo; as paixões,
principalmente quando sinceras e indomaveis, levam sempre o espião
à pena de morte.
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