MEDITAÇÃO SÔBRE O FIM INGLÓRIO DE BENITO MUSSOLINI
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 6 de maio de 1945
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Neste texto foi mantida a grafia original
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No
dia 29 de abril último, verificaram-se três episódios
que, ligados entre si, pelo destino, e a despeito da sua crudelíssima
realidade, se guindaram, à categoria de um símbolo só:
- o símbolo do fim da tirania nazifascista. Com efeito, nesse
dia, ocorreram estas coisas extraordinárias: - os rebeldes
italianos arrancaram a cidade de Milão das mãos dos
alemães e dos italianos fascistas - os mesmos rebeldes processaram,
julgaram e fuzilaram Benito Mussolini, expondo o seu corpo em praça
pública, à guisa de proclamação de infâmia
- e os exércitos das Nações Unidas entraram em
Munich, capital da Baviera, na Alemanha.
Agora, considerem-se êstes pontos:
Milão foi o berço do fascismo, em data que hoje parece
remota. Na verdade, o fascismo, como idéia-fôrça,
de caráter político, nasceu, sem que o próprio
Mussolini tivesse a menor noção disso, num comício
noturno, realizado em Milão, no curso do ano de 1921. Era um
comício de socialistas, ao qual Mussolini, depois de se dizer
republicano, monarquista, anarquista, e outras coisas mais, também
compareceu. Seus antigos companheiros de socialismo o vaiariam tumultuosamente,
considerando-o perjuro. Mas Mussolini, que, como autêntico filho
da época italiana de D' Annunzio, gostava das belas frases,
teve a felicidade de, em pleno tumulto da vaia, proferir esta frase:
"Voi oggi mi odiate perché mi amate ancora!" ("Vocês
hoje me odeiam porque me amam ainda!"). Está claro que
não há italiano - gente artista por definição
- que resista ao efeito de frase semelhante. Ninguém naquele
comício, resistiu. E Mussolini que entrara no comício
sob vaia estrepitosa, saiu dali carregado em triunfo.
Foi depois disso, e em consequência disso, que se formaram os
"fasci di combattimento", denominação dada
por D'Annunzio, e foi daí que derivou a palavra fascismo, criada
pelo dramaturgo Sem Benelli e difundida pelo romancista Giuseppe Brunati.
O fascismo nasceu em Milão. Em Milão se formaram os
primeiros "fasci di combattimento" destinados a pôr
ordem, pela violência, na indústria italiana então
completamente anarquizada. De Milão deveria partir aquela que,
se se houvesse realizado, teria sido a "marcha sôbre Roma".
Na verdade a "marcha sôbre Roma", de Mussolini, nunca
se verificou. Mussolini estava em Milão, onde havia um acampamento
de fascistas. Ao redor de Roma, havia outro acampamento de fascistas.
Os componentes do acampamento de Milão deveriam viajar, para
se unir aos componentes do acampamento de Roma. Entretanto, o rei
Victor Emmanuel III deu, ao marechal Badoglio, ordem para não
dispersar o acampamento de camisas-negras de Roma, remetendo ao mesmo
tempo, um telegrama, a Mussolini para que êste comparecesse
a palácio, a fim de receber a incumbência de organizar
o novo ministério italiano. Mussolini partiu de Milão
para Roma, em trem especial, envergando a camisa negra. Deixou sua
gente no acampamento de Milão, e não ligou importância
à sua gente de Roma. Foi ao palácio real com De Bono,
que o fascismo promoveu a marechal e depois fuzilou, e com Balbo,
então capitão de um regimento alpino, que o fascismo
promoveu a marechal do ar e depois matou num "desastre"
de aviação.
Milão sempre foi reduto importantíssimo do fascismo.
E foi Milão que prendeu Mussolini, depois de o glorificar -
e que fuzilou Mussolini, depois de o elevar à categoria de
ídolo. Assim, encerrou-se o ciclo. A cidade que produziu o
monstrengo, devorou-o. E nisto há um desígnio altíssimo
da História. Se Mussolini fôsse prêso e fuzilado
pelas Nações Unidas, sempre seria possível, no
futuro, considerá-lo mártir - e, ao redor da idéia
dêsse mártir, sempre seria admissível que alguns
italianos se reunissem. Mas Mussolini, criação puramente
italiana, e, mais ainda puramente milanesa, foi destruído pelos
seus criadores. Assim, elimina-se a probabilidade de o seu nome vir
a servir de bandeira a quem quer que seja, porque chamar-se ou haver-se
chamado Mussolini hoje, na Itália liberta, é sinônimo
de infâmia.
Exatamente no dia em que Milão se rebelou e em que Mussolini
foi fuzilado, Munich caiu em poder dos exércitos norte-americanos.
Munich, na Alemanha, foi o mesmo que Milão, na Itália.
Também Munich foi berço de algo parecido com o fascismo
- que é o nazismo alemão. Num só dia, o destino
fêz com que fôssem derrotados, pelas armas, os dois focos
fundamentais da tirania nazifascista - eliminando, ao mesmo tempo,
Mussolini que fôra o criador original da idéia-fôrça,
a princípio vitoriosa, mas agora considerada maldição
pelas próprias multidões que a aceitaram e a quiseram
impor ao resto do mundo. Poucos dias mais tarde, correu a notícia
da morte de Hitler.
Não vamos discutir, nesta nota, a justiça ou a injustiça
dos fatos ocorridos e inevitáveis. Assinalemos apenas o símbolo
nesses fatos compreendido. São as próprias fôrças
cósmicas que convergem para a finalidade que consiste em eliminar,
da face da terra, a sinistra ambição de mando milano-muniquense.
Diante de tal símbolo, não se deve mais dizer apenas
que são democracias que vencem. Deve-se dizer, com mais acêrto,
que é o próprio impulso cosmogônico, primigênio,
da ordem universal, que adquire implacabilidades definitivas, para
se opor ao prosseguimento da perversão do sentido natural da
vida, com que Mussolini e Hitler, perdendo a noção do
absurdo, pretenderam dominar o mundo. Êste comportamento das
fôrças fundamentais e regulares da Natureza da História
sanciona a obra das democracias. E é isto o que nimba de justiça
divina a obra das democracias.
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