CHINA PASSA A VIVER EM CLIMA DE GUERRA CIVIL


Publicado na Folha de S. Paulo, terça-feira, 6 de junho de 1989


A China começou a viver ontem um clima de guerra civil. Vários carros blindados e tanques do Exército chinês foram queimados após combates ocorridos em Pequim (capital). Não se sabe se os confrontos envolveram facções diferentes do Exército ou se aconteceram entre soldados e manifestantes. Durante todo o dia foram registrados choques entre as tropas militares e a população. O número de mortos ainda não está confirmado.

Após massacre, China está à beira da guerra civil

Combates que deixaram vários tanques e veículos blindados destruídos aconteceram na manhã de hoje (fim da tarde e início da noite de ontem, horário de Brasília) nas regiões sul e oeste de Pequim, capital da China. A informação foi dada por diplomatas ocidentais à agência de notícias "Reuter". Não há confirmação sobre a origem do conflito. Há duas possibilidades: choques entre facções do Exército ou entre tropas e manifestantes.

A dúvida que existiu durante todo o dia de ontem é se o 38o Corpo do Exército teria se unido ao 27o _ que desde o sábado à noite realiza a repressão militar -, ou estaria combatendo essa unidade. Logo após a decretação da lei marcial em 20 de maio, os comandantes do 38o Corpo disseram ser contrários ao uso da força contra os manifestantes. Ontem, essa unidade teria recebido ordens de se aliar ao 27o Corpo. Segundo a CIA (serviço secreto dos EUA), o 38o Corpo do Exército continuaria contrário às decisões do governo e estaria avançando sobre Pequim, em um cenário descrito como sendo de "guerra civil". Os corpos militares chineses, geralmente, são constituídos de cem mil a 150 mil soldados.

Ontem à noite, 25 tanques e 15 veículos blindados tomaram posição de combate em uma avenida do lado oriental da praça Tian An Men (Paz Celestial), centro da cidade. Durante todo o dia, foi grande a circulação de tropas na capital chinesa. Houve muitos confrontos entre soldados armados, que atiravam indiscriminadamente contra a população, e manifestantes que se opunham à ação das tropas. As informações a respeito do número de mortos desde o sábado à noite, quando a praça Tian An Men foi invadida pelo Exército, são conflitantes. A rádio estatal afirmou que 391 veículos militares foram destruídos pela população. O transporte urbano estava paralisado e as poucas lojas de alimentos que abriram estavam quase vazias.

Os estudantes, concentrados nos campi universitários da região noroeste da capital, não querem mais apenas a renúncia de Li Peng, primeiro-ministro, e Deng Xiaoping, homem-forte do país: exigem que ambos sejam fuzilados. Diversas cidades do país viveram ontem manifestações. Em Xangai, sudeste da China, milhares de pessoas paralisaram os transportes.

Estudante afirma que soldados riam ao atirar

Muitos soldados gargalhavam enquanto atiravam com metralhadoras nos milhares de manifestantes na praça Tian An Men (Paz Celestial), no centro de Pequim, na noite de sábado, segundo afirmou um estudante que testemunhou o massacre.

Emocionado - chorando e tremendo -, ele afirmou que o "terrorismo" é a única opção para derrubar o governo "fascista" de Deng Xiaoping, e defendeu que outros países cortem toda ajuda à China e forneçam armas aos opositores.

Ele afirmou que os soldados entraram na praça sem dar tempo para que as pessoas escapassem. Segundo disse, cerca de 7 mil universitários ainda permaneciam na praça quando as tropas a invadiram. Ele não quis dar o nome porque teme ser morto depois que seus documentos foram confiscados.

O estudante disse que estava entre os últimos do grupo que decidiu sair do local e viu quando os soldados entraram. "Eles primeiro abriram fogo sobre as cabeças e em seguida nas próprias cabeças. Eles riam de maneira selvagem, como se aquilo não fosse uma coisa séria", declarou.
 

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