A ACUSAÇÃO DE INVASÃO DE CUBA É ARQUIVADA PELA ONU

CS diz que falta prova concreta

Publicado na Folha de S. Paulo, sexta-feira, 6 de janeiro de 1961

Neste texto foi mantida a grafia original

Nações Unidas, 6 - A ONU mandou arquivar hoje a acusação de Fidel Castro de que os Estados Unidos preparam uma invasão de Cuba porque "não foi apresentada nenhuma prova concreta."
O Conselho de Segurança negou-se a qualquer comentario sobre a situação deixando mesmo de votar uma moção de termos moderados em que se expressava a esperança de uma solução amistosa para as divergencias entre os dois países.

Os americanos negam a carta

A acusação de invasão de Castro se baseou principalmente numa carta que o ministro de relações Exteriores cubano, Raul Roa, disse que foi enviada pelo Departamento de Estado a todas as chancelarias americanas. Segundo manifestou Roa, a carta dizia que os Estados Unidos invadiriam Cuba se prosseguissem as obras das "plataformas de lançamento de foguetes 17" para a União Sovietica.
Os norte-americanos disseram que não enviaram nenhuma carta dessa natureza.
Roa admitiu eventualmente que seu conhecimento da suposta nota se baseava em uma informação jornalistica de um diario uruguaio.

Castro toma conta de instituições da Igreja e prende cinco sacerdotes

HAVANA, 6 - Dizia-se hoje que a milicia do primeiro-ministro, Fidel Castro, se apoderou de uma meia-duzia de instituições catolicas, no inicio do que poderia ser uma ofensiva de importancia contra a Igreja em Cuba.
Os milicianos de Castro fecharam as oficinas de impressão do periodico catolico "Quincena", a ultima publicação de Cuba que se atrevia a criticar o governo de Castro e, alem disso, colocaram uma guarda no Convento Salesiano, onde funcionava a imprensa.
A milicia ocupou tambem a sede central dos "Cavaleiros de Colón", assembléia dos catolicos seculares, e a Associação dos Operarios Catolicos.

Sacerdotes presos
Informações chegadas de provincias dizem que destacamentos da milicia apoderaram-se de seminarios em Calvario e Santiago de Las Vegas. Segundo essas informações, pelo menos cinco sacerdotes foram detidos, ainda que isto não tenha sido confirmado oficialmente.
A milicia invocou as prerrogativas de emergencia que se lhe concederam, como parte das medidas adotadas pelo governo, no que chama a iminente "invasão".

Artilharia em posição

Castro pôs em alerta a milicia no ultimo fim de semana dizendo que era "iminente" um ataque dos Estados Unidos a Cuba. Ontem, as forças castritas postaram obuses e canhões anti-aereos e antitanques ao longo do dique de Havana.
Esta é a segunda vez nos dois ultimos meses que Castro começou a falar de uma "invasão" norte-americana em Cuba.

Kaufmann solto
HAVANA, 6 - O sr. Georges Kaufmann, diretor do escritorio local da agencia "Associated Press" foi libertado ontem à tarde. Kaufmann fôra detido com sua esposa, em sua residencia, a 31 de dezembro ultimo, pelos agentes do Serviço de Informação Militar, que não provaram as acusações feitas contra ele.

Castro reservado
HAVANA, 6 - O governo de Fidel Castro mostra-se reservado depois do rompimento de relações diplomaticas com os Estados Unidos e parece desejoso de evitar todo novo incidente enquanto as duas missões diplomaticas não tenham regressado a seus respectivos paises. É o que se nota, hoje, nos meios diplomaticos de Havana.
Alguns esperavam, da parte do governo, uma reação mais clara, e até mesmo violenta, mas o Conselho de Ministros, depois de longas deliberações, publicou um comunicado no qual faz recair a responsabilidade do rompimento exclusivamente sobre o presidente Eisenhower e a atual administração republicana dos Estados Unidos.

Porta aberta

Não falta quem pergunte se, talvez, o governo cubano não quisesse deixar uma porta aberta, para poder reiniciar, em outro momento, as relações. Em todo o caso, o comunismo precisa que estas foram rompidas com a administração republicana e não com o povo dos Estados Unidos. O curioso é que, enquanto a imprensa e o radio continuam atacando violentamente os "diplomatas espiões", desde que se produziu a ruptura, as autoridades cubanas parecem empenhadas em dar provas da maior cortesia e, por exemplo, fizeram saber ao encarregado dos Negocios Norte-americanos que o prazo de 48 horas que tinha para deixar o país poderia alongar-se como ele julgasse conveniente.
Uma das razões dessa atitude seria tratar de apaziguar um pouco os países afro-asiaticos que parecem inclinados a crer que Cuba já abandonou o neutralismo. A segunda é de carater interno, e consiste em não alarmar mais a opinião cubana, que já está inquieta com a mobilização de milicianos.
Por outro lado, Castro falou pela primeira vez, no começo desta semana, sobre a "luta de morte entre a revolução e a contra-revolução" pondo, assim, no mesmo plano, os dois adversarios. Isso explica que a atitude governamental ante os indecisos seja hoje muito prudente, julgam os observadores.

Mais 2 asilados

Buenos Aires, 6 - O embaixador argentino em Cuba, dr. Julio Amoedo informou que dois novos cidadãos cubanos tinham pedido asilo na delegação argentina. Trata-se do dr. Noel Segura Bustamente, promotor do Supremo Tribunal de Cuba e do dirigente sindical Fidel Iglesias.

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.