BOMBA ATÔMICA EM HIROSHIMA FAZ MEIO SÉCULO


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995

Exatos 50 anos após a explosão da primeira bomba atômica contra civis em Hiroshima (Japão), o mundo comemora o fato de a arma ter sido usada só duas vezes _a segunda foi em Nagasaki, três dias depois.
Mais de 140 mil morreram no ataque atômico americano contra Hiroshima no fim da Segunda Guerra.

Planeta celebra 50 anos sem bomba

RICARDO BONALUME NETO
Especial para a Folha

Há 50 anos, duas cidades japonesas foram pulverizadas por bombas atômicas.
Foram as únicas vezes em que esse tipo de arma foi usado em uma guerra. Só isso, já é motivo para comemorar o aniversário.
Durante meio século de convivência com armas nucleares, não faltou vontade nem oportunidade para seu emprego por parte das superpotências da época, os Estados Unidos e a antiga União Soviética.
O grande desafio da humanidade neste meio século foi convencer a sua parcela mais belicosa de que as armas nucleares eram essencialmente diferentes das outras.
O enorme arsenal criado em 50 anos, paradoxalmente, serviu para impedir uma Terceira Guerra Mundial, que poderia arrasar com boa parte da espécie humana.
União Soviética e Estados Unidos tinham armas para se destruir mutuamente várias vezes _depois da primeira vez, como disse o estadista britânico Winston Churchill, as outras bombas apenas ``fariam as ruínas balançarem''.
Em Hiroshima, por exemplo, 62,9% dos edifícios foram totalmente queimados ou destruídos e outros 24% ficaram parcialmente queimados ou destruídos.
Menos de 10% dos prédios da cidade japonesa, estimados em 76 mil, ficaram intocados.
Muitos militares dos dois lados da ``cortina de ferro'' achavam _e muitos ainda acham_ que usar uma arma capaz de matar milhares instantaneamente é uma maneira legítima de fazer guerra.
Na guerra, vale tudo, dizem. O importante é vencer (e os vencedores sempre escreveram a maior parte da história).
Para esses estrategistas, em vez de usar 1.000, 2.000 ou 3.000 aviões carregados de bombas convencionais, é mais fácil empregar um armado com uma bomba atômica, para obter o mesmo estrago.
Essa tentação cresceu com a própria evolução da capacidade das bombas. As bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki são do tamanho das ``espoletas'' das armas hoje disponíveis.
O que torna essa armas diferentes é a enorme concentração de energia em um pequeno espaço, capaz de ser liberada de repente, com resultados devastadores.
E também um subproduto letal por muitos anos: radiatividade. A primeira bomba atômica teve o objetivo de testar a nova arma.
Foi em 16 de julho de 1945, em um local batizado de Trindade (``Trinity''), em Alamogordo, deserto do Estado de Novo México, EUA. Ela tinha poder explosivo equivalente a 18 mil toneladas do explosivo TNT, ou 18 quilotons.
Para medir a capacidade de uma bomba dessas, usam-se os termos quiloton e megaton _um quiloton equivale a mil toneladas de TNT; um megaton equivale a 1 milhão de toneladas.
Em 6 de agosto de 1945, uma bomba parecida explodiu em Hiroshima, Japão. Em 9 de agosto, foi a vez de outra cidade japonesa, Nagasaki, receber uma carga explosiva semelhante.
Mesmo as bombas usadas contra o Japão ficam pequenas se comparadas com o arsenal que foi construído pelas superpotências nestes 50 anos.
Durante os seis anos da Segunda Guerra Mundial, em todos os continentes, foram empregados o equivalente a 3.000 quilotons (ou 3 megatons) de explosivos.
EUA e URSS construíram um arsenal equivalente a 7.500 megatons. As armas nucleares existentes são suficientes para repetir a Segunda Guerra por 2.500 vezes.
Tanto poder deu coceira no dedo de muitos políticos. O mesmo presidente americano que autorizou a explosão da bomba em Hiroshima e Nagasaki, Harry Truman, chegou a pensar em usar bombas atômicas contra os comunistas norte-coreanos e chineses na Guerra da Coréia (1950-53).
Truman só não precisou usar a bomba porque as forças americanas em terra conseguiram conter o ataque norte-coreano em 1950.
O general Douglas MacArthur chegou a sugerir o uso da bomba contra os chineses, quando eles detiveram o ataque americano meses depois e ameaçavam tomar toda a península coreana.
MacArthur foi demitido por Truman, não porque quisesse detonar bombas atômicas, mas por sua desobediência constante.
Outro general, Mark Clark, que comandou tropas brasileiras na Itália em 1944-1945, também sugeriu a outro presidente americano, Dwight Eisenhower, lançar uma bomba sobre uma concentração de tropas chinesas em 1953. Eisenhower se recusou.
Hiroshima lembra hoje os 50 anos da explosão com cerimônias que incluem o lançamento de uma canção de Yoko Ono (a viúva do ex-Beatle John Lennon), que ela gravou com Paul McCartney.

Editorial

Há 50 anos o B-52 Enola Gay despejava sobre Hiroshima a primeira bomba atômica usada com fins bélicos; 110 mil pessoas pereceram. Três dias depois foi a vez de Nagasaki; 60 mil mortos. Em 2 de setembro, o Japão capitulava incondicionalmente aos aliados. Inaugurava-se a era atômica.
A primeira pergunta é: era necessário? Difícil dizer. Cálculos norte-americanos procuram justificar a ação alegando que mais pessoas teriam morrido se a guerra convencional prosseguisse e os EUA tentassem ocupar o arquipélago. Como isso não aconteceu, fica difícil raciocinar em cima de hipóteses.
O fato é que, derrotada a Alemanha, o Exército russo se concentrava em combater o Japão. Os EUA não estavam dispostos a dividir a vitória e o território com os russos, como ocorrera na Alemanha.
Outro ponto importante é que o impacto da bomba sobre uma cidade tinha de ser testado. Ninguém, nem mesmo os cientistas do projeto Manhattan, sabia ao certo quais seriam os efeitos da bomba sobre a população civil. Nesse sentido, o ataque foi mais ou menos uma ``experiência científica''.
Os EUA mostraram ao mundo que, com sua nova arma, haviam se tornado uma potência imbatível, situação que perduraria até 1949, quando os soviéticos detonaram a sua primeira bomba em testes.
Desde de o ataque a Nagasaki, nenhuma outra bomba atômica foi usada em combates, e, paradoxalmente, elas são hoje dezenas de vezes mais poderosas que a original.
Num certo sentido, o relativo equilíbrio que se consolidou a partir de 49 e se convencionou chamar de equilíbrio do terror poupou o mundo de conflitos bélicos generalizados, apesar de importantes guerras localizadas. As bombas e o seu poder de destruição faziam com que as duas partes envolvidas respeitassem o inimigo, sabendo quando recuar. A guerra era ``fria''.
A Guerra Fria acabou. Mas a CEI conserva parte do arsenal da extinta URSS, e outras nações como China, França e Reino Unido e _suspeita-se_ Israel, Índia, Paquistão e África do Sul desenvolveram também eles seus artefatos nucleares, o que em certo sentido garante que a era das guerras generalizadas já passou. O preço, contudo, foi alto: 170 mil pessoas pereceram para que essa arma paradoxal mostrasse ao mundo um poder de destruição tão grande que forçou os dois ex-inimigos _EUA e URSS_ a travar uma luta sem guerra.

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