MORREU MAGDA DE FONTANGES, AMIGA INTIMA DE MUSSOLINI E HEROINA DE AVENTURAS


Publicado na Folha de S.Paulo, sabado, 5 de novembro de 1960

Neste texto foi mantida a grafia original


Genebra, outubro (FSP) — Há poucos dias, num pequeno quarto do modesto edificio da "Maison pour les Jeunes Filles", pertencente ao centro de assistencia protestante feminino, foi encontrado o cadaver de certa Madeleine Jeanne Laferière, de 51 anos. A seu lado, um tubo quase vazio de barbiturico.
Houve a rotineira intervenção policial, o depoimento de uma das diretoras, que lhe cedeu o quarto por uma noite apenas —pois a suicida chegara na vespera, procedente da frança— e em seguida o enterro, no cemitério de S. Jorge. O inquerito policial informava, na mesma linguagem fria, pobre e indiferente, que a morta "tambem usava o nome de Magda de Fontanges".

Uma vida

Houve tempo, há 25 anos, que esse nome tornou-se celebre. Não apenas porque se ligou durante certo periodo ao nome de Mussolini, mas tambem pelos casos que sua portadora criou, na França e na Italia, os quais sempre tiveram intensa repercussão, tal como desejava ela propria. Foi uma vida de acontecimentos o dessa fascinante mulher que jamais hesitou em lançar mão de qualquer recurso, mesmo o mais inescrupuloso, para alcançar a notoriedade que, depois, não sabia aproveitar. Jamais se poderia imaginar que teria esse fim, num quartinho modesto para fins de caridade.
Magda nasceu filha de um pintor boemio, em Paris. Sua mãe morrera no parto e ela foi criada com a avó, vivendo uma adolescencia irrequieta em Paris. Aos 18 anos, desejosa de ingressar na alta sociedade, casou-se com um subprefeito que lhe pareceu capaz de conduzi-la por esse caminho. Tinha 20 anos mais do que ela. Mas, depois de ser obrigada a viver dois anos na provincia, deixou-o e divorciou-se.
Regressou a Paris e ligou-se novamente à vida boemia dos artistas, tentando a pintura, sem exito. Arriscou, depois, o palco, sempre através dos circulos ultranacionalistas do bairro boemio de Paris, mas não pôde mais do que aparecer algumas poucas vezes em papéis secundarios no palco do "Odeon". Cedo deixou o teatro pelo jornalismo, graças à intima amizade que a ligava a Desiré Ferry, diretor do "La Liberté", orgão politico que fazia o jogo de Laval. Foi então que Madeleine Laferiére adotou o nome de Magda de Fontanges, redatora politica e enviada especial. Faria carreira de qualquer maneira, mesmo à custa de golpes sensacionais.

Os escandalos

E assim foi. Bela, com 25 anos apenas, fazia a cobertura do Quay d'Orsay com extraordinaria eficiencia, usando para isso todo o seu fascinio. Teve um dia a idéia de entrevistar Aristide Briand e para tanto, começou a trabalhar os funcionarios nos corredores. Em um momento qualquer, entretanto, por calculo ou não, aplicou duas bofetadas num dos funcionarios, causando um escandalo dos diabos. No dia seguinte, a imprensa falou dessa arrojada jornalista. Ela declararia que o funcionario lhe dirigira propostas indecorosas.
Pouco mais tarde, quando precisou de mais um pouco de notoriedade, enviou uma carta anonima à policia, dizendo que em sua residencia havia colocado uma bomba que explodiria a qualquer momento. A policia mobilizou-se para o caso e Magda a recebeu vestindo um "robe" transparente, de estilo oriental. Fotografos à vontade, interrogatorios, buscas. E nada da bomba. Chegou-se à conclusão de que ela mesma fizera a denuncia em busca de publicidade.

Com Mussolini

Mas seu nome se tornaria celebre em 1936, quando foi enviada pelo jornal a Roma. Então, sua sêde de aventuras não teve limites. Apresentou-se a Achille Starace, secretario do Partido Fascista, com uma carta de recomendação para obter uma entrevista com o "Duce". Starace encaminhou-a a Dino Alfieri, secretario da Propaganda, que jamais repudiava uma aventura amorosa.
Através de Alfieri, a jornalista Magda conseguiu sua primeira entrevista com Mussolini, exatamente no dia 21 de abril de 1936, no Palacio Veneza. Do ponto de vista profissional, a entrevista não foi grande coisa. Todavia, Magda conseguiu fazer uma declaração de amor ao ditador. Poucos dias mais tarde, Roma inteira sabia das ligações do "Duce" com a jornalista francesa. Ela mesma fazia questão de anunciar aos quatro cantos que estivera com Mussolini numa sala privada do palacio e, mais tarde, escreveria sobre o assunto. O ambiente, no palacio e nos orgãos do Partido Fascista, começou a tornar-se carregado, pela presença dessa mulher a quem Mussolini, mesmo em publico, não deixava de demonstrar afeto. As contas de hotel eram pagas pelo Ministerio da Propaganda.
Não demorou o dia em que foi convidada a deixar a Italia. Indignada, dirigiu-se a Mussolini, pelo correio, sem receber resposta, pois ao que parece o "Duce" não recebia as cartas. Os telefonemas eram impossiveis. Ameaçou fazer um escandalo na porta do Palacio de Veneza e isso determinou que ela fosse afinal recebida por Mussolini, que lhe deve ter prometido o céu, pois Magda deixou Roma afirmando que regressaria para viver definitivamente na capital italiana. Regressou, realmente, muitas vezes, mas já sem poder rever o "Duce".

Barbiturico

Numa dessas ocasiões, depois de fracassarem todas as tentativas no sentido de rever Mussolini, decidiu suicidar-se. Tomou muitos comprimidos de barbiturico e deixou sobre o leito uma carta dirigida a Mussolini. Foi salva a tempo e a carta desapareceu nas mãos da policia de Bocchini. Decidiu-se então, expulsá-la discretamente do país, às vesperas da visita de Goering à Italia.
De Paris escreveu para Mussolini: "Vosso nome é o unico que venero neste mundo. Sois o dono de meu destino. Mas parece-me infinitamente justo acrescentar que um daqueles que destruiu meus sonhos tenha de pagar por tudo". Comprou um revolver e decidiu matar o conde de Chambrun, embaixador da França em Roma, que então estava em Paris e que tivera participação ativa nos trabalhos de expulsão da bela jornalista da italia.
Aguardou-o na estação do Norte, à noite, pois Chambrun partiria para Bruxelas. Quando o embaixador surgiu, Magda aproximou-se e deu ao gatilho. "Mataram-me!", gritou em panico o embaixador. Mas o ferimento era leve. Magda apresentou-se aos policiais: "Fui eu", disse. Mas o embaixador, para evitar escandalos, evitou denuncia formal, o que não impediu que Magda fosse julgada. Durante o julgamento diria: "Quis vingar-me contra os que me impediam de conquistar a felicidade. Eu amo Mussolini".
Foi Floriot quem a defendeu e, por isso, foi condenada a apenas 1 ano de reclusão. Depois disso, foi o ocaso. Quando saiu, um empresario norte-americano lhe propôs trabalhar num "music hall", devendo ser apresentada como "a mulher que fez virar a cabeça de Mussolini", mas o governo francês interveio e não lhe concedeu o "visto" de saida.

Espiã

No inicio da guerra, Magda tentou fugir para a Espanha, mas foi presa e pouco depois libertada pelos alemães, que a utilizaram como espiã. Colaborou com a "Gestapo" na qualidade de agente de informação sob o nome de "Helene 80.006", atuando sobretudo na campanha de repressão aos judeus, aos quais ela impiedosamente denunciava. Tornou-se amiga do inspetor Bony, homem de confiança da policia nazista. Terminada a guerra, foi presa e após julgamento pelo tribunal militar de Bordéus condenada a 15 anos de trabalhos forçados por ter colaborado com o nazismo. Foi libertada em 1952, graças a uma anistia mas confinada na região de Melun. Um ano depois com nome falso, voltou a Paris, onde abriu um "inferninho". Sobre as prateleiras das garrafas colocou o retrato de Pétain. Descoberta foi novamente presa e cumpriu mais dois anos de prisão. Quando saiu, fez ameaças de "explodir bombas que comprometeriam" todo o mundo politico francês. Mas era outra. Sofria de disturbios da circulação e caiu presa de uma terrivel depressão nervosa que a fazia acreditar estar sofrendo de um tumor maligno. Deve ter vindo a Genebra para consultar algum medico. Talvez tenha consultado. Ao deitar no quartinho da sede das "Jeunes Filles", matou-se, sem deixar nada escrito. Ou talvez não se tenha suicidado. No quarto havia apenas alguns pares de calçados e uma bolsa velha.


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