CHOQUES NO ATLÂNTICO SUL

Ingleses resistem; morrem três soldados argentinos

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 5 de abril de 1982

A resistência durante a ocupação das ilhas Geórgia do Sul, a 1.800 km das Malvinas, provocou a morte de três soldados argentinos, a queda de um helicóptero e danos numa corveta, segundo informação do chanceler britânico, John Nott. Buenos Aires confirmou as mortes, mas desmentiu as demais perdas. Os ingleses não sofreram baixas porque as tropas argentinas têm instruções de respeitar vidas e propriedades britânicas no Atlântico Sul, disse um comunicado oficial argentino.
A Grã-Bretanha está disposta a lutar pelas Malvinas, afirmou o ministro John Nott. A Argentina anunciou que vai respeitar a resolução da ONU que pede o fim das hostilidades, mas não abandonará as ilhas. O presidente Leopoldo Galtieri enfatizou que seu país lutará "com toda a força disponível" se for atacado. Hoje, parte a força-tarefa britânica de 40 navios em direção às Malvinas. Buenos Aires cancelou o pagamento de sua dívida externa com a Inglaterra, em represália pelo congelamento dos bens argentinos decretado por Londres.
Em Brasília, o porta-voz do Itamarati, Bernardo Pericás, confirmou que a Argentina solicitou ao Brasil que represente seus interesses na Grã-Bretanha.

Argentinas lutará com toda a força, adverte Galtieri

A Grã-Bretanha está disposta a combater pela posse do arquipélago das Malvinas, ocupado na sexta-feira por tropas argentinas, afirmou ontem, em Londres, o ministro da Defesa, John Nott. "Vamos restaurar a administração britânica nas ilhas Falkland (nome inglês das Malvinas), ainda que tenhamos que lutar", disse ele, reafirmando que seu país estava mobilizando "a maior força naval existente fora das duas superpotências". Em Buenos Aires, o presidente Leopoldo Galtieri advertiu que a Argentina, se for atacada por "ar, mar ou terra", lutará "com toda a força disponível".
Na ocupação das ilhas Geórgias do Sul, segunda etapa da operação "recuperação" desencadeada pelos argentinos no Atlântico Sul, morreram três militares invasores. Segundo o ministro britânico John Nott, os 22 fuzileiros navais da guarnição local reagiram ao desembarque argentino derrubando um helicóptero e avariando uma corveta com foguetes antitanques disparados de bazuca. Um comunicado oficial argentino confirma as mortes mas nega a existência de danos em helicópteros ou navios.
Os militares argentinos intimaram Grytviken, capital das Geórgias do Sul, à rendição - informou o comunicado argentino - recebendo a resposta de que não havia pessoal militar britânico na área. "Dois helicópteros iniciaram o desembarque. Ao pousar o segundo aparelho, tropas inglesas, cuja existência tinha sido negada, abriram fogo de surpresa sobre os helicópteros e pessoal, cusando três baixas argentinas". O contingente britânico rendeu-se em seguida, sem sofrer baixas porque, de acordo com Buenos Aires, os soldados argentinos têm instruções de respeitarem vidas e propriedades britânicas. A escaramuça ocorreu antes da ONU solicitar o fim dos hostilidades , acrescentou o comunicado.

Frota Britânica

Durante todo o fim de semana, os dois porta-aviões, "Invencible" e "Hermes", o barco de assalto "Fearbless", destróieres armados de mísseis teleguiados e fragatas, num total de 40 embarcações de guerra, receberam munições, armas, veículos e abastecimentos. Essa frota, a maior força-tarefa mobilizada pela Grã-Bretanha desde a crise do Suez, em 1956, partirá da base naval de "Portsmouth" hoje, para uma viagem de 10 mil quilômetros até as ilhas Malvinas.
O Navio-capitânia da força-tarefa é o porta-aviões "Invencible", de 28,5 mil toneladas, que tem entre seus tripulantes o princípe Andrew, piloto de helicóptero e segundo na linha de sucessão do trono. Essa frota, que corresponde a dois terços da Armada britânica - e ao dobro da esquadra argentina - será reforçada por outra, proveniente de Gibraltar. O encontro será na ilha de Ascension, no meio do Atlântico, para onde aviões têm transportado víveres, munição e combustível. Em caso de um conflito armado entre Grã-Bretanha e Argentina, as forças inglesas poderão utilizar a base portuguesa de Lajes, nas ilhas Açores, como ponto de abastecimento da frota, conforme anunciou ontem o ministro do Exterior de Portugal, Leonardo Matias.
A força-tarefa levará cerca de 15 dias para atingir a região das Malvinas. Durante esse período, Londres tentará resolver a crise por via diplomática, apesar do chanceler John Nott ter enfatizado, ontem, que no momento uma solução negociada "não parece possível". A posição britânica foi reforçada pela resolução das Nações Unidas, no sábado, que solicitou o fim das hostilidades e a retirada imediata das forças militares argentinas do arquipélago e a busca de uma solução negociada para o litígio.
A Argentina vai respeitar a decisão da ONU quanto ao fim das hostilidades e início de negociações, disse ontem o chanceler argentino, Nicanor Costa Mendez. Por sua vez, o presidente Galtieri reafirmou que "de nenhuma maneira desistiremos dos direitos históricos que temos sobre as ilhas austrais, nem nos retiraremos dos territórios recuperados pelas Forças Armadas que representam o povo da nação". Galtieri, que também é comandante do Exército argentino, advertiu que "de nenhuma maneira vamos aceitar pressões militares".

NAS ILHAS - A situação "voltou ao normal", informou sábado a noite o rádio-amador identificado como "Bob", que transmite clandestinamente das imediações de Port Stanley (ou Puerto Rivero, como a capital das Malvinas foi rebatizada pelos argentinos). Ele disse que os rádios-amadores locais esforçam-se por perturbar as comunicações de rádio entre as forças argentinas em terra e os navios no mar.
Seis ou sete soldados britânicos estão escondidos no interior da ilha Soledad, a segunda em importância nas Malvinas, informou o jornal portenho "Clarin". As autoridades argentinas os exortaram a render-se para serem repatriados, mas não receberam resposta. Os militares argentinos acreditam que os fuzileiros navais estão escondidos "com a cumplicidade de algum fazendeiro do interior". Eles estariam armados com fuzis automáticos, mas possivelmente carecem de recursos para subsistirem desabrigados naquela região de clima rigoroso.
Por outro lado, a presença de navios de guerra britânicos nas proximidades da Argentina foi oficialmente desmentida em Buenos Aires. O secretário de imprensa da presidência da Republica, Rodolfo Baltierrez, disse que não são verdadeiras as notícias de que o submarino nuclear "Superb" teria sido detectado ao largo de Mar del Plata, 400 km ao sul de Buenos Aires.

Buenos Aires deixa de pagar sua dívida à Grã-Bretanha

BUENOS AIRES - A Argentina decidiu suspender o pagamento de sua dívida à Grã-Bretanha, até que seja conhecido o alcance das medidas econômicas anunciadas pelo governo britânico, informou ontem em Buenos Aires o ministro da Economia, Roberto Alemann, depois de ter se reunido com o presidente, general Leopoldo Galtieri. A medida afeta as operações em divisas argentinas ou estrangeiras que implicam uma transferência a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Reino Unido e na Irlanda do Norte.
Essa decisão, disse Alemann, é uma resposta ao bloqueio de fundos argentinos determinado por Londres em represália à invasão das ilhas Malvinas.
Segundo ainda o ministro, as medidas adotadas pela Argentina têm um caráter cautelar e transitório.
Alemann não precisou o montante do valor que a Argentina deve atualmente à Grã-Bretanha e que, segundo fontes britânicas, ascenderia a 400 milhões de libras esterlinas.
A decisão de congelar os bens argentinos só poderá ter impacto a longo prazo. A medida reflete bem mais o desejo de Londres de não continuar fornecendo aos argentinos as facilidades específicas de seu importante mercado financeiro.
Em compensação, a decisão de não garantir os créditos às empresas que exportam para a Argentina poderia ter um efeito muito mais imediato, na medida em que poderá levar essas empresas a interromperem suas exportações.
Atualmente, as exportações britânicas à Argentina somam 150 milhões de libras esterlinas, enquanto que a Argentina exporta cerca de 114 milhões de libras para a Grã-Bretanha.
Londres também suspendeu todas as vendas de armas à Argentina, anunciou um comunicado do Ministério do Comércio. A Argentina "está igualmente excluída da lista de países que recebem determinadas peças de aviões, motores de aviões e outros equipamentos afins mediante licenças normais de exportação". O embargo britânico afeta uma encomenda de oito helicópteros "Lynx", fabricados pela empresa britânica Westland e que deveriam ser entregues proximamente à Marinha argentina.

Desmentido

O Ministério de Relações Exteriores da Argentina desmentiu que o governo tenha oferecido aos Estados Unidos "facilidades para a instalação de uma base naval nas ilhas Malvinas".
Respondendo em um comunicado a certas informações da imprensa, a chancelaria desmentiu "categoricamente" qualquer fundamento nesse tipo de versão.

Soviéticos pedem 'razão e calma'

O governo da União Soviética exortou ontem a Argentina e a Grã-Bretanha a resolver sua disputa em torno das ilhas Malvinas com "razão e calma" e não mediante as armas, afirmou ontem em Moscou a agência oficial Tass. O governo soviético, que se absteve de votar em favor da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que pediu para Buenos Aires retirar suas tropas das Malvinas, vinha até o momento mantendo silêncio a respeito do conflito.
Em Pequim, um funcionário do governo declarou que "a China não pode apoiar a resolução britânica" aprovada sábado no Conselho de Segurança da ONU, porque integra os não-alinhados. Disse que seu país deseja que se encontre uma solução "pacífica e justa" por meio de negociações bilaterais. O funcionário também manifestou a preocupação do governo a respeito da evolução do conflito entre Londres e Buenos Aires.
Em Jerusalém, o primeiro-ministro Menachen Beguin aproveitou a reação da Grã-Bretanha no conflito para justificar a presença israelense nos territórios ocupados na guerra de 1967 contra o Egito. "Tomamos nota de que a Grã-Bretanha está disposta a lutar pelas Malvinas, que se encontra a oito mil milhas de suas costas. Levando isso em conta, podemos esperar de nossos amigos da Inglaterra e de todos os lugares que nos compreendam melhor e não continuem a pedir-nos que aceitemos um poder estrangeiro sobre as partes de nossa pátria situadas a menos de uma milha de nossa capital e a poucas milhas da maioria de nossos centros povoados", disse Beguin.
Em Tóquio, setores do governo japonês propuseram a concessão de alguns direitos sobre as Malvinas à Argentina, como meio de evitar a guerra. "A ação violenta da Argentina, que talvez tenha pensado que pode se apoderar das Malvinas pela força militar em vista da atual debilidade econômica e militar da Grã-Bretanha, deve ser severamente censurada, por intermédio das Nações Unidas", disse um funcionário do governo.

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