ASSINADO O PACTO DO ATLANTICO

Sobre os objetivos da nova aliança discursaram durante o ato os chanceleres dos paises signatarios

Publicado na Folha da Manhã, terça-feira, 5 de abril de 1949

Neste texto foi mantida a grafia original

Reafirmado o desejo de paz de todas as nações participantes

WASHINGTON, 4 - Doze nações da Europa e da America, muitas delas preocupadas pelas atividades da União Sovietica, firmaram, esta tarde, uma aliança defensiva por vinte anos, conhecida pelo nome de pacto de Defesa do Atlantico Norte, e pela qual se comprometem a empregar a força, se necessario for, para defender qualquer dos paises signatarios que venha a ser vitima de agressão. Os paises signatarios são a Belgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Islandia, Italia, Luxemburgo, Noruega e Portugal, representando uma população total de cerca de 350 milhões de pessoas. O pacto foi assinado pelos ministros das Relações Exteriores dos respectivos paises, que se reuniram para esse fim em Washington.

A cerimonia teve lugar no auditorio do governo, adornado com decorações em azul e ouro, cujo exterior, com numerosas, colunas, se assemelha a um templo grego. Sentado perto da mesa onde estavam os chanceleres, encontrava-se o presidente Truman, que pronunciou um discurso durante o ato. Outros lugares da grande sala estavam ocupados por cerca de 1.300 pessoas, inclusive funcionarios oficiais, congressistas, membros do corpo diplomatico e jornalistas. A cerimonia foi irradiada para quase todas as partes do mundo, sendo que para a Grã-Bretanha e Estados Unidos foi transmitida pela televisão.
A conclusão da aliança defensiva representa uma historica mudança na politica externa dos Estados Unidos, que, pela primeira vez, participam de um pacto com paises do ultramar. A causa dessa importante modificação foi a intranquilidade existente nos Estados Unidos e em outras democracias ocidentais, em consequencia das ameaças comunistas contra a Grecia e a Turquia, a implantação do regime extremista na Tchecoslovaquia, o bloqueio de Berlim e as tentativas para perturbar a ordem interna na França e Italia. Ante o temor de que se repetisse o caso da Alemanha, que submete diversos países aos seus desígnios, as democracias ocidentais trataram de se proteger mutuamente por meio do Pacto do Atlantico Norte.
No preambulo do Pacto, as altas partes contratantes dizem que "estão determinadas a proteger a liberdade, as tradições e a civilização comuns de seus povos, baseadas nos principios da democracia, liberdade individual e imperio da lei".
A união Sovietica opôs-se oficialmente ao tratado hoje firmado, alegando que o mesmo tem fins agressivos, mas os paises signatarios refutaram essas acusações, assinalando que o Pacto somente entrará em execução se qualquer uma das nações signatarias for atacada.
O secretario de Estado, sr. Dean Acheson, em declarações alusivas ao ato, disse: "As nações que se uniram neste Pacto sabem que as guerras não produzem beneficios. Talvez outros paises não estejam convencidos disso, como nós o estamos. O Pacto do Atlantico Norte deve ajudá-los a convencer-se dessa verdade".
Presidiu a cerimonia o sr. Dean Acheson. Cada um dos chanceleres pronunciou breves palavras e, depois, falou o presidente Truman, momentos antes de ser assinado o tratado, o que foi feito por ordem alfabetica, começando com a Belgica. Os signatarios do pacto foram os srs. Paul Henri Spaak, da Belgica; Lester B. Pearson, do Canadá; Gustav Ramussen, da Dinamarca; Robert Schuman, da França; Bjarni Benediktson, da Islandia; Carlo Sforza, da Italia; Joseph Decm, do Luxemburgo; Dirk U. Stikker, da Holanda; Halvard M. Lange, da Noruega; José Caeiro da Mata, de Portugal; Ernest Bevin, da Inglaterra, e Dean Acheson, dos Estados Unidos.
Embora as nações latino-americanas não participem da aliança defensiva, sua influencia, contudo, se fez sentir, em consequencia do Tratado de Defesa Interamericano do Rio de Janeiro, firmado em setembro de 1947, pelo qual se comprometeram a prestar ajuda mutua, no caso de ameaça a uma delas.
Os Estados Unidos são signatarios do Tratado do Rio de Janeiro, e sua participação no novo pacto está de acordo com a sua tradicional politica expressada pela Doutrina de Monroe, de proteger o hemisferio ocidental contra ameaças do ultramar.
O Pacto do Atlantico Norte entrará em vigor logo que seja ratificado pela maioria dos signatarios. A sua principal disposição está contida no seguinte artigo: Um ataque contra qualquer das potencias signatarias é considerado como um ataque contra todas elas".


Advertencias à União Soviética

Nos discursos pronunciados durante a cerimonia, os chanceleres dos paises signatarios reiteraram suas advertencias à Russia, no sentido de que o mundo ocidental empunhará armas, se necessario for no caso de se verificar uma agressão.
O titular do Departamento de Estado, sr. Dean Acheson, disse que, para aqueles que buscam a paz, o Pacto constitui um guia e um auxilio, e, para os que dirigem seus passos pela senda da agressão, é uma advertencia.
Prosseguiu o sr. Acheson: "A verdadeira natureza do Pacto se encontra na afirmação dos valores morais e espirituais que regem esse instrumento pois os signatarios se propõem defender, por todos os meios possiveis, os objetivos da paz. É conveniente porem, que esses designios sejam conhecidos de todos. E foi com esse objetivo que deliberamos levar o texto do pacto ao conhecimento do mundo"
Por sua vez, o chanceler italiano, conde Carlo Sforza, disse que as nações que já enfrentaram duas guerras mundiais, numa só geração, contemplam agora, com esperança e confiança, esse tratado. "A Italia - disse - vê nessa aliança um passo decisivo para a paz, num mundo livre e unido. Esse pacto é um instrumento no qual se destaca o proposito de deter, mediante a nossa união, todo movimento agressivo. Constituirá um dos acontecimentos mais nobres e generosos da historia da humanidade".
O sr. Dirk U. Stikker, da Holanda, afirmou que "a aliança marca o fim da ilusão de que as Nações Unidas seriam suficientes, por si proprias, para proteger a paz internacional, acrescentando que o tratado, porem, assinala o nascimento de uma nova esperança de paz duradoura. Seus opositores, todavia, dizem que o seu objetivo é a guerra. Isso é uma inverdade. A sua finalidade é a paz, não por meio de uma nova guerra, mas a paz agora e no futuro".
O chanceler da Dinamarca, sr. Gustav Rasmussen, acentuou: "ao firmar o tratado do Atlantico Norte, em nome da Dinamarca, faço-o porque é ele um instrumento da paz e porque não tem outro proposito senão o da defesa comum, no caso de se produzir um ataque contra uma das potencias signatarias".
Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores de Portugal, sr. José Caeiro da Mata, declarou que, "mais do que nunca, torna-se necessario defender os principios e as posições que ocupam no mundo aqueles povos que são depositarios dos ideais da civilização ocidental. Dir-se-ia que se repete agora, em torno do Atlantico, em escala muito maior, aquela situação que os povos antigos conheceram, quando as mais belas conquistas do espirito humano e os mais altos expoentes da civilização se concentraram no pequeno e restrito espaço das obras dos seus grandes classicos. Portugal quer afirmar que não vê no Pacto do Atlantico Norte mais que um instrumento de defesa e de cooperação internacionais".
O chanceler norueguês Lange, por sua vez, disse: "Não podemos fechar os nossos olhos ante o fato de que, por motivos que todos conhecemos, as Nações Unidas não podem oferecer a segurança por que haviamos ansiado. A grande maioria do povo norueguês acredita que o Tratado de Defesa do Atlantico Norte é um acontecimento que pode influir decisivamente no curso da Historia e aproximar o dia em que todas as nações poderão trabalhar juntas pela paz e a liberdade".
O sr. Pearson, do Canadá, salientou que o tratado, por si proprio, não garante a paz, porem, fornece a promessa de segurança e maior estabilidade de que gozamos hoje em dia. O nosso Pacto não é uma superlinha Maginot contra o aniquilamento; não é uma simples ação defensiva contra a agressão, pelo contrario, é o ponto do qual partiremos para o novo ataque contra todas aquelas forças do mal, que ergueram obstaculos em nosso caminho para a paz e justiça".
O chanceler Spaak, da Belgica, frisou que "o novo pacto é exclusivamente defensivo, pois não é dirigido contra ninguem. Não ameaça a ninguem e, em consequencia, não deve provocar ansiedade em nenhum povo, exceto às pessoas que alimentam idéias criminosas de recorrer à guerra. Os povos aqui representados detestam a guerra e seus governos compartilham desse sentimento. O Pacto do Atlantico põe a serviço da civilização e da paz os meios mais poderosos de defesa que já existiram".

Declarações de Bevin e Schuman

O chanceler britanico Ernest Bevin reiterou que a aliança não significa que haja diminuido o interesse ou a decisão da Grã-Bretanha de ajudar outros paises, em outras partes do mundo. Acentuou que o tratado é consequencia de certas atividades que haviam frustrado os esforços dos paises amantes da paz, dentro das Nações Unidas.
Bevin concluiu dizendo que o pacto assegurava à humanidade "nossa determinação de ajudar todos os povos do mundo a viver em boa vizinhança".
Por sua vez, o chanceler da França, sr. Robert Schuman, recordou que seu pais havia sido invadido por três vezes, nos ultimos sete anos, e que, por isso, havia apoiado constantemente a criação da Organização Internacional"
A solenidade terminou às 16 h 15, quando o sr. Dean Acheson, como representante dos Estados Unidos e ultimo signatario, após a sua assinatura ao Pacto de Defesa do Atlantico Norte.

Declaração do ministro do exterior do Luxemburgo

WASHINGTON, 4 - Antes de assinar o Pacto do Atlantico, o ministro do Exterior do Luxemburgo, sr. Joseph Beck, proferiu breve oração, no decorrer da qual declarou que o novo tratado "constitui uma sequencia logica do Pacto de Bruxelas".

Discurso do chanceler islandês

WASHINGTON, 4 - Discursando durante a cerimonia da assinatura do Pacto do Atlantico, o sr. Benedktsson, ministro Exterior da Islandia, salientou que a participação de seu pais na aliança ora concluida significava que, em caso de guerra, o governo islandês pediria de novo a proteção dos Estados Unidos, como o fizera durante o segundo conflito mundial.
O sr. Benedktsson declarou tambem que o povo islandês, embora tenha permanecido desarmado desde os tempos dos Vikings, deseja proclamar sua decisão de pertencer à comunidade das nações livres

A União Sovietica não se fez representar

WASHINGTON, 4 - Nenhum membro das representações sovieticas em Washington, cujo pessoal foi oficialmente convidado, compareceu à assinatura do Pacto do Atlantico Norte.
Igualmente, não compareceu nenhum delegado dos demais paises da Europa Oriental.

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