MILHARES DE ARGENTINOS DIZEM ADEUS A PERON
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 1974
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Gigantescas filas de populares formaram-se ontem diante do Palacio
do Congresso, em Buenos Aires, onde está exposto em, camara
ardente o corpo do falecido presidente argentino, general Peron.
Cenas de dor intensa são vistas nas ruas da Capital argentina,
nas quais abertamente homens e mulheres choram pela perda de seu lider.
A atmosfera no país é de sincera consternação;
em sinal de luto praticamente todas as atividades cessaram na Argentina.
Os funerais de Juan Peron foram marcados para amanhã.
A presidente da Argentina, Maria Estela Martinez de Peron, confirmou
ontem todos os ministros e secretarios do Poder Executivo que integravam
o gabinete do general Peron.
Aparentemente, a primeira decisão da nova presidente será
se embalsamará ou não os despojos de seu marido. Uma
primeira decisão havia sido anunciada de não embalsamar
ou conservar de qualquer forma os restos mortais do ex-presidente.
Mas, à noite, indicava-se que o governo argentino alteraria
essa decisão, inicialmente adotada em cumprimento a desejo
expresso pelo general Peron.
Ontem, se anunciou em Brasília que o ministro da Justiça,
sr. Armando Falcão, representará nosso país no
funeral do presidente argentino.
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Amanhã
começa a grande incerteza |
Francisco Barreira
Nosso enviado especial
BUENO
AIRES - Ontem foi a missa na Catedral e o impressionante velorio
no Congresso.
Hoje será o enterro, no cemiterio de Chacarita, quando, novamente,
o povo sairá às ruas, em silencio, para a última
homenagem ao grande líder, o maior sem duvida, de toda a
historia da Argentina.
Mas amanhã, será iniciado o grande teste para Maria
Estela Martinez de Peron, a Isabel ou Isabelita.
Amanhã, findas as exequias de Juan Domingo Peron. Maria Estela,
esta mulher de 43 anos, de aparencia fragil, pequena estatura e
feições comuns, inicia a tarefa enorme de governar
um país traumatizado.
Ela será a primeira mulher a assumir a chefia de Estrado
em um pais americano, mas a sua principal dificuldade está
em seu proprio sobrenome: Peron.
Porque ainda que tivesse todos os meritos, ela chega a presidencia
unica e exclusivamente pelo fato de ser a viuva de Juan Peron, que,
quase por um capricho (ou por sabedoria politica) a fez eleger-se
vice-presidente da Argentina.
A imagem de Isabella, nascida e crescida politicamente à
sombra de Peron, fortalece os argumentos de que ela não reune
as condições necessarias para governar o país.
Mas esta é a imagem superficial, algo deturpada. Na verdade,
só o fato de ter convivido com Peron durante quase 18 anos,
primeira como sua secretaria, depois como sua mulher, autoriza o
raciocinio de que pelo menos alguma coisa ela aprendeu.
Além disso, nas três vezes em que assumiu a presidencia,
as duas primeiras por motivos de viagens do presidente Peron, Maria
Estela deu mostras de que, ao menos formalmente, estava à
altura do cargo.
O principal argumento a seu favor é, no entanto, o seu desempenho
nos anos que antecedem o retorno de Peron à Argentina, quando
deu mostras de dominio completo sobre a ciência e a arte políticas.
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Peronismo
sem Peron |
A primeira experiencia política da atual presidente ocorreu
em 1965,m quando teve que viajar a Buenos Aires para garantir a unidade
do movimento peronista. Nessa epoca o exilio de Juan Peron em Marijá
assumia feições de coisa definitiva e os proprios peronistas,
na Argentina, começavam a desenhar o perfil de um "peronismo
sem Peron".
Em dezembro de 1971, pela segunda vez, Maria Estela viria a Buenos
Aires. Desta vez avizinhava-se a fase de institucionalização
do país. Os limitares no poder usavam de todos os estratagemas
para dividir o peronismo e negociar com lideres locais e não
com o grande lider ausente. Mais uma vez, como em 1965. Isabelita
soube dosar habilidades com energia e voltou a Madri podendo informar
a seu marido exilado que o peronismo continuava coeso na Argentina.
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Função
decorativa |
Durante a rápida estada de Peron na Argentina em fins de 1972
e com seu retorno definitivo em junho de 1973, Maria Estela, embora
sempre sujeita a que se lhe atribuisse uma simples função
decorativa, em nenhum momento deixou de agir e de fazer política,
a ponto de reunir-se sem torno dela, uma das principais facções
do peronismo, a qual se saiu vitoriosa, pelo menos até o momento.
Assim, não há por que duvidar de sua capacidade para
governar o país, por mais que se tente recordar seu passado
de bailarina. Na verdade, Maria Estela de Peron tem enormes problemas
pela frente, mas estes problemas advêm de um outro aspecto:
a sua posição política.
Justamente por não se omitir, Isabelita tornou-se o centro
do que se poderia chamar a direita peronista, cujo primeiro coadjuvante
é o ministro do Bem-Estar Social e ex-secretatio particular
de Peron, José Lopez Rega. O segundo coadjuvante desse grupo
é o ministro da Economia, o polonês naturalizado argentino
José B. Gelbert.
Isabelita, Rega e Gelbert formam o coeso trio que praticamente assumiu
o controle do país mesmo antes do falecimento de Juan Peron,
contando com a benevolencia do ex-presidente e com o apoio decidido
dos setores ortodoxos (direitistas da poderosa CGT - Confederação
Geral dos Trabalhadores).
Esse caso e habilidoso trio está agora vitorioso. Afinal, conseguiu
suceder a Juan Peron, mas sua fragilidade está no fato de ser
facção e uma facção muito contestada .
Peron agia como um pedulo que buscava seu equilibrio balançando
ora para a direita, ora para a esquerda. O atual trio governante é
exatamente um dos extremos que o pendulo às vezes chegava a
tocar para imediatamente iniciar o caminho de volta, em busca do equilibrio.
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A
legalidade continuará |
Nos primeiros dias, talvez semanas, de seu governo, Maria Estela possivelmente
não será diretamente contestada, pelos seguintes motivos:
A) As Forças Armadas consideram absolutamente precipitado tomar
qualquer atitude agora, enquanto o país está traumatizado
e ainda chora o seu grande lider
B) Os partidos de centro não preonistas, tendo à frente
a União Radical de Ricardo Balbin, tentarão negociar
com Isabelita e talvez conseguir com ela maiores privilegios do que
os lhes oferecia Peron.
C) Os partidos de esquerda e a poderosa esquerda peronista têm
consciencia de sua fragilidade momentânea e sabem que contestar
Isabelita agora seria abrir as portas para o retorno dos militares
ao poder.
Assim, como que tocados por um inesperado e nunca antes revelado espírito
de legalidade, todos os setores politicos do país, desde a
extrema direita até a extrema esquerda, passando pelas Forças
Armadas, fazem votos democraticos e conclamam a que se respeite a
Constituição.
O pronunciamento do contra-almirante Emilio Massera, ministro da Marinha
(tradicional reduto direitista) poderia ser, assinado ou emitido pelo
partido comunista e vice-versa.
Ninguém quer mexer na caixa de abelhas, pelo menos até
que as coisas estejam mais claras e as relações de força
definidas. Desce assim sobre o país, um véu de legalidade
e constitucionalismo insuspeitado há poucos meses ou há
poucos dias. Protegida por esse véu, Maria Estela Martinez
de Peron poderá ganhar tempo e firmar-se no poder, ou poderá
pôr as coisas a perder se não souber assumir a posição
pendular magistralmente desempenhada por seu falecido marido.
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