POMPIDOU ESTÁ MORTO

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 3 de abril de 1974

Neste texto foi mantida a grafia original

A morte apanhou ontem Georges Pompidou em pleno esforço de executar a pesada herança-tarefa legada pelo general De Gaulle: manter a grandeza da França. O sentimento de estar se desincumbindo desta missão, aliado ao indisfarçavel gosto pelo poder, o levou a manter-se na Presidencia mesmo depois que a doença atingiu um estagio em que já era impossivel escondê-la. Aos que especulavam sobre o assunto, ele respondia com veemencia: "Minha saúde é assunto meu".
Na realidade, não era. A complexidade da politica internacional, a posição especial da França neste contexto e os delicados equilibrios da politica interna exigem uma presença vigorosa à frente do governo francês. Pompidou, aos 62 anos, mal podia caminhar e, embora os boletins oficiais insistissem em apresentá-lo como simples portador de gripes ou sofrendo de indisposições por estafa, não contestou quando um jornalista norte-americano afirmou categoricamente que o presidente da França era vitima de leucemia.
Não se conhece ainda o seu testamento politico, nem se sabe se ele existe. Em todo caso, os candidatos mais provaveis para substitui-lo são bastante conhecidos: Chaban Delmas, ex-primeiro-ministro; Valery Giscard d'Estaing, ministro das Finanças, Michel Debré e outros.
As eleições presidenciais estavam marcadas para 1976. Serão antecipadas, certamente. Esta é uma das mudanças na vida politica dos seguidores de De Gaulle. O que não muda é o adversario e o seu representante - a esquerda francesa -, que novamente tentará chegar ao poder com François Mitterand, do Partido Socialista, em coligação com o Partido Comunista.

O franco cai

Anunciada a morte do presidente, às 21 horas (hora local), o franco sofreu imediata desvalorização no mercado livre, passando de 4,56 para 5 francos por dolar. As emissoras de televisão interromperam sua programação normal e passaram a transmitir um documentario sobre Pompidou. Nas ruas, entretanto, o movimento continuou normal.

Luto no Brasil

Logo que tomou conhecimento da morte de Pompidou, o presidente Ernesto Geisel decretou luto oficial de três dias em todo o País, a partir de ontem. Ao mesmo tempo, designou nosso embaixador na França, general Lira Tavares, para representar o governo brasileiro nas cerimonias de sepultamento e enviou mensagens de condolencias ao governo francês e à familia Pompidou.
A noticia chegou ao Palacio do Planalto no final do expediente, através de um telefonema do embaixador Azeredo Silveira, ministro das Relações Exteriores.

O fim de um drama pessoal e das perguntas indiscretas

PARIS - Durante muitos meses, a saúde de Pompidou constituira-se numa preocupação constante para os franceses. Ele proprio, porém, declarou: "Minha saúde é assunto meu". Particularmente, seu rosto inchado impressionava os observadores.
Extra-oficialmente, porta-vozes franceses atribuiram o inchaço à cortisona que o presidente tomava para aliviar uma dolorosa artrite. Outros, no entanto, especulavam sobre a possibilidade de Pompidou sofrer de mieloma, uma espécie de tumor formado na medula ossea, ou de leucemia.
Apesar de as informações oficiais sempre aludirem a fadiga, gripe ou hemorróidas, a imprensa francesa acreditava que o presidente sofria de cancer osseo.
Um comunicado oficial divulgado dois minutos após a primeira noticia confirmou a morte do chefe de Estado francês. Vinha assinado pelo professor Jean Vignalou, médico presidencial, e o boletim dizia laconicamente: "O presidente Pompidou morreu em dois de abril de 1974 às 21 horas (horario local). A "causa mortis" não foi revelada.
O anuncio da morte foi feito poucas horas depois de terem sido canceladas todas as funções oficiais do presidente "para os proximos dias", devido a seu precario estado de saúde.
A grande bandeira tricolor no Palacio do Eliseo foi arriada silenciosamente, em respeito ao mandatario desaparecido.

A doença

Funcionários do governo, ao anunciar ontem a suspensão das atividades oficiais do presidente, declararam que não podiam oferecer uma explicação sobre a molestia que o afligia.
Boletins médicos divulgados pelo palacio presidencial desde a primeira indisposição de Pompidou, há um ano, falavam vagamente de fadiga, gripe ou, como da ultima vez, em 21 de fevereiro passado, de uma afecção vagamente definida como hemorróidas.
Pompidou delegou parte de seus poderes presidenciais ao primeiro-ministro Pierre Messmer e deu instruções para que hoje presidisse uma reunião do Ministerio, segundo um comunicado do secretário-geral da Presidencia, Edouard Baleadur.
O chefe de Estado mostrava saúde precaria desde o começo de 1972, três anos após assumir o poder, depois de sua vitoria nas eleições de 15 de junho de 1969. Era presidente interino depois da morte do general Charles de Gaulle, fundador da Quinta Republica Francesa, o mesmo que Alain Poher.
Nas ultimas semanas, ajudado por sua mulher, Claude, refugiava-se com crescente frequencia em sua residencia particular, afastada do palacio, para descansar em virtude da fadiga provocada por sua saúde precaria.

O ritmo reduzido

Pompidou viajara recentemente à União Soviética para conferenciar com o secretário-geral do Partido Comunista, Leonid Brejnev, mas, nos dias anteriores, havia cancelado uma visita ao Japão e adiado a viagem prevista a Bonn para entrevistar-se com Willy Brandt.
Apesar de suas aflições e do precario estado de saúde, Pompidou continuou a trabalhar ainda que em ritmo reduzido. Na quarta-feira passada, presidiu a reunião semanal do gabinete e, na sexta-feira, recebeu Pierre Messmer e Michel Jobert.

O herdeiro

As primeiras pessoas a serem informadas de sua morte foram o primeiro-ministro Messmer e o chanceler Michel Jobert.
Messmer assumiu imediatamente as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas e guardião da chave das Forças Nucleares da França.
Um funcionário do Palácio declarou desconhecer se Pompidou deixou alguma carta, ou testamento politico, no qual indicasse o candidato de sua preferência.

Eleições

Declarada a vacancia em definitivo da Presidencia deverão ser realizadas novas eleições presidenciais num prazo mínimo de 20 dias e, no máximo, 35 dias, salvo casos de força maior, assim considerados pelo Conselho Constitucional.
Nesse pleito, enfrentam-se a maioria (composta por gaullistas e aliados), que se mantem no poder há 16 anos, e a poderosa oposição esquerdista do "programa comum".
No plano constitucional, implica na designação do presidente do Senado, Alain Poher, como chefe de Estado provisório, até que se realizem eleições presidenciais.
A Constituição francesa estabelece que o presidente interino tem todas as prerrogativas inerentes ao cargo, mas não tem o direito de convocar plebiscitos ou dissolver a Assembléia Nacional.

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