Clóvis Rossi
Enviado especial a Nova York
A crise
do golfo Pérsico completa um mês hoje, trazendo como
principal e paradoxal consequência uma difusa saudade da Guerra
Fria. A teoria da saudade se fundamenta na avaliação
de que um mundo com múltiplos pólos de poder é
menos previsível do que um mundo que vivia sob a polarização
EUA-URSS.
Mas, se a existência de uma só superpotência,
os Estados Unidos, certamente o torna mais previsível, o
problema é que os norte-americanos não querem e não
podem pagar pela estrutura militar que detêm. O fim da Guerra
Fria gerou não um mundo multipolar, mas um mundo em que há
um gigante com sérios problemas econômicos e candidatos
a gigantes que não agem como tal.
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Clóvis Rossi
Enviado especial a Nova York
A crise
do golfo Pérsico, a primeira da era pós-Guerra Fria,
completa um mês hoje, trazendo como principal e paradoxal
consequência uma difusa saudade da Guerra Fria.
É verdade que bom antes do presidente iraquiano, Sadam Hussein,
invadir o Kuait, no dia 2 de agosto, já havia nos Estados
Unidos o receio de que o fim da Guerra Fria talvez não fosse
exatamente o paraíso. Em setembro de 1989, o segundo homem
na hierarquia do Departamento de Estado, Lawrence Eagleburger, já
suspeitava: "Com todos os seus riscos e incertezas, a Guerra
Fria se caracterizou por uma marcante estabilidade e um conjunto
de relações previsíveis entre as grandes potências".
Mas a ofensiva de Sadam Hussein e a perspectiva de conflito em uma
área em que estão enterrados quase US$ 13 trilhões
em petróleo (ao custo atual de US$ 27 o barril) trouxeram
à vida real o que parecia ser apenas exercício acadêmico
ou diplomático.
"Administrar crises no Terceiro Mundo é, como Sadam
Hussein nos obrigou a lembrar, muito mais complicado e exigente
do que deter o aventureirismo soviético", escreve John
Newhouse na revista "The New Yorker".
A revista "The Atlantic Monthly", por sua vez, dedica
a sua capa de agosto justamente ao tema "porque nós
logo vamos sentir saudades da Guerra Fria". É um resumo
de um artigo do professor da Universidade de Chicago John Mearsheimer,
escrito antes da crise e que passou a circular profusamente no Departamento
de Estado.
A essência da teoria da saudade repousa na avaliação
de que um mundo com múltiplos pólos de poder é
menos previsível e, portanto, menos seguro do que o velho
mundo da Guerra Fria.
A imprevisibilidade de fato existe. Mas a teoria tem pelo menos
um furo essencial: é no mínimo discutível que
o mundo pós-Guerra Fria seja multipolar. Na prática,
o que a crise no Golfo está provando é que ficou de
pé um único país, os Estados Unidos, com força
ao mesmo tempo econômico e militar para merecer o nome de
superpotência.
Uma só superpotência pode não tornar o mundo
melhor, mas certamente o faria mais previsível, se não
fosse um problema: "Os americanos se sentem confortáveis
por terem uma grande estrutura militar, mas não querem e
nem podem pagar por ela", resume o economista Jeffrey Garten,
que está terminando um livro sobre a competição
EUA-Japão-Alemanha no pós-Guerra Fria em outras.
Palavras, o papel de xerife do mundo recuperado pelos Estados Unidos,
serviu para: 1) Inflar o orgulho da sociedade. "O trauma do
Vietnã deve ter mesmo desaparecido, porque presume-se de
novo que os EUA não podem perder", escreve em "Newsweek"
Jonathan Alter, duro crítico da escalada militar no Golfo;
2) Mas serviu também para que os americanos exijam dividir
o peso. "Assim como os EUA não mais dominam a economia
mundial (...), nós não deveríamos continuar
dominantes no fornecimento de músculos militar para conter
ameaças à economia mundial", escreve para o "Los
Angeles Times" o senador democrata Clairbone Pell, presidente
do Comitê de Relações Exteriores do Senado.
Fica claro que o fim da Guerra Fria gerou não um mundo multipolar
mas um mundo em que há um gigante com sérios problemas
econômicos (os EUA) e candidatos a gigantes que não
agem como tais (Japão e Alemanha). O jogo mundial de xadrez
ficou menos perigoso, sem dúvida, mas ficou também
muito mais complicado e instigante.
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