COMPLETADOS NA CONFERÊNCIA DA CRIMÉIA OS PLANOS MILITARES PARA O ANIQUILAMENTO FINAL DA ALEMANHA

Roosevelt declara que nunca as potências aliadas estiveram tão intimamente unidas

Em discurso no Congresso, o presidente dos Estados Unidos relata os resultados da reunião dos três líderes

Publicado na Folha da Manhã, sexta-feira, 02 de março de 1945

Neste texto foi mantida a grafia original

WASHINGTON, 1 - É o seguinte o texto do relatório do presidente Roosevelt, sôbre a Conferência da Criméia, apresentado pessoalmente hoje ao Congresso, em sessão conjunta:
"É bom estar de volta à pátria. Foi uma longa jornada. Espero que todos concordem em que foi uma jornada útil. Falando com tôda a franqueza, a questão de se saber se ela foi inteiramente útil, ou não, está em grande parte nas vossas mãos, pois que, a não ser que todos vós, no recinto do Congresso dos Estados Unidos, com o apoio do povo americano, concorram nas decisões alcançadas em Yalta, dando-lhes o vosso apoio ativo, aquela reunião não terá produzido resultados duradouros.
Essa é a razão pela qual aqui me apresento, perante vós, o mais rapidamente possível, após o meu regresso. Desejo fazer um relatório pessoal a vós e ao mesmo tempo ao povo dos Estados Unidos. Numerosos meses de trabalho árduo estão a frente de todos nós, e gostaria de sentir que, quando fôr lançada a última pedra da estrutura da paz internacional, esta terá sido obra em benefício da qual todos nós, da América, trabalhamos com determinação e altruisticamente. Retorno desta jornada, que me levou a 7 mil milhas de distância da Casa Branca, tranquilizado e inspirado. Os Roosevelts não são, como podeis pensar, avessos às viagens. Muito pelo contrário. Por mais distante que estivesse, mantive-me sempre continuamente informado do andamento dos negócios dos Estados Unidos. O milagre moderno das comunicações rápidas fêz com que êste mundo se tornasse muito pequeno, e devemos ter sempre isso em mente, quando pensarmos ou falarmos de relações internacionais.
Recebi durante minha jornada uma verdadeira torrente de telegramas de Washington e, exceto quando o silêncio do rádio era necessário por motivos de segurança, pude enviar continuamente os meus telegramas a qualquer parte do mundo e, como é natural, em caso de grave emergência, poderíamos até mesmo ter quebrado a regra da segurança."

Os dois objetivos da Conferência da Criméia

"Venho da Conferência da Criméia com a firme crença de que tivemos um bom princípio na estrada que conduz à paz mundial. Na Conferência da Criméia, tínhamos dois propósitos primordiais: o primeiro era levar à derrota a Alemanha, com a maior rapidez possível e com a menor perda possível de soldados aliados. Êsse objetivo está sendo agora visado com as maiores fôrças disponíveis. O exército e o povo alemães estão sentindo cada vez mais o poder crescente dos nossos combatentes e dos exércitos aliados. Cada hora nos dá novo orgulho, em resultado do avanço heróico das nossas tropas sôbre o solo alemão, marchando para se unir ao heróico exército russo.
O segundo propósito consistia em continuar na construção dos fundamentos do acôrdo internacional, que trará a ordem e a segurança após o caos da guerra, e que poderá proporcionar garantias de uma paz duradoura às nações do mundo. Também na direção dêsse objetivo tremendos esforços estão sendo feitos. Em Teerã, há mais de um ano, foram apresentados grandes planos militares pelos chefes de Estado Maior das três mais poderosas nações. Entre os líderes civis aliados presentes em Teerã, verificou-se apenas a troca de pontos de vista e expressões de opinião. Não houve acordos políticos e, aliás, não se tentou estabelecer nenhum. Na Conferência da Criméia, porém, verificou-se ter chegado o momento de estudar casos específicos no terreno político. Assinalaram-se de todos os lados, nessa conferência, esforços entusiásticos para atingir um acôrdo. Desde a época da Conferência de Teerã desenvolveu-se entre todos nós maiores facilidades para negociações uns com os outros, o que augura a duradoura futura paz do mundo.
Jamais oscilei na minha crença de que um acôrdo para assegurar a paz mundial e a segurança internacional pode ser alcançado. O lapso de tempo, entre Teerã e Yalta, sem uma conferência de representantes civis das três maiores potências, provou ser por demais longo, pois foi de 14 meses. Durante êsse longo período, os problemas locais puderam tornar-se agudos em regiões como na Polônia, na Grécia, na Itália e na Iugoslávia. Por essa razão, decidimos em Yalta que, mesmo que as circunstâncias tornassem impossível aos chefes de Estado dos três governos reunirem-se mais a miúdo no futuro, faríamos tudo ao nosso alcance para que houvesse contatos pessoais mais frequentes para a troca de pontos de vista. De acôrdo com essa divisão, ficou determinada a reunião periódica dos ministros do Exterior da Inglaterra, Rússia e Estados Unidos em intervalos de 3 ou 4 meses. Estou certo de que, com essa nova medida, não se repetirão os incidentes que êste inverno perturbaram os amigos da colaboração mundial.
Quando nos reunimos em Yalta, além de lançarmos os fundamentos dos nossos planos estratégicos e táticos para a vitória militar completa e final sôbre a Alemanha, estudamos também numerosos problemas de consequências políticas de primordial importância. Em primeiro lugar, havia os problemas da ocupação e contrôle da Alemanha, após a vitória, a destruição completa de seu poder militar e a garantia de que nem o nazismo nem o militarismo prussiano poderiam renascer e tornar a ameaçar a civilização mundial.
Em segundo lugar, havia o apaziguamento de pequenas divergências que ainda permaneciam entre nós, no que concerne à organização da segurança internacional, após a Conferência de Dumbarton Oaks.
Em terceiro lugar, havia alguns problemas políticos e econômicos comuns a tôdas as regiões que haviam sido ou seriam libertadas dos nazistas.
Em quarto lugar, havia os problemas especiais criados pela Polônia e Iugoslávia."

Nunca as potência aliadas estiveram tão intimamente unidas

"Vários dias foram dispendidos nas discussões dêsses momentosos assuntos, e, de nossa parte, argumentamos livre e francamente à mesa da conferência. Ao final das discussões, surgiu um acôrdo unânime sôbre todos os pontos. E mesmo mais importante do que um acôrdo de palavras, posso dizer que alcançamos a unidade de pensamento e a maneira de prosseguirmos de mãos dadas. Era esperança de Hitler que não chegássemos a um acôrdo, que uma ligeira fenda surgisse na sólida muralha da unidade aliada, fenda que lhe daria e aos seus "gangsters" uma última esperança de escapar ao seu destino justo. Êsse foi o objetivo que a máquina de propaganda alemã visou alcançar nestes últimos meses. Mas Hitler fracassou. Jamais, em ocasião alguma, as grandes potências aliadas estiveram tão intimamente unidas, não só nos seus objetivos de guerra, como também nos seus objetivos de paz. E elas estão determinadas a continuar unidas e com tôdas as nações amantes da paz, para que o ideal de uma paz mundial duradoura se transforme numa realidade.
Os chefes de Estado Maior da Rússia, da Inglaterra e dos Estados Unidos realizaram reuniões diárias uns com os outros e conferenciaram frequentemente com o marechal Stalin, com o primeiro ministro inglês, sr. Winston Churchill, e comigo, sôbre o problema da coordenação dos esforços estratégicos e táticos de todas as fôrças aliadas. Nessa tarefa, completaram seus planos para o aniquilamento final da Alemanha.
Por ocasião da Conferência de Teerã, a frente russa estava tão afastada das frentes britânica e americana que, embora certa cooperação estratégica de longo alcance fôsse possível, não era permitido às nações aliadas realizar uma coordenação diária tática. Mas as tropas russas cruzaram agora a Polônia e estão combatendo no solo oriental da Alemanha; as tropas britânicas e americanas encontram-se agora em solo alemão, junto ao Reno, na frente ocidental. Hoje, a situação é diferente. Uma ligação tática mais íntima tornou-se possível e, na Conferência da Criméia, esta ligação foi realizada.
Foram tomadas as providências para um intercâmbio diário de informações entre os exércitos sob o comando do general Eisenhower e o dos marechais soviéticos, na frente oriental, e ainda entre os exércitos aliados na Itália, sem que essas informações precisem obrigatoriamente passar pelos chefes de Estado Maior em Washington e Londres, como no passado.
Já foi possível ver-se um resultado dêsse intercâmbio de informações no recente bombardeio por aviões americanos e inglêses de pontos que estão diretamente relacionados com o avanço russo sôbre Berlim. De agora por diante, os bombardeadores pesados americanos e britânicos serão utilizados no apoio diário de nossas próprias fôrças na frente ocidental. Atualmente, êsses aparelhos estão empenhados no bombardeio e metralhamento de objetivos estratégicos, visando prejudicar ou mesmo impedir o movimento das reservas de materiais alemãs destinadas às frentes oriental e ocidental e procedentes de outras partes da Alemanha e da Itália.
Foram também tomadas as providências para uma distribuição mais eficaz de todo o material disponível e para o transporte aos locais onde êsses materiais possam ser melhor utilizados, num esfôrço de guerra combinado americano, britânico e russo.
Os pormenores de todos êsses planos e arranjos são segredos militares, mas êles apressarão o dia do colapso final da Alemanha.
Os nazistas já estão sentindo mais de perto os seus sofrimentos. Amanhã, essa proximidade aumentará ainda mais, e o mesmo acontecerá no dia seguinte, e todos os dias não haverá tréguas para os alemães. Não desistiremos um momento sequer da nossa tarefa, até que se consiga a rendição incondicional. O povo e os soldados alemães deverão compreender que, quanto mais cedo desistirem e se renderem aos grupos ou individualmente, tanto mais cedo sua presente agonia cessará."

A rendição incondicional não significará a escravização da Alemanha

"Os alemães devem compreender que, só através de uma rendição completa, poderão se restabelecer novamente como povo, que poderia ser aceito como um vizinho decente. Esclarecemos novamente em Yalta, e aqui repito de novo, que a rendição incondicional não significa a destruição ou a escravização do povo germânico. Os líderes nazistas sustiveram deliberadamente essa parte da declaração de Yalta, não a distribuindo à imprensa e ao rádio alemão. Procuram êles convencer o povo da Alemanha de que a declaração de Yalta significa escravidão e destruição para todos os alemães, pois essa é a forma pela qual os nazistas esperam salvar sua própria pele e ludibriar seu próprio povo, para que êle continue uma resistência inútil. Entretanto, esclarecemos devidamente, nessa conferência, o que realmente significa para a Alemanha a rendição incondicional. Significa o domínio temporário da Alemanha pela Inglaterra, Rússia, França e Estados Unidos. Cada uma dessas nações ocupará e dominará uma zona separada da Alemanha, e a administração das 4 zonas será coordenada em Berlim pelo Conselho de Contrôle, composto pelos representantes das 4 nações.
A rendição incondicional também significa o fim do nazismo e do Partido Nazista e de tôdas as suas leis e instituições bárbaras. Significa o fim de tôda a influência militar na vida pública, privada e cultural da Alemanha. Significa, para os criminosos de guerra nazistas, uma punição rápida, justa e severa. Significa o completo desarmamento da Alemanha, a destruição do seu militarismo, do seu equipamento militar e da sua produção de armamentos, a dispersão de tôdas as suas fôrças armadas e o desmembramento permanente do Estado Maior alemão, que por tantas vêzes abalou a paz do mundo. Significa que a Alemanha terá de fazer reparações em espécie dos danos que causou às vítimas inocentes de sua agressão. Obrigando a Alemanha a reparações em espécie, em fábricas, em máquinas, em material rodante e em matérias-primas, evitaremos o êrro feito após a última guerra, ao exigirmos reparações em forma de dinheiro, que a Alemanha jamais poderia pagar. Não queremos que o povo alemão pereça a míngua ou se torne um pesado fardo para o resto do mundo. Os nossos objetivos no contrôle da Alemanha são simples e visam assegurar a paz do mundo do futuro. Grandes experiências nos demonstraram que êsse objetivo será impossível de atingir se a Alemanha retiver a capacidade de fazer guerras de agressão. De outro lado, êsse mesmo objetivo não prejudicará o povo alemão. Muito pelo contrário, protegê-lo-á contra a repetição de fatos que o Estado Maior e o "kaiserismo" lhe impuseram antigamente e que o "hitlerismo" impôs agora, com cem vêzes mais fôrça. Nossa tarefa consistirá em remover o câncer do povo alemão, que durante gerações produziu apenas a miséria e o sofrimento para todo o mundo.
Durante minha permanência em Yalta, vi exemplos da fúria, da implacabilidade e da destruição que resultam do militarismo alemão.
Yalta não tinha significação militar de espécie alguma e não tinha defesas. Antes da primeira guerra do século XX, foi a estância balneária dos czares e da aristocracia da Rússia. Depois disso e até a invasão da União Soviética pelos alemães, os palácios e "vilas" de Yalta foram utilizados como centros de recreação do povo russo. Os oficiais nazistas apoderaram-se dêles para seu próprio uso e, quando o exército russo expulsou os nazistas da Criméia, os palácios e "vilas" de Yalta foram saqueados pelos nazistas e depois foram destruídos, não sendo nem a mais modesta das casas poupada pelos alemães. Nada mais restou em Yalta senão ruína e desolação. Sebastopol também foi teatro de destruição. Somente 12 edifícios ficaram intatos em tôda a cidade. Além disso, li o que sucedeu com Varsóvia, Lídice, Roterdam e Coventry. Além disso, vi Sebastopol e Yalta e agora sei que não há espaço bastante nesta terra para o militarismo alemão e para a decência cristã."

A organização internacional da paz

"De igual importância às providências militares tomadas na Conferência da Criméia, são os acordos alcançados quanto à organização internacional geral para o estabelecimento de uma paz duradoura. Os fundamentos desta foram lançados em Dumbarton Oaks. Houve, porém, em Dumbarton Oaks, um ponto em tôrno do qual não foi alcançado o almejado acôrdo. Êsse ponto abrange o processo de votação no Conselho de Segurança. Na Conferência da Criméia, os americanos fizeram uma proposta sôbre êsse assunto, proposta que, depois de discussões amplas, foi unânimemente aprovada pelas outras duas nações. Ainda não me é possível anunciar os têrmos daquele acôrdo publicamente, mas isso acontecerá dentro em breve. Quando forem conhecidas as conclusões tomadas na Conferência da Criméia no que diz respeito à votação no Conselho de Segurança, acredito que julgareis razoável a solução dêsse complicado e difícil problema. Ela é fundada na justiça e assegurará a cooperação internacional na manutenção da paz.
Uma conferência de tôdas as nações unidas do mundo reunir-se-á em São Francisco, no dia 25 de abril, e lá tôdas as nações esperam confiantemente executar uma carta definida da organização, sob a qual a paz do mundo será preservada e as fôrças da agressão, consideradas permanentemente fora da lei.
Desta vez, não faremos o êrro de esperar até o fim da guerra para estabelecer a máquina da paz. Desta vez, à medida que combatemos juntos para por têrmo à guerra o mais ràpidamente possível, trabalhamos juntos para evitar que a guerra se repita novamente. Tenho pleno conhecimento do fato constitucional, como tôdas as nações unidas, de que esta carta deverá ser aprovada por dois têrços do Senado dos Estados Unidos, assim como também outras providências tomadas em Yalta. O Senado dos Estados Unidos, através dos seus representantes apropriados, foi mantido constantemente informado do programa dêste govêrno na criação de uma organização de segurança internacional. O Senado e a Câmara dos Representantes estarão ambos representados na Conferência de São Francisco. Delegados congressistas à Conferência de São Francisco serão em igual número republicanos e democratas. A delegação americana àquela conferência será, no sentido completo da palavra, sem partido.
A paz mundial não é uma questão de partido e muito menos uma vitória militar. Quando a nossa república foi pela primeira vez ameaçada pela ambição nazista de conquista mundial, em 1940, e depois pela traição japonêsa, em 1941, o partidarismo e a política foram postos de lado por quase todos os cidadãos americanos e todos os recursos foram aplicados na tarefa que deveria preservar a segurança comum. É de se esperar, portanto, a mesma consagração à causa da paz, por todos os patriotas americanos e por todos os entes humanos do mundo. A estrutura da paz mundial não pode ser trabalho de um homem, de um partido ou de uma nação. Ela não pode ser uma paz americana, ou uma paz britânica, russa, francesa ou chinesa. Ela não pode ser a paz das grandes nações, ou das pequenas nações. Precisa ser a paz que repouse no esfôrço cooperativo de todo o mundo. Ela não poderá ser uma estrutura de perfeição completa a princípio, mas poderá ser paz e será paz verdadeira, baseada nos princípios sólidos e justos da Carta do Atlântico, na concepção da dignidade humana e nas garantias de tolerância e liberdade de religião e culto.
À medida que os exércitos aliados marcharam na direção da vitória militar, livraram povos cujas liberdades haviam sido esmagadas pelos nazistas durante quatro anos e cuja economia foi levada à ruína pelos nazistas. Houve exemplos de confusão política e de intranquilidade nessas regiões libertadas, como na Grécia, na Polônia, na Iugoslávia e em outras regiões. Pior ainda, nessas regiões começou a crescer, de forma vagamente definida, a idéia de "esferas de influência", incompatível com os princípios básicos da colaboração internacional. Se tivéssemos permitido que o seu desenvolvimento prosseguisse, essa idéia poderia ter tido trágicos resultados. É inútil tentar lançar a culpa dessa situação a esta ou àquela nação em particular, pois que se trata de uma espécie de acontecimento que é quase inevitável, a não ser que as três maiores potências do mundo continuem a trabalhar ininterruptamente juntas e a assumir uma conjunta responsabilidade para a solução dos problemas que possam surgir e pôr em perigo a paz mundial."

O auxílio das grandes potências aos países libertados

"Reunimo-nos na Criméia determinados a resolver o problema das regiões libertadas. Sinto-me orgulhoso ao confirmar ao Congresso que conseguimos um acôrdo, um acôrdo unânime. As três nações mais poderosas do mundo concordaram que os problemas políticos e econômicos das regiões libertadas do jugo nazista, ou de qualquer nação satélite do "eixo", constituem responsabilidade conjunta dos três governos. Estas agirão em conjunto durante o período temporário de instabilidade, após as hostilidades para auxiliar o povo das regiões libertadas, ou de qualquer antigo Estado satélite, a resolver seus próprios problemas, através de processos democráticos solidamente estabelecidos. Os três governos esforçar-se-ão por ver que as autoridades dos governos provisórios, nessas regiões, sejam tão representativas quanto possível de todos os elementos democráticos da população e que as eleições livres se realizem o mais ràpidamente possível.
A responsabilidade pelas condições políticas predominantes a milhares de quilômetros de distância já não pode mais ser evitada por esta grande nação. Como já disse, o mundo é bem pequeno. Os Estados Unidos exercem agora vasta influência em favor da causa da paz em todo o mundo e continuarão a exercer essa influência só se fôr da sua vontade continuar a compartilhar da responsabilidade pela manutenção dessa mesma paz. Seria para nós uma trágica perda, se agora fugíssemos a essa responsabilidade. As decisões finais concernentes aos diferentes teatros da guerra serão tomadas em conjunto, e por essa razão serão muitas vêzes o resultado de compromissos que têm duplo caráter: o da concessão de favores e o do recebimento de outros. Os Estados Unidos não terão sempre, em tudo, cem por cento a seu favor, nem a Rússia nem a Grã-Bretanha. Não teremos sempre soluções ideais para os complexos problemas internacionais, muito embora estejamos continuamente determinados a avançar na direção de nossa meta. Mas estou certo de que, sob os acordos alcançados em Yalta, surgirá uma Europa política mais estável do que nunca. Como é natural, uma vez que haja expressão livre da vontade dos povos, em quaísquer países, a nossa responsabilidade imediata cessará, com exceção única de uma ação que possa vir a ser objeto de acôrdo na organização da segurança internacional.
As nações unidas também em breve precisarão começar a prestar o seu auxílio às regiões libertadas, para que estas possam reconstruir de forma adequada a sua economia e, de seu lado, também possam reassumir o lugar que lhes cabe no mundo. A máquina de guerra nazista privou-as das matérias-primas, das máquinas, dos caminhões, dos vagões e das locomotivas. Deixou suas indústrias paralisadas e grande parte de sua agricultura inteiramente desmantelada. Se conseguirmos que as rodas e as engrenagens da vida normal de um país possam começar a girar de novo, não estaremos apenas prestando um socorro; será em benefício do interêsse nacional de todos nós que essas regiões libertadas tenham restaurada sua capacidade de se apoiarem a si próprias, dispensando um socorro contínuo da nossa parte."

A Polônia ressurgirá livre, independente e próspera

"Um dos exemplos notáveis da ação conjunta das três maiores nações aliadas nas regiões libertadas é a solução do problema da Polônia. Tôda a questão polonesa era uma fonte potencial de conflito na Europa de após-guerra, mas fomos à Conferência da Criméia determinados a achar um denominador comum para sua solução. E o achamos. Nosso objetivo consistia em prestar nossa colaboração, para criar uma nação forte, independente e próspera, com um govêrno que será, em última análise, escolhido pelo próprio povo polonês. Ainda mais. Para alcançar êsse objetivo, era necessário determinar a formação do novo govêrno polonês, de caráter muito mais representativo do que era possível, enquanto a Polônia estivesse escravizada. Consequentemente, foram tomadas as providências necessárias em Yalta, para reorganizar o govêrno provisório existente na Polônia em mais amplas bases democráticas, de forma a incluir os líderes democráticos atualmente em território polonês e os outros ainda no exterior. Êste novo govêrno polonês, reorganizado, será reconhecido por todos nós como govêrno temporário da Polônia. Contudo, o novo govêrno provisório polonês de União Nacional terá de assumir o compromisso de fazer realizar eleições livres, logo que seja possível, na base do voto secreto e do sufrágio universal.
Durante a história da Humanidade, a Polônia foi o corredor através do qual foram desencadeados os ataques à Rússia. Por duas vêzes a Alemanha atacou a Rússia através dêsse corredor. Para garantir a segurança européia e a paz mundial, torna-se necessária uma Polônia forte e independente. A decisão tomada quanto às fronteiras da Polônia inclui um compromisso sob o qual os poloneses receberão uma compensação territorial no norte e a oeste, em troca do que perderam em resultado do estabelecimento da linha Curzon. As fronteiras ocidentais polonesas serão permanentemente fixadas na Conferência da Paz. Concordou-se que uma longa linha litorânea seria incluída. É bem conhecido o fato de que as populações a leste da linha Curzon são predominantemente compostas de russos brancos e ucranianos e que as populações a leste da linha Curzon são predominantemente polonesas. Convém lembrar que, em 1919, os representantes das nações aliadas concordaram em que a linha Curzon era, na realidade, a fronteira razoável entre essas populações.
Estou convencido de que o acôrdo sôbre a Polônia, sob as circunstâncias atuais, é o mais esperançoso possível, para que se possa criar um Estado polonês livre, independente e próspero.
Além disso, a Conferência da Criméia foi a reunião das três maiores potências militares, sôbre cujos ombros repousam a principal responsabilidade e o maior fardo da guerra. Embora por esta mesma razão a França não houvesse participado da conferência, ninguém deve presumir que se não tenha reconhecido naqueles trabalhos o papel da França no futuro da Europa e do mundo. A França foi convidada a aceitar uma zona de domínio na Alemanha e a participar como membro número quatro do Conselho de Contrôle Aliado, da Alemanha. Ela foi convidada para participar como potência promotora da Conferência Internacional de São Francisco. Ela será membro permanente do Conselho de Segurança Internacional, com mais quatro outras potências. E finalmente convidamos a França para que se associe a nós nas responsabilidades conjuntas sôbre as regiões libertadas da Europa.
Também chegamos a um acôrdo quanto a Iugoslávia, tal como já foi anunciado em nosso comunicado, acôrdo êsse que já está em processo de execução."

A guerra do Pacífico será longa e custosa

"Como é perfeitamente natural, a Conferência da Criméia versou unicamente sôbre a guerra da Europa e sôbre os problemas políticos europeus, e nada teve a ver com a guerra do Pacífico.
Em Malta, porém, os Estados Maiores combinados, britânico e americano, elaboraram seus planos para incrementar os ataques ao Japão. Os senhores da guerra japonêses sabem perfeitamente que não foram esquecidos. Êles já sentiram a fôrça dos nossos aparelhos "B-29" e dos nossos aviões com base em porta-aviões. Já sentiram o poder naval dos Estados Unidos. E não parecem muito ansiosos em sair de suas tocas para experimentá-lo de novo. Os japonêses sabem o que significa ouvir a frase "Fuzileiros navais norte-americanos desembarcaram" e podemos acrescentar, tendo Iwo Jima em mente, que a situação está em nossas mãos.
Também os japonêses sabem o que está reservado para o território metropolitano do Japão, agora que o general Mac Arthur completou sua marcha magnífica de volta a Manila e que o almirante Chester Nimitz está estabelecendo suas bases aéreas na porta dos fundos do próprio Japão, em Iwo Jima. Entretanto, ainda precisamos percorrer árdua estrada para chegar a Tokio. A derrota da Alemanha não significará o fim da guerra contra o Japão. Muito pelo contrário, a América precisará estar preparada para uma luta, longa e custosa, no Pacífico. Mas a rendição incondicional do Japão é tão essencial quanto a derrota da Alemanha, se quisermos que os nossos planos de paz do mundo logrem êxito. O militarismo japonês precisa ser extirpado, tão completamente quanto o militarismo germânico.
De regresso à pátria, vindo da Criméia, avistei-me pessoalmente com o rei Farouk, do Egito, com o imperador Hailé Seilassié e com o rei Hen Saud, da Arábia Saudita. Nossas conversações tinham de versar em tôrno de assuntos de interêsse comum e elas serão de grande vantagem comum, porque nos proporcionaram a oportunidade de nos encontrarmos, conversar face a face e de trocar pontos de vista através de uma conversação pessoal, ao invés de uma correspondência formal.
Durante minha viagem, tive a oportunidade de ver nosso exército, nossa marinha e nossa aviação em plena operação.
Todos os cidadãos americanos sentir-se-ão orgulhosos das nossas fôrças armadas, como eu me sinto neste momento, se puderem ver e ouvir o que eu vi e ouvi. Contra os soldados profissionais, marinheiros e aviadores mais eficientes do mundo, os nossos homens resistiram, combateram e venceram. Esta é a nossa oportunidade de fazer com que os filhos e netos dêsses heróicos combatentes não tenham de repetir essas façanhas dentro de alguns anos."

Sólido planejamento da paz futura

"A Conferência da Criméia foi um marco na história da América. Em breve será apresentada ao Senado dos Estados Unidos e ao povo americano a grande decisão, que determinará a segurança dos Estados Unidos e do mundo durante as futuras gerações. Não poderia haver têrmo médio. Teremos de assumir a responsabilidade de entrar numa colaboração mundial, ou então teremos de arcar com a responsabilidade de outro conflito mundial. Sei que o planejamento mundial não é encarado com satisfação em algumas seções da opinião pública americana. No entanto, nos nossos negócios internos, trágicos erros foram cometidos pela simples falta de planejamento, enquanto, de outro lado, grandes melhoramentos foram introduzidos na vida humana e grandes benefícios surgiram para a humanidade, em resultado de um planejamento inteligente e adequado como sejam a restauração das regiões desertas, o desenvolvimento de vales fluviais inteiros e a construção de habitações adequadas. O mesmo será verdade no tocante às nações.
Pela segunda vez, esta geração encontra-se face a face com o objetivo de evitar guerras. Para atingir êsse objetivo, as nações do mundo terão ou de elaborar planos ou então nada conseguirão. Mas, agora, um terreno sólido para êsse planejamento foi conseguido e submetido à humanidade, para as devidas discussões e para que seja tomada a decisão final.
Entretanto, nenhum plano é perfeito. Qualquer plano que venha a ser adotado na Conferência de São Francisco terá de ser objeto de profundas meditações durante anos, tal como sucedeu com a nossa própria constituição. Ninguém poderá dizer exatamente quanto tempo qualquer plano durará.
A paz só pode realmente perdurar enquanto a humanidade nela de fato insistir, e enquanto a humanidade se dispuser a trabalhar e a se sacrificar por ela.
Há vinte e cinco anos, os combatentes americanos voltaram-se para os estadistas do mundo, como que numa muda prece, para que êles terminassem o trabalho da elaboração da paz, pela qual haviam lutado e sofrido. Mas, naquela época, fracassamos perante aquêles homens. Entretanto isso não poderá suceder agora, se quisermos que o mundo sobreviva.
A Conferência da Criméia foi um esfôrço das três nações líderes do mundo, realizado com êxito, para encontrar o terreno comum em que a paz possa repousar. Significa o fim de um sistema de ação unilateral de alianças exclusivas, de esferas de influências, de equilíbrio de poderes e, ainda, de todos os outros expedientes que foram tentados durante séculos, mas que malograram.
Propomo-nos, agora, a substituir tudo isso por uma organização universal, na qual tôdas as nações amantes da paz terão, por fim, o direito de ingressar.
Estou confiante em que o Congresso e o povo dos Estados Unidos aceitarão os resultados daquela conferência, como constituindo os primórdios de uma permanente estrutura de Paz, sôbre a qual poderemos começar a construir, com a mercê de Deus, aquêle mundo melhor, no qual deverão viver nossos filhos e netos, vossos e meus, e, na verdade, os de todo o mundo".

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