BEIRUTE SOFRE ATAQUE DECISIVO

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 1982

Apoiadas por intenso bombardeio aéreo, fogo de artilharia terrestre e naval, as forças israelenses lançaram ontem o mais violento ataque contra Beirute desde o início da invasão do Líbano há oito semanas, apertando ainda mais o cerco sobre os seis mil guerrilheiros palestinos sitiados no setor oeste da cidade. As tropas israelenses tomaram o aeroporto internacional de Beirute e avançaram até as imediações do campo de refugiados palestinos de Burjal-Burjaneh, uma das mais importantes fortificações da OLP nesta parte da cidade.
Depois de 13 horas de combates, por interferência do presidente norte-americano Ronald Reagan foi instaurado (a partir das 12 horas de Brasília) o nono cessar-fogo.
A Organização para a Libertação da Palestina admitiu a perda do aeroporto, mas disse que rechaçou uma tentativa de desembarque israelense numa praia próxima ao hotel Summerland, ao norte do bairro de Ulzai. No total, segundo Israel, suas tropas avançaram cinco quilometros em direção ao centro da cidade.
Em Jerusalém, o ministro da defesa, Ariel Sharon, disse que o seu governo jamais afirmou que suas forças "não entrariam em Beirute Oeste". Declarou, entretanto, que Israel "preferia" obter a retirada dos palestinos por meio da "negociação e da diplomacia".
O Conselho de Segurança da ONU decidiu, por unanimidade, enviar observadores ao Líbano, para examinar o cumprimento do cessar-fogo e fazer um levantamento da situação de Beirute e arredores.

Israelenses realizam o maior ataque contra Beirute e ocupam o aeroporto

BEIRUTE - Apoiadas por sistemáticos e intensos bombardeios aéreos, artilharia terrestre e marítima, as forças israelenses que se encontram na periferia de Beirute lançaram ontem o mais violento ataque, desde a invasão do Líbano, contra os 6 mil guerrilheiros da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que se encontram no setor Oeste da cidade. A rádio Voz do Líbano, emissora da falange direitista, disse que os israelenses capturaram o aeroporto de Beirute ao meio-dia e "estavam reforçando suas posições", ao mesmo tempo em que a agência palestina Wafa informava que as forças da OLP rechaçaram, depois de "violenta batalha", uma tentativa de desembarque anfíbio na região do hotel Summerland, ao Norte do bairro de Uzai. Após 13 horas de combate, a rádio oficial libanesa confirmou que um novo cessar-fogo (o nono) entrou em vigor, a partir das 17 horas locais (12 horas de Brasília).
De acordo com a UPI, os soldados israelenses, em movimento de pinça, encurralaram a cúpula dirigente da OLP e seu principal núcleo de combatentes numa zona de 10 por cinco quarteirões, onde predominam escombros, na parte da cidade mais afetada pelos bombardeios. Citando a rádio de Beirute, a UPI disse também que o grosso das tropas israelenses se encontrava ontem a cinco quilômetros do centro da cidade, depois de terem avançado com tanques e blindados até o campo de refugiados de Bourj Barajneh, nas proximidades do aeroporto.
A Agência Wafa denunciou que a aviação israelense lançou, desde as primeiras horas do dia, mais de 150 ataques aéreos contra Beirute Oeste, atingindo alvos civis "indiscriminadamente". Segundo os correspondentes estrangeiros que se encontram na cidade, este foi o bombardeio aéreo mais intenso registrado contra uma capital árabe nas várias guerras em que Israel participou.
O principal objetivo do ataque de ontem foi a ocupação do aeroporto de Beirute, cuja pista tinha sido "terra de ninguém" por mais de sete semanas, com forças israelenses de um lado e as de OLP de outro. Às 7 horas de Brasília, ou seja, nove horas depois de iniciada a batalha, as forças palestinas conseguiam manter ainda suas posições no aeroporto, mas não suportaram por mais tempo o pesado fogo israelense. Até o final da noite, entretanto, não se tinha um balanço das vítimas desses combates.

O ataque

Às 3 horas (locais), pouco antes do amanhecer, Israel iniciou a nova ofensiva por todas as frentes: enquanto a aviação despejava toneladas de bombas, as canhoneiras, armadas com foguetes, submetiam, desde a costa do Mediterrâneo, a duros bombardeios as posições palestinas nos arredores do aeroporto. Houve, ao mesmo tempo, uma tentativa de desembarque na praia próxima ao centro de veraneio mais ao Norte do aeroporto, mas o grupo anfíbio foi repelido pelo fogo da OLP.
Os palestinos, por seu lado, lançavam sem cessar foguetes Katiusha e Granad contra os distritos residenciais da parte oriental (cristã) de Beirute, contra o balneário de Yuniye, ao norte da capital, e contra várias aldeias falangistas nos arredores da cidade. Segundo afirmou um porta-voz militar israelense, vários prédios de Beirute Oriental foram atingidos "em cheio" pelo bombardeio palestino. Também foi atacado o edifício do Parlamento libanês.

Efeitos da fome

Beirute Ocidental continuava sem energia elétrica, água e combustível e alimentos, situação que está provocando revolta na população e autoridades. A mulher do primeiro-ministro libanês, Sah-Shafik Wazzan, completou ontem, juntamente com outras cem mulheres, o primeiro dia de greve de fome, em protesto contra o bloqueio israelense.
"Nossos filhos estão desidratando-se", diz uma enorme faixa branca colocada na entrada da universidade norte-americana de Beirute, numa referência ao bloqueio imposto por Israel aos setores controlados pelos palestinos.
Nestes setores o número de residentes civis é maior do que o de militares e o de libaneses maior do que o de palestinos e, apesar de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, exigindo a suspensão imediata do bloqueio, a medida completou anteontem um mês e, desde a segunda-feira passada, está vigorando com maior rigidez.
Muitos hospitais tiveram de fechar e outros estão prestes a fazê-lo. Milhares de pessoas tomam água poluída e outras já começaram a sentir os efeitos da fome.
O presidente libanês, Elias Sarkis, protestou contra o novo ataque israelense ao enviado especial norte-americano Philip Habib, que, por sua vez, conversou por telefone com o presidente Reagan. Logo depois, Israel concordou em instaurar um novo cessar-fogo.

Condições de Israel

Israel declarou que seu intenso ataque não é sinal de uma invasão em escala total de Beirute Oeste, avisando que só aceitará um cessar-fogo "absoluto e mútuo". O secretário do gabinete israelense, Dan Meridor, disse que os ataques de artilharia, tanques, canhoneiras e aviões contra posições palestinas são uma represália, sem revelar até onde avançarão as suas forças.
O comunicado oficial do gabinete expressou que o embaixador israelense em Washington, Moshe Arens, disse ao governo norte-americano que seu país "está disposto a aceitar um cessar-fogo no Líbano com a condição explícita de que seja absoluto e mútuo".
Meridor disse à imprensa: "Não entramos nos campos de refugiados e Israel não decidiu penetrar em Beirute Oeste."
Alta fonte governamental de Jerusalém disse que os intensos ataques têm o objetivo de "deixar claro que não levaremos a cabo uma guerra de desgaste, que será preciso pagar alto preço por isso, que não há regras fixas para uma resposta israelense e que a pressão aumentará se eles (palestinos) demorarem em dar sua resposta". Acrescentou que o fato de que Israel esperou até agora, sem invadir, "demonstra claramente que queremos uma solução política. Se procedemos militarmente foi porque nos provocaram e acreditamos que temos de obrigar a que o processo político se desenrole em ritmo mais apressado".

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