ASSASSINATO DE INDIRA AGITA A ÍNDIA
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Publicado
na Folha de S. Paulo, quinta-feira, 1º de novembro de
1984
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Neste texto foi mantida a grafia original
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A primeira-ministra indiana Indira Gandhi foi assassinada a tiros,
na manhã de ontem, em Nova Déli, diante da residência
governamental, por dois agentes de sua própria guarda de
segurança. Os assassinos um deles servia há
dez anos na segurança da primeira-ministra pertenciam
à seita sikh e foram mortos por outros agentes. Após
a anúncio do atentado, os sikhs foram caçados nas
ruas das principais cidades do país por multidões
que incendiaram lojas e restaurantes. Uma pessoa morreu e centenas
ficaram feridas. Rajiv Gandhi, filho de Indira, assumiu a chefia
do governo.
Como o Mahatma Gandhi, em 1948, Indira foi assassinada num jardim.
Ela saia de casa para dar uma entrevista ao ator inglês Peter
Ustinov, quando um dos guardas disparou à queima-roupa em
seu peito. "Ela tropeçou e caiu", relatou Sharda
Prasad, seu secretário de imprensa. O segundo guarda descarregou
então sua submetralhadora contra a primeira-ministra. A agência
Associated Press recebeu telefonema anônimo informando que
o atentado fora uma vingança contra a sangrenta invasão,
ordenada por Indira em junho, do Templo Dourado de Amritsar, quando
morreram 800 sikhs.
Em todo o mundo, as reações à tragédia
foram de pesar, condenação e indignação.
O presidente norte-americano, Ronald Reagan, acentuou que "este
crime insensato é uma vívida recordação
da ameaça terrorista que todos nós enfrentamos".
Em Moscou, a agência Tass acusou a CIA norte-americana de
estar implicada no atentado. Washington reagiu, classificando a
acusação de "repugnante e irresponsável".
No Vaticano, o Papa fez uma veemente condenação do
terrorismo. Em Brasília, o presidente Figueiredo decretou
luto oficial de três dias.
O corpo de Indira Gandhi ficará exposto à visitação
pública até sábado, quando será cremado,
numa praça da capital, segundo a tradição hindu.
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Sikhs
assassinam Indira; seu filho é o novo premiê
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A primeira-ministra indiana Indira Gandhi foi assassinada a tiros
na manhã de ontem em Nova Déli, diante da residência
governamental, por dois membros de sua própria guarda de
segurança. Os assassinos pertenciam à seita sikh e
foram mortos por outros agentes do governo. O atentado ocorreu quando
a premiê, de 66 anos, saía de casa e se dirigia ao
jardim situado em frente, numa rua fechada ao tráfego. Oito
horas depois, seu filho Rajiv Gandhi assumiu a chefia do governo.
O atentado causou comoção no país e eclodiram
conflitos violentos entre a maioria hindu e membros da minoria sikh.
Um dos guardas sikh disparou o revólver a queima-roupa e
"ela tropeçou e caiu", disse Sharda Prasad, secretário
de imprensa de Indira. O segundo guarda descarregou sua submetralhadora
no corpo da primeira-ministra. Um outro extremista disfarçado,
foi preso no local. Mais tarde um telefonema anônimo para
a AP assumia o atentado como vingança da seita sikh contra
a invasão de seu Templo Dourado em Amritsar por tropas governamentais
em junho passado. Na ocasião morreram mais de 800 sikhs,
inclusive seu líder máximo, Singh Bhindranwale e 100
soldados.
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Sikhs
no Exército
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Os sikhs são membros de uma seita religiosa que defende a
fundação de um país independente no Estado
do Punjab. Desde a infância os membros dessa comunidade recebem
formação religiosa e militar. Muitos deles fazem carreira,
ocupando postos de importância no Exército e nos serviços
de segurança indianos. O atual presidente da Índia,
Zail Singh, é sikh, só que aliado da premiê
e, por isso, já foi ameaçado de excomunhão
pelos líderes religiosos sikhs.
À tarde, o filho de Indira, Rajiv Gandhi, 40 anos, secretário-geral
do Partido do Congresso, prestou juramento como novo premiê.
Ele tomou posse em reunião de emergência do gabinete,
logo depois que a notícia do assassinato foi divulgada em
todo o país. E pediu à população que
evite manifestações violentas.
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Agente
de confiança
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Indira foi assassinada por um de seus guarda-costas de maior confiança:
o inspetor Beant Singh, que exercia o cargo há dez anos,
informou à AFP um membro dos serviços de segurança
que presenciou o atentado. Beant Singh e o capitão Sawant
Saingh, um guarda-costas nomeado recentemente, dispararam contra
Indira às 9h18 locais (0h48 de Brasília), quando ela
se dirigia para uma filmagem com o ator britânico Peter Ustinov,
que está na Índia rodando um seriado sobre líderes
políticos. Ustinov estava do lado de fora da casa num gramado
onde seria feita a entrevista, junto com o secretário de
Imprensa Sharda Prasad, quando os guardas atiraram. Eles presenciaram
toda a cena. "Tudo estava pronto, o chá servido e ela
caminhava em nossa direção, quando ouvimos três
disparos", contou Ustinov à televisão francesa,
acrescentando: "Por um momento pensamos que fossem fogos de
artifício, mas logo após um dos guardas disparou a
metralhadora contra ela". Segundo a agência France Presse,
o ator teria filmado o atentado.
Sangrando em profusão, Indira foi levada ao Instituto de
Ciências Médicas da Índia onde chegou às
9h32 locais dentro de um veículo militar. Apesar de chegar
sem respiração, pulso, e com as pupilas dilatadas,
os médicos ainda lutaram para salvar sua vida. Ela foi ligada
a um coração e um pulmão artificiais enquanto
uma equipe de 12 médicos tentava - por três horas seguidas
- restabelecer seus sinais vitais e extrair 15 balas de seu tórax.
Tentativa inútil, já que ela perdia muito sangue.
As 13h15 (4h45 de Brasília), agência indiana de notícias
PTI anunciava oficialmente a morte da mulher que governou a Índia
durante quinze dos últimos dezoito anos.
Ainda pela manhã, cem mil pessoas se juntaram torno do hospital,
a maioria gente simples das favelas da capital indiana. Os semblantes
eram de preocupação e foram se tornando desesperados
até se transformaram em cenas de tristeza e revolta que não
eram presenciadas na Índia desde o assassinato do líder
nacional Mahatma Gandhi (que não tinha parentesco com a ex-premiê),
em 1948. Na véspera de sua morte, a estadista parecia ter
uma premonição, ao discursar durante um ato político:
"Mesmo que eu morra a serviço da Nação,
me orgulharei disto. Cada gota de meu sangue contribuirá
para o crescimento da Índia", previa. Como o Mahatma
Gandhi, Indira morreu assassinada no jardim de sua própria
residência.
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"Sou
uma mulher com emprego diferente"
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Banco de Dados
Indira Priya Darshini cuja tradução aproximada
é "encanto para os olhos" - Gandhi foi a única
filha do grande líder nacionalista e primeiro chefe de governo
da Índia independente, Jawaharlal Nehru. Nasceu em Allahabad,
às margens do sagrado rio Ganges, a 19 de novembro de 1917.
Sua família pertencia à casta brâmane, a mais
alta na pirâmide de castas do hinduísmo.
Desde criança Indira mostrou suas fortes inclinações
políticas. Aos quatro anos já acompanhava o pai durante
comícios e passeatas contra o colonialismo britânico.
Indira Gandhi começou seus estudos na cidade natal, ingressando
depois na Unversidade de Shantiniketan. Enviada pelo pai, foi completar
seus estudos na Europa. Aos 21 anos, já era militante do
Partido do Congresso, o qual não demoraria a liderar. Com
24 anos, foi presa, durante três meses, por seu papel como
opositora do governo colonial inglês. Passou sua lua-de-mel
na prisão com o marido Feroze Gandhi, com quem havia se casado
pouco antes e com quem teve mais tarde seus dois filhos: Rajiv e
Sanjay.
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Influências
do pai
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Indira Gandhi foi muito influenciada politicamente pelo pai. As
cartas que ele lhe escreveu da prisão, quando esteve preso
na luta pela independência indiana, foram decisivas nesse
sentido. Filha única, órfã de mãe desde
os 18 anos, ela se transformou numa das mais próximas colaboradoras
de Nehru e sua confidente, especialmente desde que ele ficara viúvo,
em 1936. Com a independência, em 1947, Indira assumiu a responsabilidade
da chefia de todas as cerimônias oficiais.
Em 1959, Indira Gandhi já era presidente do Partido do Congresso,
quando foi nomeada para chefiar o Ministério da Informação
e Rádio do governo de Lal Bahadur Shastri. Com a morte de
Nehru, em 1964, começaria a vida política de Indira
à frente do governo indiano, mais ainda teve que esperar
dois anos, até a morte de Bahadur Shastri, para tornar-se
primeira-ministra em 66. Com ela, a Índia passaria pela chamada
"revolução verde", que duplicaria, em dez
anos, a produção de cereais do país.
Em termos de política externa, aproximou-se gradualmente
da União Soviética, com quem acabaria por assinar
um tratado de amizade em 1971, enquanto se afastava da China e do
Paquistão e mantinha relações frias com os
EUA. Com este último país, a Índia de Indira
travaria violenta guerra, acabando por dividir o vizinho em duas
partes. A parte oriental do Paquistão daria origem ao Estado
independente de Bangladesh. Depois dessa guerra, Indira fortaleceu
consideravelmente sua posição política, o que
permitiu uma esmagadora vitória nas eleições
nacionais de 1972.
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Estado
de emergência
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Dificuldades econômicas e políticas levaram Indira
a decretar o estado de emergência, sob o qual governou de
junho de 1975 até março de 1977. Durante esse período
foi exercida a censura sobre a imprensa e foram detidos dezenas
de milhares de líderes e militantes de partidos oposicionistas.
Indira colocou a Índia entre os possuidores da bomba atômica,
em 1974, mas não conseguiu livrar o país da fome,
da pobreza e do sistema de castas, causa principal das lutas religiosas.
A própria Indira convocaria eleições para março
de 1977, o que lhe valeu uma derrota humilhante, seguida da apresentação
de sua renúncia e a de seu gabinete, após 11 anos
no poder.
Quando já se acreditava que Indira estivesse liquidada politicamente,
ela desencadeou um surpreendente processo de recuperação
que não a impediu de romper a unidade interna de seu partido.
Nas eleições gerais realizadas em janeiro de 1980,
ela voltava ao poder com uma esmagadora vitória. O Partido
do Congresso, a essa altura chamado de Partido do Congresso-I (I
de Indira) obteve nas ocasião quase 80% das cadeiras do Congresso.
O primeiro ano do novo governo seria turbulento, marcado por conflitos
étnicos e religiosos por todo o país. Em junho de
80, seu filho Sanjay, então com 33 anos, considerado seu
herdeiro político, morreria num acidente de aviação.
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Dividir
para governar
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Ao
contrário de Nehru, que desde o início compreendeu
o caráter descentralizado da Índia e procurou fortalecer
o espírito pan-indiano, Indira optou por reeditar algumas
das táticas britânicas de "dividir para governar",
manipulando os dirigentes regionais e aproveitando-se das rivalidades
étnico-culturais e religiosas que caracterizam o país.
Em consequência, acirraram-se os conflitos inter-raciais e
de cunho religioso, além de eclodirem novos movimentos separatistas.
Destes, que chegam a mais de uma dezena, destacaram-se no período
de 1983-84 os graves choques ocorridos entre imigrantes bengaleses
(muçulmanos) e habitantes tradicionais do Estado de Assam
(nordeste da Índia), e a violenta campanha dos adeptos da
seita sikh pela autonomia do Estado de Punjab.
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Um
emprego diferente
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Aparentemente,
Indira Gandhi correspondia ao estereótipo da mulher indiana
imaginado pelo Ocidente: calma, rosto suave, olhos negros, gestos
elegantes, aristocráticos. Vestia-se com simplicidade, usando
saris de algodão e sandálias. Tinha sempre os cabelos
repartidos ao meio e puxados para trás, como tradicionalmente
o usam as mulheres de seu país. Gostava de cozinhar e apreciava
a música clássica ocidental, assim como as canções
folclóricas indianas.
Sobre a posição que alcançou como mulher num
país dominado tradicionalmente por homens, chegou a dizer:
"Não me considero uma mulher. Sou uma pessoa que apenas
tem um emprego um tanto diferente". Como líder, Indira
Gandhi era carismática, contraditória, de personalidade
dominadora, autoritária, com uma surpreendente habilidade
política. Tinha tendência a posições
inspiradas pela social-democracia e apoiava o não-alinhamento
dos países do Terceiro Mundo.
Indira não hesitou em atacar algumas tradições
arraigadas de seu povo. Manifestou-se pelo controle da natalidade,
postura que lhe valeu violenta oposição já
que, em seu governo, houve uma campanha que esterilizou a força
milhares de homens. A forte personalidade de Indira Gandhi fez dela
uma das mais importantes figuras da política mundial neste
século, independente da sombra ofuscante de seu pai e do
carisma místico que seu sobrenome sempre inspirou.
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Rajiv,
o sucessor que apenas queria pilotar
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"Farei
política somente se for para agradar minha mãe",
disse Rajiv Gandhi em 1980, quando, após a morte de seu irmão
Sanjay, começou a ser preparado para ser o sucessor de Indira.
Na qualidade de secretário-geral do Partido do Congresso,
no governo, ele se encontrava ontem em Calcutá quando soube
do assassinato. Regressou imediatamente a Nova Déli. Oito
horas após a morte de sua mãe assumiu a chefia do
governo, numa cerimônia presidida pelo presidente Zail Singh.
O novo primeiro-ministro, 39 anos, tem pouco conhecimento dos problemas
internos da Índia e reduzida experiência em política
internacional, apesar de ter acompanhado sua mãe em diversas
viagens ao exterior, incluindo Washington e Moscou. O poder lhe
chegou às mãos de uma forma inesperada e muito antes
do que previa. Mas carrega com ele a herança e a fama dos
Nehru, apesar do sobrenome Gandhi, recebido de seu pai Feroze, morto
em 1960. Feroze não pertencia à mesma família
de Mahatama Gandhi. O avô de Rajiv e pai de Indira, Jawaharlal
Nehru, governou a Índia durante 17 anos, desde a independência
da Grã-Bretanha em 1947 até 1964. A partir de 66 foi
a vez da mãe Indira.
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De
piloto a político
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Rajiv estudou em escolas particulares do norte da Índia e
depois na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Diplomado, regressou
a seu país e tornou-se piloto comercial da Indian Airlines
onde, durante 14 anos, acumulou mais de sete mil horas de vôo.
Nunca interessou-se por política. Afinal, era seu único
irmão Sanjay o escolhido para suceder Indira. Mas Sanjay
morreu em junho de 1980, na queda de seu avião de acrobacias.
Um ano depois, em junho de 1981, o novo escolhido foi eleito deputado
pelo distrito de Amehti, Estado de Uttar Pradesh, ocupando a cadeira
que fora de seu irmão. Na campanha, contou com o decisivo
apoio da mãe. "Compareço perante vós não
como primeira-ministra, mas como mãe, para pedir votos para
meu filho", disse Indira em um comício. Rajiv enfrentou
as urnas não sem declarar-se cansado: "Nunca andei tanto,
mas reconheço que tenho de conhecer o país antes de
fazer qualquer coisa", declarou na época.
Além das críticas dos líderes políticos
oposicionistas, que o consideravam despreparado para a política,
Rajiv teve de enfrentar Maneka, a mulher de Sanjay, que se considerava
a legítima herdeira política de seu marido. Maneka,
expulsa da família, fundou um partido oposicionista e passou
a oferecer dura oposição a Indira. Mas o escolhido,
sempre apoiado pela primeira-ministra, ganhou prestígio e
em fevereiro do ano passado foi escolhido secretário-geral
do Partido do Congresso, de Indira.
Até ontem ele encabeçava a campanha do partido para
as eleições parlamentares do próximo ano. Alto,
de porte distinto e caracterizado como "um homem franco, duro,
metódico e prudente", Rajiv é casado com uma
italiana e tem dois filhos.
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