O EXÉRCITO DOMINA CRISE NA ARGENTINA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 1º de junho de 1969
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Tropas do Exercito argentino eliminaram ontem os ultimos focos de
franco atiradores na cidade de Cordoba, depois de dois dias de sangrentos
choques de rua, que deixaram um saldo de pelo menos 20 mortos. Enquanto
isso, os tribunais militares ditavam as primeiras e severas penas
de prisão contra os lideres dos trabalhadores e estudantes
amotinados.
Os serviços publicos foram restabelecidos no pais após
a greve geral de sexta-feira. Entretanto, a maior parte da industria
e do comercio continuava paralisada.
Entrementes, a visita do governador Nelson Rockfeller à Bolivia
limitou-se a uma estada de três horas no aeroporto, em virtude
das violentas manifestações de protesto.
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Governo
argentino já domina a situação em Cordoba |
CORDOBA, Buenos Aires, 31 - A luta cessou praticamente em Cordoba,
terceira cidade argentina, que foi cenario, durante as ultimas 48
horas, de sangrentos choques entre operarios e estudantes contra forças
do Exercito e da Policia.
Desconhece-se ainda, oficialmente, o numero de mortos, mas algumas
fontes consideram que oscila entre 20 a 30, em sua maioria franco-atiradores.
Patrulhas militares percorrem sem cessar as ruas, e soldados ocupam
os pontos estrategicos da cidade, que continua sob tensão.
A população, em numero reduzido voltou hoje cedo às
ruas, a fim de cumprir suas tarefas cotidianas e, principalmente,
observar os estragos causados pelos incidentes.
A atividade comercial é praticamente nula. Os grandes estabelecimentos
abriram suas portas, embora a ausencia de empregados ainda seja elevada,
pois o transporte continua parcialmente paralisado. Isso se atribui
fundamentalmente à impossibilidade de circulação
do trafego em varios setores, em virtude das barricadas levantadas
e das imensas fogueiras acessas pelos revoltosos para atenuar os efeitos
das centenas de bombas de gás lacrimogeneo lançadas
pela Policia.
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CONDENAÇÕES |
Por outro lado, o Tribunal Militar condenou hoje o secretario-geral
local do Sindicato de Luz, Augustin Tosco, a 8 anos e três
meses de prisão, aguardando-se para as proximas horas outros
veredictos, especialmente contra dirigentes sindicais detidos durante
os incidentes, e acusados de instigar a violencia.
Os conselhos de guerra aplicaram ontem as primeiras duas condenações,
contra Miguel Angel Guzman e Humberto Videla, que deverão
também cumprir 8 e 3 anos de prisão, respectivamente.
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ARMAS |
Soube-se que, durante a extinção dos focos de resistencia,
as forças da ordem se apoderaram de cerca de 400 armas que
estavam em poder dos franco-atiradores. As autoridades resolveram
manter o toque de recolher das 17 até as 6h30.
Esta manhã chegou, procedente da capital argentina, o comandante-chefe
do Exercito, general Alejandro Lanusse, para inteirar-se, in loco,
sobre os ultimos acontecimentos registrados na noite passada e esta
madrugada.
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PLANO
ORGANIZADO |
O governo afirma que se trata de uma verdadeira rebelião, que
faz parte de um plano subversivo perfeitamente organizado, para derrubar
as autoridades militares.
O proprio secretario-geral do governo, Mario Diaz Cogodreko, responsavel
pela administração das provincias, admitiu que as autoridades
foram surpreendidas pela rapidez e precisão com que agiram
os revoltosos.
Organizados em comandos de até 50 pessoas, os insurretos chegaram
por momentos a vencer a Policia, sendo necessario recorrer a reforços
do Exercito.
O aparecimento, em muitos terraços de Cordoba e nos edificios
em construção, de bandeiras vermelhas, com a foice e
o martelo, aparentemente dá razão às autoridades,
quando afirmam que se trata de um plano extremista de grande envergadura.
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OUTROS
CHOQUES |
Por outro lado, disturbios ocorreram, ontem à noite, nas cidades
de Tucumã, Corrientes e La Plata, entre estudantes e operarios
de um lado e policiais do outro, deixando um elevado saldo de feridos
e detidos.
Em Tucumã, a 1.300 quilometros ao norte da capital argentina,
500 ferroviarios chocaram-se com efetivos da gendarmaria nacional
e da policia.
Durante os incidentes houve tiroteio, resultando 9 pessoas feridas
a bala e por disparos de gases lacrimogeneos. Logo depois destes primeiros
choques, novos grupos de trabalhadores formaram barricadas, de onde
voltaram a enfrentar a policia. Finalmente efetivos militares ocuparam
a zona.
Os diversos sindicatos agrupados na central operaria desta provincia,
resolveram declarar greve e convocar um plenario para esta noite,
a fim de concretizar a medida e sua duração.
Dois mil trabalhadores da industria açucareira organizaram,
tambem, uma manifestação dirijindo-se ao centro da cidade,
porem foram interceptados pela policia que os obrigou a dissolverem-se.
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LA
PLATA |
Na cidade de La Plata, capital da provincia de Buenos Aires, uma centena
de estudantes organizaram uma manifestação lançando
gritos hostis ao governo e à policia, ao mesmo tempo em que
distribuiram panfletos explosivos. Além disso tentaram formar
barricadas, porem três veiculos com policiais os obrigaram a
dispersar-se, informando-se em seguida que foi detido o presidente
da Federação Universitaria de La Plata, Guillermo Blanco.
Na provincia de Corrientes, um grupo de estudantes queimou uma guarita
policial e alguns automoveis, para impedir o trafego na avenida central.
Outros realizaram manifestações relampagos nas zonas
centrais, sem que se registrassem incidentes de gravidade. Não
houve prisões.
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Estudantes
uruguaios apoiam os argentinos |
MONTEVIDÉU, 31 A Universidade e o Ensino Medio Uruguaios
foram ontem inteiramente paralisados por uma greve de alunos de 24
horas em solidariedade com o levante estudantil na Argentina. Grupos
de jovens da Universidade Politecnica de Montevidéu levantaram
barricadas para enfrentar a policia.
Em meio a gritos de condenação ao governo do general
Juan Carlos Ongania, Cinquenta outros jovens apedrejaram o Ministerio
de Cultura, quebrando grande quantidade de vidraças e criticando
os Governos uruguaio e argentino.
Em ambos os casos, a policia dominou os disturbios sem que se verificassem
vitimas.
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O
caminho à frente dos sindicatos argentinos |
Newton Carlos
Enviado especial
BUENOS AIRES No campo de uma oposição efetiva
ao regime o movimento sindical é a unica coisa que pode emergir
da Argentina convulsionada com organização, permanencia
de ação e força de impacto. O comportamento dos
sindicatos será o fator-chave no desenvolvimento da crise.
Impulsionados por bases que em muitos casos lançaram-se às
ruas espontaneamente, sem qualquer contato com as cupulas, eles conseguiram
finalmente reerguer as cabeças depois de curtir durante mais
de dois anos o fracasso da greve geral tentada a primeiro de março
de 1967.
Ongania sabe que o movimento sindical argentino não foi neutralizado
ou tampouco condicionado pelo regime. Tinha consciencia disto antes
dos acontecimentos de sexta-feira. Na quarta-feira abrira sua agenda
a dirigentes operarios num esforço de contenção
da onda de projetos. Juan Carlos Loholaberry, presidente dos tecelões,
o primeiro da lista, pediu-lhe que reuna logo as comissões
partidarias para uma ampla reformulação salarial. Após
dura batalha da greve de um dia os trabalhadores argentinos parecem
contaminados, como um todo, pelos "slogans" que exigem aumentos
de 40 por cento. "Não há perspectivas de salarios
maiores por enquanto", disse a 26 de maio, no seu embarque para
os Estados Unidos, o ministro Krieger Vassenta, da Economia e Trabalho.
Seria viavel na Argentina de hoje um dialogo entre operarios e regime?
Ongania o quer, sem que ainda se saiba exatamente em que termos. Parece
ter o receio de ver sua imagem de homem austero e equidistante manchada
de borrões populistas. Ao mesmo tempo está cada dia
mais convencido de que o ciclo de crises aberto com a deposição
de Peron não se encerrará desde que não se encontre
uma formula de reincorporação das massas no processo
argentino. Diante de Loholaberry admitiu ser vital para o pais a existencia
de uma central sindical unica e representativa.
Por coincidencia, a mais forte palavra de ordem dos sindicatos argentinos
é, no momento, "unidade monolitica". Quando Peron
caiu havia na Argentina uma "Confederacion General del Trabajo"
com seis milhões de membros. Era a maior do continente. Algumas
aferições eleitorais mostraram que as massas peronistas,
com o controle absoluto do movimento sindical, sedimentavam-se como
um terço da população ativa do país. O
dirigente tecelão Andres Frami, peronista ortodoxo, chegou
a ser eleito, mas não empossado, governador da provincia de
Buenos Aires. Massas no vocabulario argentino significava forçosamente
peronismo.
Tempo e manobras impuseram matizes a essa tendencia geral levando
a CGT a cisão. Augusto Vandor, dirigente metalurgico e apologista
de um "peronismo sem Peron", assumiu a liderança
da parcela apontada como favoravel a uma composição
com o regime em função da "revolução
nacional". Embora tenha aversão pessoal a Vandor, transitar
por essa tendencia era um dos objetivos de Ongania. Mesmo aí,
no entanto, os obstaculos crescem aceleradamente. A CGT "oficialista"
participou formalmente da greve de sexta-feira. Um dia antes de sua
audiencia com o presidente argentino, os lideres da "Federacion
Argentina de Trabajadores de Luz y Fuerza, publicaram nos jornais
um comunicado no qual se lia textualmente:
"O povo de modo geral, como já o dissemos em reiteradas
oportunidades, abriu uma pausa de expectativa e esperança diante
das gestões feitas pelas Forças Armadas ao assumirem
o governo nacional. Este fato tornou tangivel o desejo popular de
que encetasse uma verdadeira revolução nacional.
Revolução nacional, com a transformação
de estruturas ao serviço do subdesenvolvimento, da dependencia,
da injustiça social e da exploração do homem
que trabalha. Hoje, passados três anos, devemos confessar, lamentando-nos,
que essa expectativa diluiu-se lentamente diante da ausencia de soluções
concretas para os problemas que angustiam a imensa maioria dos argentinos.
Sentimentos de frustração e dolorosa incerteza presidem
o atual momento nacional".
O movimento sindical argentino poderá reagrupar-se. As duas
centrais existentes não reunem nem a metade dos sindicatos.
Viabilidade de reunificação, testada com exito na greve
geral de sexta-feira, tendo no entanto, para um contexto anti-regime.
Dele parece emergir com estatura nacional o lider da "Confederacion
General del Trabajo de os Argentinos; Raimundo Ongaro, um social-cristão
com mania de compositor. É preciso fazer a revolução
porque tenho de terminar minha sinfonia", diz ele aos amigos.
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