MAO FICARÁ EXPOSTO DURANTE 7 DIAS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 1976
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O
líder chinês morreu ontem aos 83 anos, um quarto de
século depois de haver tomado o poder
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O presidente do Partido Comunista Chinês, Mao Tse-tung, morreu
ontem de madrugada, aos 83 anos de idade, vítima de uma doença
não revelada. Mao faleceu aos 10 minutos de ontem (12h10 de
quarta-feira, em Brasília), porém o anúncio de
sua morte só foi feito às 17 horas (5 horas da madrugada
de quinta-feira em Brasília), através da Rádio
de Pequim e da agência Nova China.
Minutos após o anúncio da morte de Mao, milhares de
pessoas começaram a se reunir nas praças de Pequim,
Cantão e Xangai, pranteando o líder desaparecido. Nas
repartições públicas, fábricas, lojas
e residências particulares, a bandeira vermelha da China foi
hasteada a meio-pau. Em todas as ruas e esquinas de Pequim, grupos
se reuniram para ouvir a noticia transmitida por alto-falantes: "Mao
zhu hsi shih shih" (O presidente Mao morreu).
Uma comissão de 384 personalidades foi constituída para
organizar as cerimônias fúnebres. Na direção
dessa comissão figura o primeiro-ministro Hua Kuofeng, e dela
faz parte também a viúva de Mao, Chiang Ching.
As cerimônias principais serão realizadas no Grande Salão
do Povo, na praça Tien Anmen, em Pequim, entre os dias 11 e
17.
O presidente Gerald Ford, ao comentar a morte de Mao, o qualificou
de "um grande homem que teve a visão de abrir as portas
às relações com os Estados Unidos". O secretário
de Estado Henry Kissinger, por sua vez, disse esperar que China e
Estados Unidos continuem amigos.
A União Soviética enviou mensagem de "profundas
condolências", com uma rapidez que surpreendeu os observadores.
Apenas em Formosa, que sempre considerou o presidente de 900 milhões
de chineses "um bandido", as estações de rádio
interromperam suas programações, para anunciar: "Agora,
temos boas notícias. Mao Tse-tung, o líder bandido,
morreu". Oficialmente, o governo de Taipé não se
manifestou, até à noite.
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A
doença que matou o presidente do Partido Comunista Chinês
é mantida em segredo - Como a China soube que Mao Tse-tung
morreu |
PEQUIM - O presidente do Partido Comunista Chinês, Mao Tse-tung,
morreu às 00h10 de ontem (12h10 de quarta-feira, em Brasília),
aos 82 anos de idade. O anúncio da morte de Mao foi feito pela
Rádio de Pequim, às 17h00 de ontem (05h00 em Brasília).
Após anunciar que "um importante comunicado" seria
divulgado à nação, a rádio deu a notícia,
citando despacho da agência noticiosa Nova China, que dizia:
"O camarada Mao Tse-tung, o estimado e querido grande líder
de nosso Partido, de nosso Exército e dos povos de todas as
nacionalidades de nosso país, o grande educador do proletariado
internacional e das nações e povos oprimidos, presidente
da Comissão Militar do Comitê Central do Partido Comunista
Chinês, presidente honorário da Comissão Nacional
da Conferência Política Consultiva do Povo da China,
morreu em Pequim às 00h10 do dia nove de setembro de 1976,
em virtude do agravamento de sua enfermidade e apesar de todo o tratamento
recebido, embora lhe fosse dada uma conscienciosa assistência
médica de todas as formas possíveis, desde o início
de sua doença".
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Incógnita |
A Nova China não especificou a enfermidade de Mao, que estava
muito doente há algum tempo. Os visitantes estrangeiros que
se encontraram com ele em Pequim disseram que às vezes necessitava
de ajuda nas conversações, por estar com a memória
enfraquecida e sofrer, ao que parece, do mal de Parkinson.
O agravamento de sua saúde levou o Comitê Central do
PCC a suspender, em 15 de junho, as cada vez mais frequentes visitas
de personalidades estrangeiras ao líder chinês, "em
razão de sua idade avançada e de ter muito trabalho".
Esse comunicado acrescentava que Mao, apesar de tudo, "continuava
muito ocupado em seu trabalho". Sua última entrevista
foi em 27 de maio último e durou cerca de 20 minutos. Na ocasião,
Mao Tse-tung recebeu o primeiro-ministro do Paquistão, Zulfikar
Ali Bhutto. Fontes diplomáticas disseram que Mao tossiu várias
vezes ao conversar com Ali Bhutto. Imediatamente, o governo chinês
anunciou que o presidente do PC estava resfriado.
A ultima informação divulgada por fonte oficial, sobre
Mao Tse-tung foi dada no dia primeiro deste mês. Ao noticiar
o terremoto de Tangshan, a agência Nova China ressaltou que
o presidente Mao continuava em Pequim e que havia supervisionado uma
reunião de turmas de trabalhadores das equipes de socorro,
desmentindo, assim, as versões transmitidas por agências
ocidentais dando conta de que Mao fora retirado da capital chinesa.
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A
mensagem |
Eu seu despacho, dirigido a "todo o Partido, a todo o Exército
e aos povos de todas as nacionalidades de todo o país"
e assinado pelo Comitê Central do PCC, a Comissão Permanente
do Congresso Nacional do Povo, o Conselho de Estado e a Comissão
Militar do Comitê Central, a agência Nova China acrescentou
uma breve biografia política do presidente Mao, na qual ele
é apontado como o fundador e líder do Partido Comunista
Chinês, do Exército Popular de Libertação
e da República Popular da China" e "o maior marxista
da época contemporânea".
A Nova China exalta o papel de Mao na condução da revolução
comunista chinesa, suas contribuições teóricas
ao marxismo e também suas lutas contra "os oportunistas
de direita e de esquerda" e contra "o revisionismo moderno,
animado pela renegada camarilha soviética". Liu Shaochi,
Lin Piao e Teng Hsiaoping foram citados na biografia como "contra-revolucionários
revisionistas" sobre quem Mao "triunfou".
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Política
externa |
A nota também fala sobre a política externa chinesa,
afirmando que serão mantidas as diretrizes de "estreitar
a unidade entre nosso Partido e todos os partidos e organizações
realmente marxistas-leninistas do mundo, entre nosso povo e os demais
povos do mundo, particularmente os do Terceiro Mundo... e de levar
a bom termo, a luta contra o imperialismo, o social-imperialismo e
o revisionismo moderno".
"Nunca devemos - adverte - pretender a hegemonia e jamais seremos
uma superpotência".
A mensagem da Nova China termina com uma exortação ao
povo chinês para que "transforme, com determinação,
seu pesar em força, para que prossiga na revolução
sob a ditadura do proletariado", a fim de "continuar o trabalho
do presidente Mao no tocante ao fortalecimento e edificação
do Exército, das milícias e do Estado e à preparação
para a guerra... e à determinação de expulsar
qualquer invasor". Nesse ponto, a mensagem afirma: "Estamos
decididos a libertar Formosa".
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"Comício
fúnebre" marcará despedida a Mao no dia 18 |
PEQUIM - Uma comissão de 384 dirigentes do Partido Comunista
Chinês se encarregará dos funerais do presidente Mao
Tse-tung, que começarão dia 11 e culminarão dia
18 com um gigantesco comício na praça Tien Anmen, onde
Mao proclamou a República Popular da China em primeiro de outubro
de 1949.
Na direção da comissão figuram, entre outros,
o primeiro-ministro Hua Kuofeng; presidente da Comissão Militar
do PC, Wang Hungwen (ambos são também vice-presidentes
do partido); Yeh Chienying, vice-presidente do partido e membro do
Politburo, e Chang Chunchiao, membro do Politburo. A viúva
de Mao, Chiang Ching, também integra a comissão.
Os atos fúnebres em memória de Mao começarão
dia 11 e se estenderão até dia 17, "em todas as
organizações, unidades militares, fábricas, minas,
empresas, estabelecimentos comerciais, comunas populares, escolas,
comunidades vicinais e todas as outras unidades de base", no
país inteiro. O corpo do presidente falecido ficará
exposto no Grande Salão do Povo, durante esse período,
em que todos os espetáculos estarão suspensos, em sinal
de luto.
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A
maior homenagem |
A grande homenagem a Mao será no dia 18. O Comitê Central
do PC pediu que, precisamente às 15h (03h em Brasília),
"em todos os locais de trabalho, nas escolas, nas sociedades
de bairro, nas unidades militares", os 900 milhões de
chineses, 'com exceção daqueles que não podem
interromper seu trabalho", observem três minutos de "silencioso
tributo" a Mao Tse-tung. Nesses três minutos, todas as
sirenas dos trens, navios, unidades militares e fábricas deverão
soar para homenagear o líder desaparecido.
Em seguida, começará o comício fúnebre
na praça Tien Anmen, "com a participação
dos membros e suplentes do Comitê Central, das personalidades
do partido, do governo e do Exército e dos diversos departamentos
da Prefeitura de Pequim, bem como dos representantes dos operários,
camponeses, soldados e de outras camadas da população".
A solenidade será transmitida por rádio e televisão
a todo o país. O povo foi conclamado a ouvir e ver a transmissão
nas suas casas, locais de trabalho e nas ruas, para "assim manifestar
sua dor".
Os estrangeiros, como é hábito do governo chinês,
não foram convidados a comparecer aos funerais de Mao. Destacando
sua "profunda gratidão" a todos os estrangeiros que
poderiam desejar assistir às cerimônias, os líderes
chineses comunicaram que haviam decidido "não convidar
governos estrangeiros, partidos irmãos ou políticos
amigos a enviar delegações ou representantes para tomar
parte nos funerais".
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As
ruas |
Os chineses foram informados da morte de seu líder às
cinco horas da tarde do dia em que comemoram o Festival de Outono,
uma de suas mais antigas tradições. Minutos depois dos
alto-falantes e do rádio transmitirem o locutor da Rádio
de Pequim dizer, com voz grave: "Mao zhu shih shih" (o presidente
Mao morreu), milhares de bandeiras vermelhas, com cinco estrêlas
amarelas, surgiram por toda Pequim. Nas escolas, fábricas,
repartições públicas e residências particulares,
os chineses hasteavam suas bandeiras a meio-pau ou improvisavam, com
colchas e túnicas colocadas em varas de bambu, uma homenagem
espontânea a Mao Tse-tung.
Quando carros com alto-falantes começaram a percorrer Pequim
transmitindo a morte de Mao ou hinos como a "Internacional Comunista",
os habitantes da capital, alguns dos quais ainda vivem em tendas de
abrigos provisórios desde o terremoto de julho, tomaram as
ruas. Segundo a agência France Presse, um em cada três
chineses trazia uma braçadeira negra. As moças e rapazes
colocaram nos casacos e blusas um crisântemo branco, o símbolo
e a cor do luto na China.
Os pequineses reuniram-se em grupos em todas as esquinas e ruas. A
praça Tien Anmen foi tomada pela população menos
de duas horas depois da trágica notícia. Muitos inclinavam
a cabeça e choravam baixinho. Outros gritavam elogios ao "Grande
Timoneiro", jurando lutar para preservar e proteger seus princípios
políticos, que nortearam a China nos últimos 27 anos.
"Multidões aparentemente desorientadas percorriam a praça
e suas imediações, com o rosto banhado em lágrimas.
Como por inércia, os grupos giravam em torno do lugar onde
se instalava o palanque de onde Mao presidia atos oficiais",
relatou um correspondente ocidental em Pequim.
Também em frente à Cidade Proibida, conjunto de palácios
e jardins onde habitaram os imperadores e Mao viveu até a morte,
multidões se concentravam e mulheres providenciavam flores
para colocar sob o grande retrato do presidente. Até tarde
da noite, as ruas e praças de Pequim estavam movimentadas,
e em torno do Monumento aos Heróis do Povo, na praça
Tien Anmen, grupos de jovens circulavam chorando.
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Sem
incidentes |
Entretanto, não houve incidentes, exceto duas pequenas brigas
provocadas, ao que tudo indica, pela emoção do momento.
O policiamento continuou normal, a não ser por alguns agentes
colocados de cinquenta em cinquenta metros na estrada que leva ao
aeroporto de Pequim, presumivelmente tendo em vista a chegada de personalidades
de toda a China.
A via de acesso ao principal hospital da capital chinesa foi bloqueada
para todo o tráfego, exceto para carros oficiais, o que aparentemente
indica que o corpo de Mao foi levado para lá.
As Forças Armadas chinesas foram colocadas em estado de prontidão,
de acordo com informes dos serviços de espionagem ocidentais
baseados em Hong Kong. No entanto, no entender dessas mesmas fontes,
a medida é meramente rotineira.
Informações procedentes de Cantão, importante
centro comercial e industrial do país, e Xangai, a mais populosa
cidade da China, dão conta de que também nas províncias
a população saiu às ruas em grandes multidões
e rumou para as praças, logo depois de saber da morte de Mao.
Para muitos correspondentes ocidentais, as expressões de dor
do povo chinês pela morte de Mao superam em muito as que foram
observadas em oito de janeiro, quando faleceu ChuEnlai.
Os correspondentes destacaram ainda que a rapidez da reação
popular poderia induzir a pensar que a morte de Mao era esperada e
as autoridades haviam preparado o povo. No entanto, como assinalou
um jornalista francês, "a surpresa e a tristeza geral pareciam
absolutamente espontâneas, perfeitamente alheias a toda diretriz
oficial".
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Boas
e más recordações |
PARIS - "O último humanista". Assim Charles De Gaulle,
quando ainda era presidente da França, se referiu a Mao Tse-tung,
exaltando as qualidades do grande líder chinês, segundo
ele, o "único que teve autoridade para realizar o que
fez na China. Capaz de tirar o país do estado de subdesenvolvimento
e anarquia em que se encontrava".
Em meio a reconhecimentos e elogios como esse, não faltaram
críticas, a maioria voltada contra o determinismo de Mao em
relação a alguns conceitos e situações.
A mais famosa e irreverente parece ser a de Josef Stálin, que
o definiu como uma "cabeça de granito da qual sobressai
uma verruga".
Mas, apertar a mão, conversar, ou simplesmente ver de longe
o presidente do PC chinês foi um privilégio que poucos
estrangeiros - personalidades políticas ou jornalistas - puderam
ter. Principalmente nos últimos anos, as atividades de Mao
sempre estiveram protegidas por um rigoroso sigilo, e às vezes
rodeada por uma nuvem de mistério.
Dos que o conheceram ou estudaram a sua obra, poucos deixaram de admirá-lo.
Eis alguns desses testemunhos:
André Malraux, em seu livro "Antimemórias":
"Nenhum homem terá abalado tão fortemente a História
como ele, desde Lênin".
Nikita Kruschev, ex-secretário-geral do PC da União
Soviética, em suas Memórias: "Chegará o
dia em que também Mao Tse-tung terá que abandonar o
cenário. O dia em que a China voltará ao caminho traçado
por Marx e Lênin. O dia em que praticará de novo uma
política correta em relação à URSS e aos
outros países socialistas".
Marechal Montgomery, herói da II Guerra Mundial, após
uma visita à China, em 1960: "Eis aqui um homem com o
qual me meteria na selva".
Jean Paul Sartre, em julho do ano passado: "Dedico a Mao uma
grande estima, pelo menos até há alguns anos".
Do semanário "L'Express", numa matéria publicada
em 1968: "Hoje, os chineses temem apenas uma coisa: a morte de
Mao Tse-tung. Dizem que se morrer amanhã, a China se encontraria
submersa num banho de sangue".
"L'Humanité", órgão do Partido Comunista
francês, em 1949: "o autentico continuador de Sun YatSen,
criador da democracia chinesa".
Maurice Couve de Murville, ex-chanceler de De Gaulle, em outubro de
1970: "Homem vigoroso, ativo com os assuntos de seu país,
que se ocupa mais dos problemas políticos e ideológicos
do que das questões cotidianas".
Edgar Snow, em seu livro "A Longa Revolução":
Mao, intelectual de origem camponesa, gênio com um profundo
conhecimento do povo, guiado pela intuição, alimentando
pela experiência, é um militante, um inovador, o criador
de uma estratégia sutil que faz se alternar magistralmente
efeitos de surpresa, períodos de tensão e descanso.
Os longos períodos de estabilidade inspiram-lhe desconfiança".
Do repórter Lucien Bodard, em "Mao", publicado em
1970: "Uma vez morto Mao, tudo pode se suavizar. Uma vez morto
Mao, tudo pode se decompor. Uma vez morto Mao, tudo pode se desencadear
numa fúria ainda mais ameaçadora".
Michel Lindsay em seu livro "Mao Tse-tung": "É
um homem essencialmente prático, que possui um sentido comum
a toda prova e despreza aqueles que levam demasiadamente a sério
os sistemas teóricos",.
Simon Leys em "Os Disfarces do Presidente Mao": Espírito
genial e anacrônico, egocêntrico que não suporta
a crítica nem a contradição, artista criador
cuja inspiração se nutre de cultura histórica
alheio aos problemas administrativos, impaciente e intrigante..."
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Lembrança
na Câmara Federal |
BRASÍLIA (Sucursal) - A morte de Mao Tse-tung foi lembrada
na Câmara Federal pelo deputado Siqueira Campos, arenista por
Goiás, destacando a grande obra política e social por
ele realizada.
Ressaltou a modernização da China e sua industrialização,
bem como seu surgimento como potência mundial, como das maiores
obras do presidente falecido. Fez o parlamentar votos "para que
o grande povo chinês encontre outro líder que o mantenha
unido".
Outros deputados abstiveram-se de fazer comentários sobre a
morte de Mao. No Senado, nenhuma referência foi feita ao fato.
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Editorial
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O
FIM DE UM CICLO
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A morte de Mao Tse-tung encerra um ciclo histórico cuja
importância, para a Humanidade, só é comparável
ao período que, aberto com a Revolução Francesa,
termina com o declínio de Napoleão, para reabrir-se
com a série de revoluções européias em
meados do século XIX.
Nascido em 1893, 22 anos após o nascimento da Alemanha, Mao
era ainda adolescente quando a primeira grande convulsão sacudiria
o Império Manchu da China. Homem de dois mundos, pois desde
logo filiado ao pensamento marxista, de raízes intrinsecamente
ocidentais, ele estava destinado a mudar a história de seu
país e alterar o curso dos destinos mundiais. Era já
um militante da política quando, do Ocidente (para ele), isto
é, da Rússia, chegaram à China os reflexos da
Revolução comunista, que de forma tão traumática
deveriam repercutir na composição das forças
políticas chinesas.
Pode-se afirmar que Mao foi contemporâneo histórico de
todos os homens que, de uma forma ou de outra, influíram nos
destinos mundiais nos últimos setenta anos. Sobreviveu a Lenine
e a Trotsky; a Roosevelt, a Hitler, a Gandhi, a Stalin, a Kennedy,
a João XXIII, a Nasser, a Churchill e a De Gaulle. Na sua longuíssima
existência, que parece ser característica dos líderes
chineses, ele viu ascender, dominar e cair mais de uma dezena de grandes
figuras do seu século.
Mas isso não é o fundamental na vida desse homem que
foi tão importante na história moderna, nem é
o essencial em sua própria trajetória no panorama de
seu país, cujas fronteiras ele deveria alargar, com a anexação
dos territórios do Tibete e a expulsão dos russos da
Manchúria, e cujo poderio deveria afirmar, em face de um mundo
cético, para o qual o chinês se apresentava ainda como
o caricato personagem de rabicho e sorriso imbecil, puxador de riquixá
e fumador de ópio.
Num diálogo íntimo com André Malraux, que nos
"Conquistadores" e na "Condição Humana",
escreveu duas das mais impressionantes páginas sobre a Revolução
Chinesa, Mao Tse-tung explicaria, em 1965, talvez sem se aperceber
disso, a sua fórmula: "... antes de mais nada, nós
queríamos a autonomia de nossa província"(o Hunan).
Aqui, à ingenuidade solícita de alguns cronistas norte-americanos,
que durante anos se obstinaram em apresentar Mao e seus soldados comunistas
como pacíficos "land-reformers", bem intencionados
e de boa índole, imaginem que se encaixava perfeitamente à
disposição dos Estados Unidos em relação
à China, sobrepõe-se a interpretação de
um intelectual europeu, para o qual o mosaico chinês era menos
indecifrável.
Seguramente, não se nos afigura como tema de interesse a exegese
das táticas e técnicas empregadas pelo líder
chinês e seus companheiros mais próximos do comando comunista
nem tampouco a origem, as causas e os fundamentos da sua cansativamente
longa polêmica com os russos (que é um conflito de dois
Estados nacionais, de duas superpotências, e que nada tem de
"doutrinário", como pretendem fazer crer os dois
interlocutores). Entricheirados ambos, chineses e russos, em sua pletora
de dogmas e preconceitos, acusam-se mutuamente de hienas, ratos e
tigres, segundo a escatológica adjetivação que
herdaram, os dois, de seu mestre comum, Marx, que empregava contra
os adversários mais próximos uma linguagem dificilmente
publicável.
E no momento em que se registra, apenas, o passamento de um homem
que é sem dúvida - mas também Stalin e Hitler
o foram - uma das figuras marcantes deste século, não
se pode deixar de mencionar que afinal de contas as "milícias
camponesas" (o que soava como uma heresia para os teóricos
marxistas russos da época) de Mao mudaram a face da China -
um país de novecentos milhões de habitantes - e de uma
parte do planeta. Como não se pode deixar de mencionar que
isto tudo teve um preço, e que a facilidade com que se aceita
como assunto de conversação o que se convencionou chamar
de "pensamentos de Mao" (na maioria das vezes algumas frases
que, pronunciadas por uma criança, despertariam apenas um sorriso
complacente) reflete apenas o gradativo empobrecimento do que se designa
como marxismo.
Nos últimos dez anos, várias convulsões sacudiram
a China, quase sempre inspiradas por Mao, que, refugiado no benefício
da idade provecta, lançava palavras de ordem sobre palavras
de ordem, reduzindo as discussões ao nível mais primitivo,
mas seguramente compreensível para aqueles que ele identificou
como seus adversários mais próximos, os russos, que,
no capítulo do primarismo, nada ficam a dever aos líderes
chineses.
Uma análise desapaixonada de sua trajetória mostrará
certamente todos os erros que Mao cometeu, e revelará até
que ponto, à semelhança de seus irmãos-inimigos
soviéticos, a política dos países chamados socialistas
está eivada de desastres, equívocos e falsidades, tanto
no campo interno quanto no externo. Se o programa de coletivização
da década de 50, na China, parece ameno, em termos de custo
de vidas humanas, em comparação com o holocausto que
foi a coletivização forçada de Stalin na década
de 30, na URSS, e se é possível afirmar, com relativa
margem de segurança, que na China não existem campos
de trabalho forçado, como na União Soviética,
é sempre útil lembrar que o preço da Revolução
Chinesa não foi menor do que nos outros países onde
elas ocorreram, qualquer que tenha sido o matiz. Muito provavelmente,
o veredicto da História ressalvará, no julgamento de
Mao, o fato de que, segundo testemunhos mais ou menos imparciais,
na China de hoje o povo come e veste-se o que já não
é dizer pouco de uma nação onde as notícias
das mortes pela fome não conseguiam sequer despertar a indulgente
curiosidade dos ocidentais.
Mas à consciência dos homens lúcidos não
deve escapar o fato fundamental: Mao e seus companheiros (por uma
curiosa coincidência Chu Enlai e Chu Teh também morreram
este ano) acabaram com o chinês de rabicho e sorriso idiota;
mas o substituíram pelo chinês de roupa azul, um robô
lustroso de livrinho vermelho na mão.
É algo a respeito do que, no momento em que Mao vai ao encontro
de seus antepassados - paradoxalmente deificado por uma doutrina que
se reclama materialista - devem meditar todos os homens inteligentes. |
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