COMO
OS HOLLANDEZES ESTÃO ARRANCANDO UMA PROVINCIA AO MAR
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 6 de maio de 1934
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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Annunciam os hollandezes, com essa tranquillidade fleugmatica que
é tão caracteristica do seu temperamento nórdico, que entraram numa
nova etapa dessa obra extraordinaria que se propuzeram levar a cabo
e que consiste em reconquistar uma antiga provincia coberta pelo mar.
Trabalho titanico que, dentro de um quarto de seculo, permittirá á
Holanda collocar uma população de 500.000 almas sobre um territorio
que, até ha pouco tempo, era apenas um braço de mar sulcado pelas
lanchas dos pescadores da Frisia e de Gueldres . Um jornalista que,
ha pouco, visitou essas obras, publicou as suas impressões num jornal
europeu, e das quaes vamos reproduzir alguns trechos interessantes:
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Uma
luta sem treguas |
Lembro-me que, ha alguns annos, pouco tempo depois de se iniciarem
os trabalhos de Zuiderzee, fui ate o norte de Amsterdam - a cidade
das trezentas pontes - onde se lançavam no mar os primeiros blócos
de pedra daquella gigantesca muralha que deveria arrebatar ao mar
do Norte uma parte do seu dominio. A impressão que produz aquella
terra humida, pantanosa, sem horizontes, que constantemente se confunde
com o mar, é estranha e inquietante. Percebe-se, ao contemplar esse
sólo incerto, sem ondulações, coberto de uma herva rala, que só a
vontade inquebrantavel do homem impediu que toda essa parte da Europa
desapparecesse sob o oceano. Innumeras vezes, o mar tem se vingado
dessa resistencia brutal, avançando furiosamente sobre esse paiz extremamente
plano e inundando aldeias. Apesar, contudo, de tão ingratas condições,
os hollandezes, habeis e tenazes, têm conseguido cultivar um sólo
quasi mediocre e dar vida a uma agricultura muito prospera. Pouco
a pouco, foram reconquistando os terrenos perdidos, os "polders";
cercaram-n'os de diques, para defendel-os contra novos ataques; abriram
profundos fossos e uma vasta rede de canaes, de sorte que se consideram
agora, com visos de razão, sufficientemente protegidos contra novos
ataques do seu eterno inimigo, o sombrio e frenetico mar do Norte.
Chegados a esse ponto, porém, os hollandezes - que a luta constante
exasperou - decidiram não parar nas obras de defesa. Foram além: resolvidos
a uma offensiva, tratam de arrancar ao mar uma grande extensão de
terra.
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Um
pouco de historia |
O espaço occupado actualmente pelo inmenso golfo de Zuiderzee, foi,
em outros tempos, uma grande área de terra firme, banhada por um lago,
o Flevo. Em 1282, o mar, num acesso de inaudito furor, avançou sobre
as terras e chegou até esse lago, cujas aguas, desde então, se confundiram
com as daquelle. Mais de 300.000 hectares de terra ficaram perdidos
para sempre. Foi o que se suppoz então. Pois quem teria audacia bastante
para reconquistar essas terras? Não era essa a primeira catastrophe
produzida pelo mar naquellas terras infelizes, nem tão pouco havia
de ser a ultima. Mas os hollandezes daquelles tempos resignavam-se
facilmente. Aconteceu, porém, que, no seculo XVI, com os progressos
da sciencia, surgiu na Hollanda uma iniciativa patriotica: a de constituir
um Corpo de Engenheiros do mar, o "Waterstaat" ao qual se confiou
a defesa e vigilancia das provincias expostas ao furor das aguas.
Isso succedeu logo após outra terrivel catastrophe maritima que tinha
provocado, em plena terra, e sem se saber como, a apparição de uma
especie de mar interior o lago de Haarlen. Já no seculo anterior,
outro lago salgado, o Biesboch, tambem apparecera após uma tremenda
inundação que arrazou setenta e duas aldeias causando a morte de 100
mil pessoas! O "waterstaat" deu inicio, immediatamente, aos seus trabalhos,
construindo diques monumentaes - trabalhos defensivos de uma concepção
audaciosa para a época. Tratava-se, primeiro, de oppôr uma resistencia
ás invasões do mar; em seguida, reconquistar deste, os terrenos perdidos,
coisa que não era muito facil com os meios technicos muito primitivos
de então. A costa hollandeza e as ilhas vizinhas puderam resisitir
aos constantes ataques do mar, graças áqueles grandes trabalhos. Mas
era preciso esperar até o seculo XIX para vêr completada essa obra
heroica, pela conquista methodica das terras invadidas pelo mar. Em
1852, os engenheiros hollandezes tinham o orgulho de devolver á sua
patria os 18.000 hectares do lago da Haarlem, essa especie de mar
interior, lembrança da terrivel inundação do seculo XVI. Até os principios
do seculo XX, os hollandezes tinham conseguido rehaver cerca de 100.000
hectares do seu sólo, outróra arrebatados pelo mar. Então, foi o momento
de pensar na obra magna: a reconquista do Zulderzee, perdido em 1282.
O ministro das Obras Publicas, engenheiro dr. Lely, foi quem organizou
o plano de seccagem do inmenso golfo, plano que foi approvado pelo
Parlamento em 1918.
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Uma
obra titanica |
Em poucas palavras pode-se expôr este plano, cuja realização exige,
pelo menos, 25 annos de trabalhos constantes: entre o Zuiderzee e
o mar, eleva-se um dique bastante forte para resistir aos mais furiosos
embates do mar e, no interior desse dique, procede-se a emersão do
terreno, graças aos mais modernos processos technicos. Diante de Zuiderzee
há uma ilha, a ilha Wieringen, situada a curtissima distancia da costa
da Hollanda septentrional, que é a provincia que se acha ao oeste
de Zuiderzee. Fez-se primeiramente um dique, que vae da terra firme
até essa ilha; um dique com a altura de 7 ms. 60 sobre o nivel das
aguas isto é, uma altura sufficiente para que nenhuma onda, por mais
terrivel que seja, jamais possa cobrill-a. O dique, que tem cerca
de 100 metros de largura em sua base, é quasi uma authentica lingua
de terra que avança pelo mar; é feito de uma base de area coberta
de argilla do mar, extrahida do proprio Zuiderzee, mistura solidissima
que foi revestida, depois de uma espessa muralha de pedras. Entre
a costa da Hollanda septentrional e a ilha de Wieringen, ha uma distancia
de 2.500 metros apenas. A distancia do outro lado é infinitamente
superior; com effeito, desde a ilha de Wieringen, ou melhor, desde
da que outróra foi a ilha de Wieringen, hoje unida ao continente,
até a provincia de Frizia, que limita o Zuiderzee a leste, contam-se
30 kilometros. O dique actualmente em construcção será provalvelmente
o maior do mundo. Essa obra, irrealizavel á primeira vista, pôde ser
levada a cabo graças á pequena profundidade das aguas na entrada do
Zuiderzee (3 ms 50), e graças tambem á vontade ferrea dos homens empenhados
na sua realização.
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O
custo das obras |
Até agora,
foram invertidos cerca de 100.000.000 de florins (cerca de 780.000
contos) nas obras do Zuiderzee, e impossivel é calcular o que vão
custar até a sua conclusão. Mas os hollandezes não se preocupam, com
razão, com esse sacrificio, por maior que saja: têm em vista, apenas,
a formosa realização do que sempre pareceu para elles o mais irrealizavel
dos sonhos. Quando o Zuiderzee estiver convertido num lago, proceder-se-á
á emersão dos diversos "polders" occultos até agora sob a superficie
liquida e serão entregues paulatinamente, á agricultura. Quanto á
agua, attrahida por bombas aspirantes de grande potencia e conduzida
ao mar por um systema de canaes perfeitamente distribuidos, desapparecerá
para sempre. Os hollandezes, sentindo-se bastante fortes para não
temer nenhuma nova investida do bellicoso mar do Norte, restituirão
á paizagem sua antiga physionomia, isto é, por traz do poderoso dique,
respaldado pelos terrenos reconquistados, devolverão á existencia
o famoso lago Flevo que foi cumplice do furor marinho na catastrophe
de 1282. Apenas, este lago não terá o antigo nome, pois se chamará
Yesselmeer, devido ao rio que desembocava em suas aguas. Este lago
interior cobrirá uma terça parte do antigo golfo; quanto ás duas terças
partes restantes, serão terras para a lavoura. O que representa um
conjunto não inferior a 250.000 hectares de bôa terra. Á vista desses
algarismos imponentes, compreende-se que, por muito que custe o plano
do dr. Lely, não pódem caber duvidas, nem vacillações.
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Um
"por'lder" formidavel |
Enquanto se proseguem os trabalhos de construção do gigantesco dique
marinho, os engenheiros hollandezes não quiseram que as terras conquistadas
ao mar por seu esforço, fiquem improductivas um só dia. O leitor deve
lembar-se de que se contruiu um primeiro dique entre a terra firme
e a ilha de Wieringen; pois bem, ao abrigo desse dique, foi posta
a secco, por completo, uma área de 22.000 hectares, definittivamente
arrancada ao mar. Nesses 22.000 hectares vivem já numerosas familias.
Tenho diante dos olhos uma estatistica, na qual se revela que, no
fim do anno de 1932, havia mais de 500 camponezes installados nas
terras onde, dois annos antes, havia apenas mar. As chuvas contribuiram
para o desapparecimento do sal que cobria os campos outróra cobertos
pelo mar. A fertilidade do sólo é extraordinária; mas é preciso lutar,
continuamente, contra as hervas damninhas que crescem com inaudita
rapidez nas terras semeadas hoje de cereaes. A experiencia, de todos
os modos, tem dado resultados magnificos, animando seus autores a
proseguir na obra empreendida. Sobre esse "polder" de 22.000 hectares
circulam 90 kilometros de canaes tracados a cordel; ha já 250 klilometros
de estradas e varios povoados em embryão. Estas foram construidas
á margem da mesma estrada, de quatro em quatro kilometros e, á medida
que vão surgindo, são dotadas de beneficios materiais e espirituais
que poderiam exigir as provoações mais exigentes: serviços de aguas,
faz e eletricidade, agencias do Correio, igrejas, cartorios de paz,
etc. Assim, silenciosamente, um pequeno paiz da Europa está realizando
uma obra de Titan, que ficará, aos olhos das gerações vindouras, como
uma das realizações mais surpreendentes da energia humana nesta primeira
phase do seculo XX que começou sob o signo de destruição".
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