A CONQUISTA DE HOLLYWOOD PELO FILME FALADO
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 30 de julho de 1933
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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O filme falado operou uma grande revolução na industria
cinematographica norte-americana; o filme falado substituiu completamente
o filme mudo. Em Hollywood trabalha-se noite e dia na producção
de "talkies". Todo os estudios foram equipados para esse
fim, salvo um: o de Charlie Chaplin. Charlie é o ultimo baluarte
da arte muda. Recusa-se a admittir o "écran" sonóro
reclamado pela universidade do publico americano e até o presente,
pelo menos, passa o máu humor não produzindo nada.
Formidaveis capitaes foram investidos nessa innovação;
o mais curioso é que as mais importantes firmas cinematographicas
passaram ao controle das grandes sociedades de electricidade. Estas
tem tanto interesse pelo cinema como pela arte. Consideram-nas no
mesmo ponto de vista em que se collocam quando se trata da fabricação
de cabos electricos, de apparelhos frigorificos ou de vibradores para
massagem. Para ellas o filme não é senão um objecto
como um outro qualquer a ser manufacturado em melhores condições
para melhor proveito commercial. Ora, não ha mais margem para
lucros fóra do filme sonóro nos Estados Unidos. Ha vinte
e cinco annos o publico pagava para vêr na téla as imagens
animadas, sem se preoccupar com a sua qualidade. Hoje, exige que o
"écran" fale e cante, sem se deter nas censuras de
Carlitos e nas que certos criticos cinematographicos dirigem ao filme
falado, accusando-o de destruir a verdadeira arte do cinema.
Novas figuras fizeram a sua apparição em Hollywood.
Foram os technicos da industria electrica, na maioria jovens, sahidos
ha pouco das universidades e dos laboratorios, e que, até o
anno ultimo não haviam posto os pés num estudio. Da
noite para o dia tornaram-se mestres e todos devem obediencia à
sua autoridade. Esta incursão não se fez sem choques.
O antigo pessoal que tinha os seus habitos e as suas tradicções,
oppoz a principio a sua má vontade e a força inercia
a estes novos, cuja experiencia contestavam. Mas os directores actuaes
dos estudios se propuzeram a despedir summariamente a quem quer que
se oppuzesse à livre manifestação das idéas
e das empresas desses jovens technicos de electricidade.
Tambem os estudios, por sua vez, mudaram completamente. Uma disciplina
meticulosa e absoluta substituiu o amavel "deixa correr o marfim"
dos velhos tempos. Tornaram-se como que o templo de uma nova divindade:
o silencio. Foi proscripto de maneira implacavel, o irreconciliavel
inimigo do registro sonoro: o ruido, que não se tolera de maneira
alguma. As paredes são calafetadas, todas as portas munidas
de amortecedores do som. Quando se illumina a lampada vermelha que
annuncia a todos o inicio da filmagem de uma scena falada um guarda,
com sandalias de feltro, aferrolha todas as communicações
e mesmo um "ukase" do tzar do cinema americano, Will Hays,
não lhes póde determinar, nessa occasião abertura.
Aliás, visitante algum é admittido. Tudo assume um ar
de mysterio e de segredo. "Metteursen-scene", actores, operadores,
machinistas, ficam postados no seu lugar não ousando trocar
uma unica palavra e procurando evitar, a todo o transe, uma tosse,
qualquer ou uma contracção nervosa, cujo ruido não
deixaria de impressionar o ouvido sensivel do microphone temido.
Não ha mais o rumor dos ventiladores que renovavam o ar acculinado,
ou das orchestras de jazz que distrahiam ou estimulavam o trabalho.
Foi preciso sacrificar um milhão de dollares de lampadas a
carvão por causa do seu ruido quando accesas. Foram substituidas
por lampadas de incandescencia que são silenciosas mas que
aquecem infernalmente a atmosphera e transformam os studios num forno.
Para supprimir o ruido da camera foram estudados diversos meios. O
que se emprega, geralmente, hoje em dia, consiste em encerrar camera
e operadores em uma cabine hermeticamente fechada, munida de um espesso
vidro, através do qual se effectua a tomada de vistas. As portas
são fechadas exteriormente, de maneira que os operadores não
as possam abrir para tomar um pouco de ar. Para impedir que succumbam
à asphyxia, quando o seu trabalho se prolonga o ar lhes é
transmittido por meio de um tubo. Para a tomada de vistas exteriores
estas precauções são menos necessarias e a camera
fica ao ar livre. O perigo a evitar ahi é o da explosão
dos motores de automoveis passando nos arredores, ou de um aeroplano
cortando o ar.
O director da tomada de vistas, que dominava outróra no studio
como director absoluto, tem actualmente acima delle alguem a cujas
ordens deve obediencia: o chefe do registro sonóro ou como
se chama o "Controleur do som" ("controler of sound").
"Acima delle" é uma expressão concreta e não
uma simples figura. Este "controleur" está com effeito
fechado numa especie de cabine de piloto, collocada na parte superior
do estudio. A cabine é calafetada e as suas largas paredes
são constituidas por cinco espessuras de vidro.
Com um receptor telephonico no ouvido, o "controleur" ouve
pelo fio os sons e os ruidos que serão registrados pelo microphone.
Sempre com auxilio do telephone elle regula a natureza e a intensidade,
dando aos "metteurs-en-scéne" a permissão
para movimentar ou interromper o registro e a tomada de vistas. Alguns
instantes depois da scena ter sido fixada, ella é projectada
deante de todo o pessoal do estudio, reunido em assembléa,
afim de constatar se o registro foi bom ou se é preciso recomeçar.
É o que se chama o "play back".
O "talking" não dá margem a improvizações
de quaesquer especies. Tudo deve ser previsto com antecipação:
o scenario, o texto, os ruidos. Do mesmo modo não é
mais possivel, em face da synchronização sonóra,
rodar varias vezes a mesma scena para obter os differentes planos.
É-se obrigado a registrar ao mesmo tempo os "long shots",
os medium shots" e os "close ups", quer dizer os planos
geraes, os planos medios e os grandes planos.
Chega-se a esse resultado por meio de objectivas com cameras differentes.
Ou ainda dispondo-as em differentes partes do estudo e rodando sob
angulos diversos, Ha, às vezes, quinze! Mas como estas cameras
são fechadas nas cabines, ellas não têm a mobilidade
de que beneficiavam os filmes mudos e não se pode locomovel-as
tão facilmente, o que necessariamente dá ao filme alguma
monotonia.
De um modo geral, a photographia dos "talkies" é
menos perfeita do que a dos filmes mudos. É preciso dizer além
disso que ao publico americano o que interessa principalmente é
a novidade sonóra. Assim os "talkies" são
confeccionados com maior rapidez do que os antigos filmes: primeiramente
porque não se perde tempo recomeçando cinco ou seis
vezes a mesma scena sob o pretexto de que a estrella não appareceu
vantajosamente no grande plano; em seguida porque a "mise-en-scene"
é menos complicada e menos variada; enfim porque as partes
faladas consomem, sózinhas, uma longa metragem. Se se puzerem
de parte as despesas de amortização do material que
são formidaveis, o filme sonóro torna-se menos caro
do que o filme mudo e se póde produzir com vantagem. Póde-se
ser que, quando o filme falado tiver perdido a sua attracção
de ineditismo o publico se mostre mais exigente quanto ao assumpto;
mas tambem o periodo dos primeiros titubeios passou e a experiencia
adquirida permittirá melhorar uma producção ainda
defeituosa. Uma consequencia fatal do filme falado foi modificar a
escala dos valores dos artistas. As qualidades photogenicas tornaram-se,
senão secundarias, pelo menos insufficientes. É assim
que, por exemplo, as famosas "Bathing Beauties" de Mack
Sennet, as banhistas, cuja plastica impeccavel fez a fortuna de tantos
filmes, tiveram em sua maior parte de renunciar ao cinema, porque
ellas não sabiam cantar. Hoje, não resta senão
a pequena Thelma Hill, que soube resistir às exigencias do
microphone. As proprias "girls", que outróra eram
simples figurantes, são agora obrigadas à posse de um
minimum de talento vocal, e foram instituidos para sua aprendizagem,
cursos de canto nos estudios.
A principio suppoz-se que as artistas e os actores de theatro seriam
os mais aptos para os "talkies" e uma verdadeira multidão
desses elementos se precipitou dos theatros de Nova York para Hollywood
com esse objectivo. Mas o publico cinematographico se mostrou refractario
à dicção emphatica desses profissionaes. Na hora
actual, são as antigas vedettas de cinema que encontram o favor
perdido. Estudaram dicção e canto e retomam, por isso
progressivamente o seu lugar nos estudios.
Um dos problemas mais graves que affligem o filme falado, é
o dos mercados estrangeiros. Houve inicialmente tão intensa
procura dentro dos Estados Unidos, que os americanos não se
preoccupam com a exploração possivel em outros paizes
como a Allemanha, a França, a America do Sul. Mas conhecidas
como são as despesas formidaveis das copias em outros idiomas,
além da sua imperfeição, é no proprio
filme sonóro que estará a felicidade completa, e ampla
prosperidade das cinematographias de cada paiz.
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