AS CARTAS DE AMOR DE RODOLPHO VALENTINO

Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 30 de dezembro de 1926

Neste texto foi mantida a grafia original

Os ultimos pensamentos do formoso galã foram para Peggy Scott, a humilde bailarina dos cabarets de Londres
Pouco antes de morrer, Rodolpho Valentino teria segredado aos ouvidos de seu velho amigo Francisco Menillo alguma coisa muito sagrada, pois que este só a communicou, e debaixo das maiores reservas, a Alberto Guglielmi, irmão do fallecido.
Indiscreções ulteriores fizeram crer que as ultimas palavras de Valentino não se referiam a nenhuma de suas esposas, nem mesmo a Pola Negri, com quem dizia que ia casar-se muito em breve.
A mulher a quem tal segredo se referia nunca saberá que os ultimos pensamentos de Rodolpho Valentino foram para ella. Assim que a morte do famoso galã da téla se tornou conhecida em todo o mundo, a mysteriosa mulher das ultimas confidencias do actor se revelou, ingerindo uma dose fatal de veneno. Era Peggy Scott, de vinte e cinco annos de edade, dançarina de cabaret e artista accidental de cinema. No chão, junto ao cadaver da tresloucada, foram encontradas varias cartas de Valentino.
Essa correspondencia revela não só uma aventura sentimental secreta do "sheick", como tambem explica porque é que Valentino não conseguia viver em harmonia com nenhuma de suas esposas; mostra que essa aventura secreta, caso Valentino tivesse conseguido resistir á molestia que o victimou, teria tido um fim tragico e, além disso, reflete o curioso estado e espirito do formoso galã em face ao casamento e com relação ás mulheres. Evidentemente, houve na vida de Valentino uma phase que Pola Negri ignorou até o fim. Do contrario, nunca teria pensado em casar-se com elle.
Em uma palavra: Valentino queixa-se de que as mulheres não o sabiam tratar como elle as tratava. Sempre desejou que as mulheres fossem "companheiras de alegria", e ellas teimaram em ser "companheiras espirituaes". Queriam intervir em todas as partes de sua vida, de preferencia em sua carreira artistica; insistiam em estar constantemente a seu lado, em influir no seu espirito, em governal-o e dirigil-o, como uma esposa comum governa um marido commum. Isto era intoleravel para o seu temperamento, e elle acabava por se revoltar, afastando-se dellas.
Em 1921, quando elle e Peggy se conheceram em Biarritz por intermedio de Jack Pickford, que os apresentou, constituiam, evidentemente, um para o outro, o typo do "companheiro de divertimentos e alegrias", que Valentino preferia. Nessa época, elle era um actor pobre e desconhecido. Como essa linda e romantica dançarina de cabaret não fizesse nenhuma tentativa por dominar a vida de um joven pobre e que acabava de contrahir as suas primeiras nupcias, Valentino suppoz, quando chegou a homem rico e de fama mundial, que o carater da joven seria sempre o mesmo.

Peggy pretende ser a "Companheira Espiritual"

Mas quando a gloria e a fortuna bateram á porta de Valentino, e este já divorciado, estava na imminencia de contrahir novo matrimonio, Peggy Scott começou a dirigir-lhe cartas como a que se vae ler: "Sou sua companheira em toda a extensão da palavra, e o que mais desejo neste mundo é achar-me a seu lado, afim de ajudal-o e para que você me ajude. Você inspira e encoraja como nenhum homem soube inspirar e encorajar até hoje. A seu lado, sinto-me forte e sou capaz de tudo; longe de você, sou a mulher mais fraca que existe".
Essas cartas entediaram a Valentino, que começou a perceber que Peggy era uma mulher como todas as outras.

A opinião de Valentino a respeito dos cocainomanos

Mas Peggy não se conformou em ver Valentino "de vez em quando". Queria estar a seu lado constantemente e, como não o conseguia, buscou consolo na cocaina. O famoso galã soube-o e escreveu-lhe:
"Entristece-me realmente o que as suas cartas me suggerem e o que me contam alguns amigos que a viram. A cocaina é alguma coisa de maldito que destruiu muitas almas e muitos corpos. Recordo-me ainda vivamente do fim tragico do pobre Jack Pickford. Procure extirpar esse vicio como si se tratasse de uma chaga viva no corpo. Tenho remorso, ás vezes, quando desconfio que esse vicio terrivel você o tenha adquirido em contacto com as pessoas a quem apresentei, na primeira vez em que nos vimos. Eu não sabia que ponto aquellas pessoas estavam corroidas por esse monstro hediondo que agora ameaça anniquilar a sua saude".

Pola Negri não é uma rival

A resposta de Peggy foi apaixonada e se refere ás relações do grande actor com Pola Negri.
"Que valor e que autoridade podia elle ter - dizia a carta - para tentar combater um vicio della, se não fazia por ella o que estava fazendo por Pola Negri?"
Valentino respondeu: "Tire da cabeça essa ideia de que Pola Negri é sua rival. Ella nunca me produziu a impressão que você me produziu e nunca ha de occupar o logar que você occupa na minha vida... Mais uma vez lhe peço que abandone a illusão de que você é um genio que poderá conquistar a gloria do fim do dia parta a noite. Se dependesse de mim eu a levantaria nos meus braços até a fama, mas lhe asseguro que não está em meu poder. Sou apenas um escravo dos outros, uma peça infima de uma grande machina construida e dirigida por outros".

Infeliz vida matrimonial

Em outra carta Valentino confessa amargamente o desgosto que lhe causa a vida matrimonial: "Você não póde comprehender quanto tenho soffrido. Estava certo de que tinha encontrado a companheira ideal e pensei que não pudesse haver felicidade maior para um homem que a de unir-se com uma alma gemea. Bem cedo comprehendi que o casamento não se coaduna com o temperamento artistico e vivi angustiadamente os dias em que nada fazia para recobrar a minha liberdade. Oxalá nunca soffra o que eu tenho soffrido, e justamente por não querer que você soffra é que afasto a idéia de um casamento entre nós dois. Talvez lhe pareça extranho que eu, apesar da minha experiencia dos casamentos anteriores, tenha casado outra vez: mas cheguei a illudir-me de que seria differente e durante algumas semanas vivi nesse engano. Esteja certa de que não penso nem por sombra em me casar uma terceira vez. Os que falam do meu casamento com Pola Negri não sabem o que dizem. Não podem ser a não ha de ser, enquanto a lembrança do passado fôr uma advertencia para o futuro".

Valentino e os filhos

"O que você me conta a respeito de sua attitude para com os filhos - diz elle em outra carta - me entristece sobremaneira. Para mim não há felicidade maior que a de brincar com as creanças e me causa profunda pena que a vida tenha negado esse prazer. Ha momento em que desejaria abandonar tudo e retirar-me para viver tranquillo, rodeado pelos filhinhos; mas o destino resolveu que essa felicidade não seria para mim..."
Apesar do temor que manifesta a respeito do casamento e das mulheres não ha duvida que essa modesta bailarina exerceu influencia descisiva no seu espirito e que elle a amou como a nenhuma outra mulher na vida. Peggy Scott retribuia-lhe esse affeto de maneira excepcional. Basta dizer que o demonstrou com o gesto extremo: suicidando-se no dia em que lhe chegou a noticia da morte do seu amado. Amava-o e temia-o, tanto assim que nunca poz em pratica a sua ameaça, tantas vezes repetida nas suas cartas, de se mudar para os Estados Unidos, afim de ficar mais perto de Valentino. Viveu sempre em Londres. Quando o celebre galã andou por lá. Peggy Scott portou-se discretamente, não querendo que a sua presença pudesse perturbar a paz de espirito do homem amado.
Essa humilde e apagada figura de amorosa casou-se duas vezes, a primeira aos dezesseis annos de edade, e tinha dois filhos.


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