A MULHER NAS LUTAS POLITICAS DO MOMENTO
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 27 de agosto de 1933
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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Por
que são hitleristas as mulheres alemãs? |
Uma reportagem de M. Chaves Nogales para "Ahora" de Madrid:
"Eu não queria fazer propaganda de Hitler, mas se contar
isso, sei que vou fazel-a. Todavia, como preciso cumprir meu dever
de informante imparcial, ahi vae".
Um dos mais fortes apoios de Hitler são as mulheres, justamente
aquellas que Hitler, com um safanão, mandou para a cozinha.
- Acabaram-se os direitos politicos da mulher! - disse o "fuehrer".
- Ellas não têm nada que fazer na politica; o nacional-socialismo
precisa de mulheres que cuidem da cozinha e das crianças.
Foi isso o que disse o "fuehrer". E, logo nas primeiras
eleições, as mulheres foram todas votar em Hitler. Foram
as mulheres que, antes da ascenção do hitlerismo, lhe
deram a victoria nas urnas.
Em qualquer outro lugar, aquellas desabusadas declarações
teriam levantado um terrivel clamor de condemnação.
Mas contando isso aos hespanhóes, sei que estou, sem o querer,
arranjando uma porção de admiradores para Hitler.
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Nada
menos que o fogão! |
Quando Hitler manda as mulheres para a cozinha, e as mulheres vão
para a cozinha, deve ser por algum motivo sério.
E o motivo é apenas isto: quando Hitler mandou as mulheres
para a cozinha, deu-lhes a cozinha. Talvez, muitas das minhas leitoras
não compreendam a importancia desse facto. É preciso
que saibam, porém, que todas as dissensões politicas
e sociaes da mulher allemã têm esta unica, exclusiva
causa: é que não havia fogões, não havia
cozinha, não havia lares, não havia casas, não
havia homens. Quando isso acontece num paiz, com a intensidade que
occorria na Allemanha depois do armisticio, surge uma infinidade de
problemas sociaes, baseados no feminismo, verdadeiramente pavorosos.
As mulheres que a crise atirou à rua têm que hombrear
e lutar com os homens, nessa terrivel luta pela vida. As mulheres
pobres, naturalmente, levam o peor partido e quando apparece um soldado
que lhe diz: "Basta! Vá para a cozinha!", ella vae
mesmo, muito satisfeita, porque suppõe que, em verdade, ha
uma cozinha onde ella poderá trabalhar.
O problema é que haja cozinha. Hitler diz que ha. Eu não
creio.
Quando, às vezes, ellas vão apresentar a Hitler os seus
problemas sociaes, elle tapa-lhes a bocca com respostas decisivas.
- Qual é a politica do social-nacionalismo àcerca dos
filhos illegitimos? - perguntaram-lhe certa vez.
- Com o social-nacionalismo não haverá filhos illegitimos,
porque cada mulher terá o seu marido.
Isso, assim à primeira vista, resolve tudo. Mas... haverá
homens em numero sufficiente para que cada mulher tenha o seu marido?
Não ha na Allemanha maior numero de mulheres que de homens?
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Problema
insoluvel |
E o caso se complica muito mais, se se levam em conta as exigencias
racistas dos adeptos de Hitler. Estes sustentam a these de que nem
todos os seres humanos têm o direito de reproduzir-se; como
uma das pedras angulares do nacional-socialismo é a depuração
da raça, os nazistas entendem que só os aryanos puros
podem casar-se e ter filhos.
Um dos mais celebrados theoristas do racismo synthetiza seu programma
de aperfeiçoamento da raça numa divisão fundamental
das mulheres allemãs, que elle classifica em quatro grupos:
a) as que deverão casar-se de qualquer modo, porque seu casamento
é conveniente para a raça;
b) as que podem casar-se e ter filhos, se quizerem; não são
obrigadas;
c) as que não devem casar-se antes de serem esterilizadas;
d) as que não devem casar-se nunca, de nenhum modo.
Aos varões tambem são impostas restricções.
Uma das exigencias de Hitler para com suas tropas de assalto - que
são constituidas pelo que ha de mais selecto no nacional-socialismo
- consiste em obrigar aos soldados dessa tropa que queiram casar-se
a levar ao Serviço de Controle da Raça os quadros genealogicos
seu e de sua noiva.
Esse cuidado pelo "pedigree" reduz extraordinariamente o
numero de varões que podem ser maridos. Não se sabe,
pois, como irá Hitler cumprir a promessa que fez, de dar um
marido a todas as mulheres allemãs...
Nos tempos villipendiosos da democracia e do internacionalismo, a
raça degenerou, sem duvida, porque as mulheres germanicas não
tinham escrupulos de casar-se com judeus, hindus, chinezes, negros
ou o que houvesse. Eu quero crêr que as raparigas allemãs
preferiram, sempre, vêr os seus olhos claros reflectidos nos
olhos azues de um aryano dos mais puros... Mas se não houver
um aryano? Se, no mercado matrimonial, os judeus tinham boa cotação,
isso era devido à escassez de aryanos. E estes continuam a
escassear e, como Hitler não se decide a resolver o problema
de sua raça como o resolveu os criadores com a raça
bovina, é quasi certo que elle não cumprirá a
sua promessa.
Vão vêr como isso tudo é capaz de acabar na polygamia...
E os nazistas das tropas de assalto, com os quaes se tem tantos cuidados
hygienicos e eugenicos, parecem ser os indicados para cumprir essa
missão reproductora.
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O
destino das mães |
Os tres
"kás" - "kuche, kirche, kinder" -, isto
é, cozinha, igreja e filho, são o programma feminino
do nacional-socialismo. As mulheres allemãs não podem
se enganar.
Não ha uma unica alusão aos direitos da mulher em todo
o programma official do Partido. A patria allemã, são
os homens que vão só precisamos os filhos.
E, com effeito, desde que tomou conta do poder, Hitler foi mandando
para suas casas innumeras e importantes funccionarias que desde alguns
annos vinham actuando na politica e na administração.
É possivel que, mais tarde, quando não se converter
em realidade a esperança de que a volta ao lar vae melhorar-lhes
a existencia, Hitler tropece em obstaculos que lhe crearão
as mulheres desilludidas; hoje, porém, todas estão ao
seu lado.
Todas, não. Sejamos exactos. Se ha na Allemanha alguma cousa
capaz de resistir ao "fuhrer" são alguns syndicatos
femininos de operarias e empregadas que, por alguns signaes que já
deram, não deixam levar-se com a mesma facilidade dos homens.
Mas, como é facil prevêr-se, essa debil resistencia não
traz o menor cuidado ao governo.
Não. O problema, o pavoroso problema da mulher, surgirá
mais tarde. Quando a Allemanha acabava de perder a guerra, as infelizes
mulheres allemãs, que viam seus lares desfeitos, arruinada
a sua felicidade conjugal, arrazado o seu patrimonio e minadas as
bases de sua moral, lançaram-se a uma nova vida heroica, de
intervenção nos assumptos politicos, de trabalho nas
fabricas, de luta nas officinas, uma vida de aventura e insegurança.
Com essa surpreendente capacidade de adaptação que têm
as mulheres, aquellas que até então tinham sido enthusiastas
conservadoras das tradições germanicas mais puras; aquellas
mespatriarchaes; ao ver-se lançadas mas mulheres da classe
media, recatadas e honestas; as proprias campesinas, de costumes e
trajes no turbilhão do após-guerra, improvisaram uma
vida nova, sem o apoio da moral tradicional, sem base solida de subsistencia,
vinculada nas angustiosas necessidades do momento - uma vida puramente
immediatista que desdenhava o passado (demasiado triste) e o futuro
(demasiado incerto).
Trabalha-se furiosamente para gastar-se immediatamente o que foi ganho.
Homens e mulheres entregam-se exclusivamente ao afan de cada dia e
não havia outra preoccupação além daquella
de arranjar o dinheiro necessario para as despesas do dia. Assim foi
se refazendo a Allemanha.
Mas chegou o momento em que as mulheres, as mais debeis, as que sempre
levaram o peor parte, não podem mais. Extenuadas, batidas constantemente
nessa luta desigual, ouviram, como uma voz celeste, as palavras do
"fuehrer":
- Volta ao lar!
- Será verdade? - perguntam, ainda incredulas. - Voltaremos
aos nossos bellos tempos? Teremos lar e filhos?
Ellas, porém, ainda não reflectiram bem na verdadeira
situação; o que ellas chamam "os bellos tempos"
foram os annos pouco anteriores a 1914, quando já se estava
preparando a guerra. Nem sequer pensaram que, quando se lhes pedem
filhos, é porque se espera o momento em que elles vão
ser necessarios.
Muitos, muitissimos filhos de mães allemãs vão
ser necessarios ao "fuehrer". Todos serão poucos...
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