NOVAS NOITES DE PARIS

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 27 de abril de 1947

Neste texto foi mantida a grafia original

Paris, abril- Durante a ocupação, quando não se tratava de passear e dançar, continuaram os costureiros de Paris a apresentar em suas coleções vestidos de "soirée".
Nenhuma francesa pensava em comprá-los e muito menos em usá-los. Mas, em favor da reputação da elegancia de Paris, cada estação viu nascer, assim, uma linda "toilette" inut um vestido que descia até as canelas e deixava os ombros nus. Confesso que acho esse gesto verdadeiramente nobre. Concentrar seus cuidados e seu genio para criar uma "toilette' invendavel, consagrar um tecido raro e precioso a um modelo sem comprador, não é deveras detalhe que deveria ter seu lugar à margem da historia?
O vestido de "soirée", simbolo dos fastos de Paris, conheceu desde a libertação um outro destino... Nunca se viram mais bonitos entre as coleções. A parisiense redescobria a beleza do vestido comprido, a leveza das dobras caindo sobre a cintura, a pureza das costas nuas. Mas, toda pronta a gozar essas delicias recuperadas, tropeçava em todos os obstaculos opostos ao vestido comprido dentre os quais o menos facil de contornar era por certo a ausencia de automovel. Pois um vestido de "soirée" não se poderia acomodar a uma calçada molhada pela chuva. Vestida de filó, estava impossibilitada de descer as escadas do Metro, ou as escadarias da Opera.
Eis porque a parisiense aspirou por tanto tempo pelos vestidos de "soirée", sem, contudo, ousar ceder à tentação. Assim, durante algum tempo, por ocasião das estréias, viram-se mulheres trajadas com esses vestidos semi-curtos. Lembro-me de um recital de gala no ano passado, em que quase todas as espectadoras se achavam com trajes de passeio. Mas como a elegancia não perde seus direitos, a maioria como em revide, estava com chapéus de paraísos.
- "Os paraísos não se adaptam aos vestidos curtos" - resmungou um dos meus amigos, exigente com todos os homens e sempre acima das contingencias. Admitiu, contudo, a explicação que lhe dei.
Mudaram os tempos. Os carros voltaram, os táxis já podem ser encontrados e nos convites viu-se novamente essa pequena frase que a guerra e a paz tinham relegado ao dominio do impossivel: traje de rigor obrigatorio. Mas como a razão deve ainda por algum tempo intervir até mesmo na elegancia, como o vestido de "soirée" atinge preços estravagantes - do mesmo modo que o "smoking" dos homens - alguns convites mencionam: traje de passeio ou de rigor, ou ainda, traje de rigor preferivel.
Uma dona de casa a quem certos convidados reprovavam a decisão formal de só os acolher em traje de rigor, respondeu:
- "É preciso que a elegancia de Paris encontre novamente todo o seu brilho."
Mas, a despeito de tudo, é impossivel privar os parisienses de um espetaculo sob o pretexto da indumentaria. Um recital de gala onde só se cogita de mundanismo, pode ser sempre dispensado. Mas a musica, a opera, o teatro não saberiam permanecer submetidos a uma questão de "toilette".
Neste inverno então Paris tomou a decisão que tudo concilia. Restabeleceu as sextas-feiras da Opera, e a batizou de "Sextas-feiras da Elegancia".
Nesse dia o traje de rigor é obrigatorio. Acabaram-se os puloveres nos camarotes, e os paletós-sacos nas filas de orquestra.
Direi que nesses dias o programa não tem primordial importancia. Qualquer obra do repertorio pode estar no cartaz. Não é o essencial. O essencial é que num Paris friorento, onde a vida levou tempo para se reencetar, existe um espetaculo encantador: ombros nus nos camarotes, paradas de beleza no intervalo e, à saida, a encantadora majestade dos vestidos compridos nos degraus das escadarias.



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