O REI SUECO DOS CHAPÉUS CRIA UM NOVO MODELO

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 25 de agosto de 1946

Neste texto foi mantida a grafia original

LONDRES, agosto - Rune Holmgren tornou-se, aos trinta anos, o embaixador sueco dos chapéus. Em Buenos Aires e Shangai, Bombaim e Nova York, Londres e Paris, estrelas do cinema, atrizes e elegantes representantes do belo sexo ostentam orgulhosamente chapéus por ele idealizados, demonstrando-nos que a Suecia não só produz Ingrid Bergman e madeira, mas modas tambem.
"Três fatores são imprescindiveis na criação de um novo modelo - disse-me Mr. Holmgren, quando de minha visita ao seu atelier que ocupa todo um quarto andar em Arsenalsgatan, uma rua de antiquarios, em Estocolmo.
"Primeiramente, nunca se idealiza um chapéu para uma mulher estando ela sentada. É preciso que ela ande com o chapéu para que se possa ver se o estilo e a forma condizem com seus movimentos e tipo. Em segundo lugar, o chapéu precisa ser entregue no dia aprazado; e, por ultimo, deve ser feito rapidamente. O ideal seria entregá-lo no mesmo dia em que é encomendado; sendo isso, porem, impossivel, eu me esforço no sentido de aprontá-lo, no maximo, uma semana após a encomenda. Alem disso o chapéu é comprado quando a freguesa a isso se sente inclinada; se tiver de esperar muito, é capaz de mudar de idéia e desistir da compra."


Modelos para moças que trabalham

Na Suecia, os elegantes e distintos chapéus de Rune Holmgren são comprados por pessoas de todas as camadas sociais, desde a nobreza até as moças que trabalham em escritorios comerciais, para as quais ele tem apresentado modelos especiais. A princesa Sibylla, futura rainha da Suecia, e a princesa Luise são suas clientes.
Sua reputação transpôs fronteiras. Esposas de diplomatas estrangeiros e outras distintas visitantes, que passam na Suecia algum tempo, continuam usando seus modelos mesmo depois de serem seus maridos transferidos para outros países. Elas confiam em seu gosto. Muitas vezes, Holmgren recebe somente uma amostra do tecido do qual querem seja feito o chapéu, ficando a seu inteiro criterio o estilo e as linhas.
A sempre jovem Mistinguette, que descobriu o louro sueco durante sua aprendizagem em Paris, antes da guerra, é ainda sua freguesa. Há pouco tempo, ao visitar Estocolmo, lady Beveridge entregou-lhe um desenho do chapéu que ela desejava possuir. Sendo uma matematica sagaz, tinha escrito nas medidas: 15,3x11,9 polegadas! "A principio pareceu-me que o chapéu ia ficar qual uma cruz qualquer coisa entre uma sombrinha e um vaso de flores, disse-me Mr. Holmgren; "porem, depois de pronto, ficou um encanto".

A influencia Inglesa

Holmgren tem somente um passatempo: antiguidades; particularmente no que se refere a "necessaires" do seculo 18, para homens, das quais possui valiosa coleção em sua casa de solteiro em Floragatan, rua de Estocolmo que tem um aspecto tão inglês quanto qualquer das ruas londrinas. Moveis antigos e modernos dão ao seu lar uma nota original. Nota-se claramente a influencia inglesa. A sala de estar tem grandes e convidativas poltronas e confortaveis canapés cobertos de cretone. Embora, por ocasião de minha visita, estivessemos no verão, bonito fogo crepitava na lareira, a cujos pés Gillie, linda cachorrinha descansava muito satisfeita consigo mesma para prestar qualquer atenção ao visitante. Á simplicidade de seu quarto contraria entretanto, com o conforto dos outros comodos. Vê-se ali somente um estreito leito, uma cadeira de madeira e uma mesinha com o retrato de seu poeta favorito - Done; nem um enfeite, nem mesmo um tapete.
Confortavelmente sentado em sua cadeira predileta, na sala de estar, ao lado do radio, Mr. Holmgren contou-me que pertence a tradicional família da terra, cujos membros tinham feito da Igreja ou da Marinha suas profissões, sempre que não se sentiam inclinados a tomar conta de suas propriedades.

Pediu emprestado 25 libras

"Interesso-me pela arte desde a mais tenra idade" - prosseguiu. "Passava a maior parte de minhas horas de folga nos museus. Ao tornar-me moço, decidi ir estudar moda em Paris. Meus parentes ficaram horrorizados. Chamaram-me efeminado e recusaram terminantemente toda e qualquer especie de auxilio financeiro, caso eu persistisse nessa "idéia maluca". Uma tarde, tomando emprestadas 25 libras, fui para Paris. Logo depois estava estudando desenho, apaixonadamente na Academia de Belas-Artes. Algum tempo mais tarde, empreguei-me numa casa de modas; porem, cedo descobri que os chapéus eram minha verdadeira queda. Tive uma sorte enorme conseguindo fazer minha aprendizagem com Germaine Patat, tendo sido aqueles anos de valor inestimavel para mim. Criavamos modelos para a aristocracia francesa, atrizes e estrelas de primeira grandeza. Foi quando conheci Mistinguette, que é agora muito minha amiga. Em agosto de 1939 estava eu em Paris, à procura de um lugar adequado para abrir um estabelecimento proprio quando a guerra foi declarada. Tinha me decidido pôr uma loja na rua Auboré, bem atrás da Opera; mas, tive de desistir e vir para cá. Ao chegar a Estocolmo instalei-me neste atelier e fiquei à espera das freguesas. Vi-me face a face, entretanto, com uma esmagadora desconfiança! Um homem ditando modas femininas, e ainda por cima de chapéus, era alguma coisa de assombroso não inspirando a minima confiança. Entretanto, uma ou duas mulheres decidiram-se - sinto dizê-lo - mais por curiosidade do que por outra coisa qualquer. Comecei a vencer. Em 1939 o meu estabelecimento comportava, alem de mim, somente uma vendedora; hoje temos um ajudante, oito vendedores e diversos manequins vivos. Meu modelo favorito é uma garota filha de pai inglês e mãe sueca, chamada June Chiltern. Possui ela um desses raros rostos que ficam encantadores com chapéus pequenos ou grandes, juvenis ou não".

Chapéus faceis de serem transformados

"Minhas freguesas são de todas as esferas sociais; prefiro, porem, as que trabalham em escritorios. Não podendo dispender muito, ficam imensamente agradecidas por qualquer chapéu gracioso que eu lhes arranje. Para elas criei o modelo "quick change". Tem uma fôrma simples, podendo ser usado com diferentes enfeites; uma fita de "grosgain" pela manhã pode ser substituida por um véu à hora do almoço. O véu pode ser usado em volta do chapéu, caido às costas ou sobre o rosto. Algumas flores naturais para um jantar fazem maravilhas. Todos esses enfeites podem ser presos ao chapéu por meio de alfinetões. Para essa especie de chapéu, faço geralmente oito diferentes enfeites."

Inspira-se em museus

Mr. Holmgren recusou-se a revelar os modelos de chapéus para o proximo outono; acha, entretanto, que o usado bem atrás continuará em voga, modificado, apenas na parte sobre as orelhas.
"Vou a Paris em breve visitar as novas exposições e em busca de novos modelos; mas, falando francamente, prefiro inspirar-me nos museus. Os antigos egipcios e o frivolo seculo 18 são fontes inexauriveis de idéias e inspirações."
Há pouco criou, para as primeiras mulheres suecas que serviram na aviação, um modelo e gorro azul-marinho com as aguias suecas douradas sendo usado bem atrás.


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