MORRE ANDY WARHOL, O PAPA DO POP
O
artista plástico e cineasta norte-americano, um dos mitos
da arte moderna, morreu ontem de uma parada cardiopulmonar em Nova
York
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Publicado
na Folha de S.Paulo,
segunda-feira, 23 de fevereiro de 1987
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Morreu, ontem pela manhã, no New York Hospital, em Nova York,
de uma parada cardiopulmonar, o artista plástico e cineasta
norte-americano Andy Warhol, um dos maiores representantes da arte
pop, aos 56 anos. As versões sobre sua idade, entretanto, variam
e fazem parte de uma mitologia do superstar que ele alimentava em
torno de si mesmo e de seus retratados e amigos. Warhol, que não
era casado nem tinha filhos, se internara na última sexta-feira
para uma cirurgia de vesícula. Após a operação,
que ocorreu no sábado, seu quadro era estável. Seu estado
começou a piorar na madrugada de domingo, quando sofreu uma
parada cardíaca enquanto dormia. Às 6h31, após
quase uma hora de trabalhos para reavivá-lo foi considerado
morto.
Filho de imigrantes tchecos, Warhol (seu nome de família era
originalmente Warhola) nasceu em Forest City, na Pensilvânia,
costa leste dos Estados Unidos. Seu pai foi operário e mineiro.
Antes de partir para Nova York, em 1949, Warhol trabalhou como vendedor
de legumes e de refrigerantes, o que ironicamente iria contribuir,
como experiência, para a criação de seu universo
estético. Ainda na Pensilvânia, o futuro artista estudou
Arte no Carnegie Institute of Technology de Pittsburgh e foi vitrinista
de uma loja de departamentos.
Chegando em Nova York, tornou-se ilustrador de moda, realizando publicidades
para diversas revistas, lojas de departamentos e gravadoras de discos.
O percurso já estava traçado. Anos mais tarde, em 1960,
Warhol realizaria as primeiras pinturas baseadas em Dick Tracy, Popeye
e Super-Homem, além de duas garrafas de Coca-Cola, inaugurando
assim, em meio a um dos mais sofisticados cenários das artes
plásticas contemporâneas (formado pela tradição
de Jackson Pollock e Willem de Kooning), um novo filão: a elevação
da banalidade e da vulgaridade cotidiana a estatuto de arte (ou vice-versa).
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Tensão
estética |
A consagração
viria mais tarde, em 1962, quando, além de realizar a série
de pinturas de notas de um dólar (da qual uma das telas foi
vendida em 1986, num leilão, em Nova York, por 385 mil dólares,
o equivalente a Cz$ 7,3 milhões, o maior preço já
alcançado por um de seus trabalhos até agora), Warhol
expôs suas já clássicas latas de sopa Carmpell's
(reproduções quase que fotográficas, como na
ilustração publicitária do produto) na Ferus
Gallery, em Los Angeles. Estava confirmada uma nova arte, uma das
últimas correntes artísticas do século a manter
uma profunda (apesar de seu "parti-pris" pela superficialidade
e pelo lugar-comum) tensão estética em seus propósitos,
um questionamento intenso entre o lugar da arte e a banalidade do
mundo.
Em seguida, fascinado pela dimensão comercial da sociedade
contemporânea, e, especial a norte-americana fundada sobre o
consumo, Warhol diversificou seus meios. O primeiro filme da carreira
de um cineasta que, embora menos conhecido como tal (fechado no interior
do criativo underground do anos 60), iria revolucionar as relações
ontológicas de tempo e espaço da imagem cinematográfica,
chamava-se "Tarzan and Jane Regained... Sort Of" (1963)
e ratificava a sedução pelos "mass medias",
dos quadrinhos à fábrica de mitos de Hollywood.
Não é à toa que, nesse mesmo ano, seu estúdio
inicialmente localizado na parte leste da rua 47 (centro de Manhattan)
tenha sido denominado The Factory ("Quero ser uma máquina",
disse certa vez o artista), caracterizando menos um ateliê,
no sentido clássico e artesanal do termo, do que uma tentativa
de centro de produção multimídia, longe ainda
das tecnologias atuais mas guiado pela ideologia profana do pop.
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'Submundo
das artes' |
Trabalhando
com super-8 e videoteipe num primeiro momento, Warhol realizaria em
seguida filmes fundamentais dentro da história recente do cinema,
como "Sleep" (o registro, durante seis horas ininterruptas,
de um homem dormindo), em 1963, "Empire" (um único
plano de oito horas do Empire State Building, em Nova York), em 1964,
e "Chelsea Girls" (o registro de "pessoas fazendo várias
coisas", durante sete horas, no mitológico Chelsea Hotel,
em Nova York), em 1966.
Já aí o artista começava a criar um universo
povoado por pessoas e situações do então "submundo
das artes", onde desenvolveria até as últimas consequências
seu projeto pop. Fariam parte dele Paul Morrissey (que colaboraria
em seus futuros filmes) e o conjunto de rock Velvet Underground, mas
também, mais recentemente, personalidades do "jetset"
internacional. Foram estes últimos provavelmente os principais
responsáveis por uma reapropriação da obra de
Warhol por um olhar mais decorativo, distante do sentido inicial que
a movia.
A verdade é que, através dos retratos de celebridades
e grandes mitos (de Jacqueline Kennedy a Marilyn Monroe, Elvis Presley,
Mao Tsetung e Mick Jagger) e do mundanismo com que envolveu a produção
de seus filmes radicalmente marginais e sua própria vida, Warhol
jogou todo o mundo (a arte inclusive) num mesmo saco, confundido estatutos
e trocando lugares, transformando o mundo numa grande festa, um simulacro
onde os limites não existem mais.
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