OS HEROES ANONYMOS DA CINEMATOGRAPHIA

Como em Hollywood, os estudios cinematographicos de Allemanha tambem possuem os seus modestos Cyranos de Bergerac...

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 22 de Julho de 1934

Neste texto foi mantida a grafia original

São innumeras as pelliculas cinematographicas em que nós vemos, em certas occasiões, as nossas "estrellas" favoritas realizarem actos de verdadeiro heroismo.
Nossos olhos assombrados seguem, na tela, as tremendas peripecias desses temerarios heroes...
Na realidade, porém, as "estrellas" amam a vida acima de tudo e não são capazes de realizar muitas coisas que nos deixam de cabellos arripiados. É que, como todo o mundo já sabe, essas scenas perigosissimas não são executadas por ellas, mas são apenas "trucs" habilmente feitos - ou com bonecos, ou com terceiras pessoas a que a technica cinematographica dá o nome de "doubles".
Esses "doubles" é que, em verdade, são os heroes do filme e provêm do mundo profissional dos equilibristas, nadadores, acrobatas, atiradores, etc.
Qualquer espectador pode observar que essas scenas "perigosas" são rapidissimas e quasi nunca são tiradas em primeiro plano. A "camara" toma a photographia a certa distancia, de modo que passem despercebidos certos detalhes que poderiam permitir ao publico a descoberta immediata do "truc".

Ritter, o "double" dos saltos mortaes

Nos estudios allemães é muito conhecida a figura do artista Hans Ritter - completamente incognito para o publico de cinema.
Ritter é o "double" predilecto para as scenas mais perigosas do cinema allemão. Ha uma pellicula que mostra Ritter num de seus grandes Saltos, atirando-se ao mar, do alto de um penhasco. É a scena de um filme que tem por interprete Albertini - que é quem recebe os louros...
Ritter tem feito innumeras scenas como essa, mas sempre como "double" de artistas allemães; já trabalhou em mais de duzentos filmes.

Ernest, o cavalleiro agil que serve até de "ecuyére"

Não menos famoso no pequeno mundo profissional dos estudios é o cavalleiro Ernest.
Em innumeros filmes em que apparecem scenas de circo, de caça ou de perseguições a cavallo, surge Ernest com seu arrojo e a sua pericia, pois é commum encontrarem-se artistas de cinema que não sabem nem mesmo pôr um pé no estribo. Mas, para essas complicações lá está o Ernest. O Ernest é, nesses assumptos, pau para toda obra, pois ha pouco tempo, com uma cabelleira branca e um saiote engommado, esse extraordinario latagão serviu de "double" para a estrella Gina Manés, fazendo arriscadas acrobacias sobre um cavallo, numa scena de circo com a pericia e a graça de uma authentica "ecuyére".

Os irmãos Stezza e os seus saltos mortaes

O cinema allemão foi, sem duvida, o primeiro a explorara o thema de circo nos seus filmes, com scenas arripiantes em que, geralmente, o galã despeitado, num trabalho de trapezio, solta as mãos do seu rival diante dos olhos assombrados da heroina.
Anna Sten, a grande artista russa que o Brasil ainda não conhece, trabalhou na Allemanha antes de ir para os Estados Unidos. E num dos seus filmes para a Ufa ha uma scena dessas, uma scena perigosissima em que a grande estrella executa num trapezio os mais arriscados trabalhos com o setor Wolkbruck. A verdade, porém, é que esse trabalho complicado era feito por dois "doubles", os famosos irmãos Stezza, trapezistas eximios dos grandes circos de Berlim.
Hermann Stezza é o verdadeiro heróe - sem "truc"- dos filmes de acrobacias circenses. Já levou mais de quarenta tombos, num dos quaes fraturou uma perna, e realizou até agora quasi quinhentos saltos mortaes. Elle e sua irmã são dos mais famosos trapezistas da Europa.

Raffle Bill, o verdadeiro "Guilherme Tell"

Um filme historico allemão que causou grande successo na Europa foi o "Guilherme Tell", biographia cinegraphica do heróe da independencia suissa. Foi interprete desse filme o actor allemão Hans Marr.
É sabido que uma das passagens mais empolgantes da vida do libertador suisso foi aquella da maçã collocada sobre a cabeça do seu filho, maçã que elle devia atravessar com uma setta.
O filme, naturalmente, reproduziu essa scena. Vê-se nelle, com effeito, Guilherme Tell empunhar o arco, desferir a flexa e arrancar a maçã do alto da cabeça do seu filho.
A verdade, todavia, é que o Guilherme Tell dessa scena já não era o actor Hans Marr, mas o seu "double" Raffles Bill, famoso atirador dos circos de Berlim. Este Raffles Bill procede do authentico "west" americano e tem fama de ser o melhor atirador do mundo. Elle mantém em Berlim um "cabaret" onde se exhibe todas as noites. Um de seus numeros de sensação consiste em atravessar com a bala do seu "rifle" infallivel o canto de uma carta de jogar, que uma maçã sustém na mão esquerda.
Como se vê, o cinema está cheio de Cyranos de Bergerac que, a exemplo do heróe da Gasconha, fazem as suas façanhas para verem depois, o outro ir, placidamente "colher o beijo da victoria..."


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